domingo, 16 de agosto de 2020

GRATIDÃO POR GRATIDÃO

             Enquanto muitos autores dedicaram-se ao longo do tempo a estudar a “A História da Filosofia”, Walter Benjamin, na primeira metade do século passado inverteu a combinação e dedicou-se a desvendar “A Filosofia da História” que Michel Löwy detectou no seu conteúdo três fontes: o romantismo alemão, o messianismo judaico e o marxismo.

            As contribuições desse autor, devido ao abreviamento da própria vida, ficaram incompletas, mas isso não impede de considerarmos que a influência do romantismo messiânico e religioso, na História Moderna, derrotou iminentes figuras políticas e processos, como Maquiavel, os vários propositores do socialismo utópico e, para resumirmos, passou pelo “sandinismo” nicaraguense, pelo “chavismo”, chegando até nós por meio do “lulismo” brasileiro.

            A concepção romântica e messiânica da História, na visão de Benjamin, é a compreensão de que ela com concebe o “devir histórico” como um tempo indeterminado de progresso na busca do “reino de Deus” e nunca se coloca como um processo de transformação por meio da revolução.

            Ao tomarmos como referência a categoria de análise do messianismo religioso não estamos dizendo que a religião comandou a política, mas sim que a execução da política ganhou contornos religiosos de um entremeio de juízo final, que redimiu a parte ofendida, mas não condenou a parte culpada. Aliás, embora, sempre relutamos incluir em textos de análise citações religiosas, neste, elas cabem, porque as esquerdas no governo fizeram acontecer o Evangelho de João ( 14:2) “Na casa do meu pai há muitas moradas”.

            A influência desse enunciado religioso esteve e está expresso literalmente nos programas de governo de esquerda desde o Federal até os municipais, nessas décadas do novo milênio com essas palavras: “governo para todos”. Isso serviu para mostrar que há lugar para os banqueiros, industriais, agronegócio, mídia conservadora e também para os pobres (nos programas assistenciais). Para os negros e índios apenas nas cotas educacionais, mas não na demarcação de suas terras, porque a posse das reservas e das áreas de quilombos deveriam ser, como sempre foi desde a chegada dos portugueses, “democraticamente” reservadas para o grande capital.

            Olhando de soslaio para o tempo messiânico, que diversos autores denominaram de “ascendência do lulismo” no Brasil, percebemos que, há menos de uma década, por volta de 2010, a sensação era de que a oposição institucional da direita havia sido aniquilada e que, a rigor, agora se repete com a pouca expressão da esquerda; com uma diferença de que o aniquilamento não é aparente, mas dura e ofensivamente real.

            Um consolo, no entanto, nos serve como alento, de que esse enfraquecimento das esquerdas não é mérito do “bolsonarismo” e, por isso, por ele nunca fomos derrotados. A derrota, como diria Benjamin, aconteceu pela intervenção de um “autômato” que teleguiou a condução da política com o espírito messiânico de que, a bondade é infinita e que a redenção não se dá sem o perdão dos culpados.   

            Por outro lado, ou mais precisamente, pelo lado ofensivo da extrema direita, vê-se, neste momento, que estamos no meio do caminho entre o início e o fim da pandemia, pois, é provável que as mortes causadas pelo vírus, por um bom tempo ficarão próximas de mil pessoas por dia; isso deveria levar a execração pública do presidente e conduzi-lo ao julgamento no Tribunal de Haia. No Entanto, a sua popularidade começa ganhar consistência, ameaçando com os mesmos instrumentos assistencialistas usados pelos governos anteriores, fazendo render para uma melhora fictícia na redução da pobreza, maior do que a que foi alcançada pelo governo Lula, pois atende a 60 milhões de brasileiros, isso é mais do que suficiente para eleger um presidente da República.

            As análises agora estampam títulos que buscam explicar o reverso do messianismo, expondo que “o lulismo está ameaçado”. E por que não estaria se as massas mais pobres continuam sequestradas no mesmo cativeiro da cooptação das consciências? O que os governos anteriores fizeram foi apenas entregar a chave para o presidente atual. Agora, veremos se as vozes formais e populistas virão a publico para dizer que se havia tirado da miséria e levados para o status de pobres milhões de brasileiros. Coisa que sabíamos que era apenas uma fantasia pois o que ocorreu foi apenas uma distribuição, sustentada por dinheiro público, de comida e não de renda que continuou ainda mais concentrada.

            E não precisa de grande formação política para perceber que, se as políticas assistências como “Bolsa família” que sustentou a popularidade dos governos anteriores, e agora continua existindo, mostra que muito pouco foi feito para redimir os pobres da miséria e que, na “casa com muitas moradas”, esta na qual a pobreza habita, continua sendo visitada pela assistência, produtora de gratidão, mas não de consciência.

            Somado a isto, vem o auxílio maior, corroborado pelo consenso entre todas as forças políticas para que o governo ultrapassasse o teto dos gastos e estabeleça o pagamento nunca visto, de um crédito de R$ 600,00 que se prolongará enquanto continuar a pandemia, mas, para o governo interessa pagá-lo, nesse valor, até o mês de Novembro, quando se realizarão as eleições municipais. Depois será insustentável para o Estado, mas poderá ocorrer um consenso de reduzi-lo para R$ 200,00 e será suficiente para reeleger Bolsonaro porque está acima do valor oferecido pelos governos anteriores.

            Não tenhamos dúvidas, o prolongamento da agonia da pandemia beneficiará o presidente da República que receberá a gratidão das grandes massas desempregadas e famintas, pelos benefícios garantidos e, mesmo ele não tendo um Partido para disputar as eleições municipais, a classe dominante saberá utilizar os benefícios para afirmar as bases para a próxima campanha presidencial.   

            Se no tempo presente a História reduziu as possibilidades de reação, foi porque as forças que poderiam agora reagir, foram atreladas ao processo institucional e desaprenderam a fazer política fora do processo eleitoral, cujo voto passou a respeitar mais a gratidão do que a consciência. E para reverter essa situação somente com uma intervenção contra o crédito emergencial pela substituição da distribuição de renda fixa pela promessa da distribuição da riqueza. Caso contrário, as forças de esquerda ficarão no limbo por um longo período.

            Gratidão por gratidão, se com a referência passada já foi retribuída com 4 mandatos do PT, agora, mesmo que o benefício venha pela mão agressiva de um neofascista, é dela a vez de receber o reconhecimento dos pobres assistidos. Então será o tempo de perguntar: o que foi o lulismo senão uma intervenção assistencialista e messiânica, que tratou as massas, da mesma forma que vinha sendo tratada ao longo da História do Brasil, como gado nos “currais eleitorais”?

            O tempo sempre foi favorável com aqueles que constroem grandes obras. Mas ele não pode ser visto como eterno e nem como redentor sem punição. Se o messianismo mostrou e nos mostra pelo “bolsonarismo” que o assistencialismo é uma forma momentânea mas astuta de fazer política, é sinal que o caminho a seguir tem que ser outro. O tempo cobra uma meta de chegada e o processo de superação proposital do capitalismo, precisa ser posto em marcha.

            Já é tempo das forças de esquerdas combaterem as ilusões em suas fileiras e na mente das massas exploradas. Desde a crítica ao socialismo utópico é que o marxismo vem mostrando que é preciso mais ciência e menos emoção e oportunismo na prática política. O capitalismo não será superado com a união de todas as forças e nem pela suposta “democracia eleitoral” que só existe e permanece em vigor enquanto favorecer a ordem dominante. A superação do capitalismo virá pela vitória da luta de uma força sobre a outra. As duas juntas não formam uma vitória, porque não constroem nenhuma derrota.

            Se a gratidão social é alheia à consciência para quem a dá, ela não é para quem a recebe. Tanto as forças de esquerda, quanto as do nazismo, já mostraram o que podem fazer na política com o apoio popular. O que as massas populares ainda não viram é que, em ambos os domínios elas ficaram de fora da “casa grande”. Enquanto esta casa não for derrubada, seja de qualquer mão, a ajuda sempre será bem vinda e mão ingenuamente beijada e gratificada.

“Mesmo os cães famintos sabem que não é boa a ideia morder a mão que os alimenta”; diz o roteirista norte-americano. Mordem sim, aqueles que os importunam enquanto comem. Portanto, conheceremos a verdadeira política, quando o tratador for extirpado da cultura e os tratados assumirem o comando da própria história. Até lá, o messianismo continuará sendo o espírito da política no capitalismo.

                                                                       Ademar Bogo

             

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