domingo, 14 de junho de 2020

COMBATER O FASCÍNIO E O FASCISMO


            
            O filósofo alemão Wolfgang Fritz Haug escreveu no século passado, o livro, “Critica estética da mercadoria” e nos mostrou como os indivíduos na sociedade fascinam-se quando entram em contato com as mercadorias. A qualidade torna-se um símbolo que atende e supre às necessidades imediatas; por isso, a característica particular do artigo de marca baseia-se na imagem que afirma o proprietário ou o monopólio.
            Portanto, é de fundamental importância observar que nos movemos cotidianamente por valores estéticos que, no jogo comparativo entre o bonito e o feio, o atrativo e o repulsivo, o bom e o ruim, o forte e o fraco etc., tendemos sempre a ficarmos com as referências que entendemos como positivas. Quanto a isso pouco temos a dizer, pois, entendemos que as escolhas fazem parte de nossa “privacidade democrática”. O que não sabemos claramente é que, essas escolhas fazem parte do jogo capitalista de legitimar as necessidades da classe dominante, ao mesmo tempo em que legitimam também as necessidades dos dominados e, estética, vista aqui como a viam os gregos, como “a arte de sentir”, participa como a força de legitimação. 
            É nesse sentido que podemos falar de “engano consciente” que impulsiona o indivíduo para o consumo porque gosta ou se sente atraído pelo produto, mas, ilusoriamente engana-se o indivíduo ao achando ser melhor aquilo que o satisfaz. A atração é aumentada por meio da propaganda que ataca propositalmente o Id humano, responsável pelo princípio do prazer, que fica ainda mais exacerbado quando toma conhecimento, por meio da propaganda que há produtos em promoção.
            A transmutação da estética do mercado para a estética política acontece pela simples substituição dos produtos oferecidos. As necessidades subjetivas precisam também serem despertadas e supridas pela fascinação. A relação é tão íntima entre o mercado e a política que não há como fazer uma boa campanha eleitoral sem oferecer resultados ou valores de uso antecipados.
            As semelhanças tornam-se ainda mais evidentes quando tomamos como referência de análise a categoria da “concorrência”. As propostas apresentadas pelos candidatos estão no mesmo nível de fascínio, isto porque, elas não ameaçam, ao contrário, fortalecem a esperança do consumo. Elas aproximam, por meio da fantasia, o eleitor da futura aquisição: casa, eletrodomésticos, pacotes de viagens, acesso à escola etc.
            Se isto é verdadeiro, com muita facilidade compreendemos porque há oscilações e, muitas vezes, bruscas inversões dos regimes democráticos para regimes totalitários e exemplo do que vemos no Brasil quando houve o desprezo pelo novo-desenvolvimentismo pela escolha do fascismo. Qual é o ponto crítico dessa inversão? Podemos atribuí-lo sem medo de errar: ao fascínio do consumo que, ao seu redor gravitam outros desejos.
            A lógica para explicarmos esse fenômeno reside no próprio movimento da consciência das massas que têm por base os elementos da estética econômica. Na medida em que o sistema capitalista se mantém intocável, as satisfações devem ser encontradas nele mesmo. Logo, não havendo consciência critica é o fascínio do consumo prometido que impede de percebermos os fundamentos estruturais da exploração e, o indivíduo atraído coloca-se frente ao tempo espera como se estivesse diante da porta de um supermercado, com produtos em promoção, no aguado do horário que as portas se abram.
            Se a promoção pode deslocar as pessoas de uma loja para outra, é sinal que elas não estão preocupadas com os concorrentes, muito pelo contrário, querem que eles concorram, pois, quanto mais concorrem, mais fascínios provocam. Por sua vez, a classe dominante, ao perceber que despertou a ansiedade do consumo que prometem “uma vida melhor”, aproveita para violentar as ideias contrárias que concorrem, mas, no fundam alimentam as mesmas intenções.
            As “forças de esquerda” deveriam já ter se dado conta de que concorrem com as “forças de direita” dentro da ordem liberal como se fosse um grande supermercado. Dentro dessa ordem, se não atuam para conscientizar permanentemente a população, para que compreenda que, “uma vida melhor” depende da superação do capitalismo, mesmo “sem querer”, como fazem os capitalistas,  ela cumpre o papel de fascinar as massas para o aumento do consumo de mercadorias.
            O intuito de governar para “melhorar a vida do povo” estão nos programas de ambos os concorrentes e isto não tem como não sê-lo. Ninguém se proporia a fazer uma campanha eleitoral propondo piorar as condições sociais. Mas é preciso, pelo menos, compreender que os mandatos são ameaçados pelo tempo e, em cada pleito renovam-se as ilusões com a presença de novos fascinadores e fazem as massas inconscientes mudarem de lado, de ideias e de cores.
            Mais do que isto, é importante perceber que as classes dominantes manejam essas variações de regime porque comandam a base econômica e confiam na estrutura de poder do Estado capitalista. Agem com maior vigor, quando a “seleção natural” é desequilibrada e as crises põem em risco a estabilidade de seus negócios. Nesses momentos, preparam os ataques, convencendo as mesmas massas que ontem festejaram outros concorrentes. Se para isso for preciso, temporariamente, reeditar o nazifascismo, basta apenas fascinar as massas com algumas ilusões de melhorias futuras.
            Podemos concluir que, as relações materiais determinam as demais relações sociais, sendo assim, a política liberal, como ocorre no mercado, alimenta-se da concorrência entre as forças que se substituem ou se revezam no comando, obedecendo o princípio da “maioria sobre a minoria”. Esse revezamento, dentro da ordem liberal, do ponto de vista da democracia, raramente ofende a classe dominante porque ela está assegurada pelas leis do próprio sistema econômico. Também não afeta os maus tratos sofridos pelas grandes massas empobrecidas, porque, elas vivem historicamente nas favelas, o totalitarismo policial, o abandono do estado e a repressão das milícias armadas. Há de fato, um prejuízo para as classes médias em geral que, de algum modo, sempre estiveram inseridas no mercado de consumo, possuem os direitos que realizam os fascínios profissionais e são elas que efetuam as disputas políticas.  
            No passado, os comunistas tratavam os desvios de comportamento da classe operária que só via os ganhos econômicos, como “economiscistas”, pois, as táticas levavam a se manterem presos à luta sindical. Na medida em que eram convencidos a tomarem o poder sob a direção do partido de quadros intelectualizados, tornavam-se conscientes e assumiam a vanguarda do movimento revolucionário. Agora, vivemos tempos que, a classe operária e a luta sindical sofreram enormes desintegrações e, os partidos políticos de esquerda, dirigidos por indivíduos da classe média, distanciaram-se das massas e, atraídos pelo poder institucional, tentam influenciar as massas não conscientizadas, com promessas fascinantes, utilizando-as, não como vanguarda, mas apenas como objeto de uso para concorrer com as forças de direita e governarem a mesma ordem liberal capitalista.
            Sem a presença da classe operária com princípios e consciência revolucionária, os grandes contingentes de massas populares estão reféns das classes médias intelectualizadas, atreladas aos capitalistas. Essas massas cumprem o papel de serem atraídas pelas fascinações mercadológicas de promessas de uma “vida melhor” que, ora pendem para a direita para fortalecerem os objetivos liberais e nazifascistas; ora para a esquerda partidarizada, para ajudarem a realizar os objetivos populistas e reformistas para, em qualquer circunstâncias, fazer funcionar o sistema capitalista.
            Para quem sonha com a superação do capitalismo é preciso romper com essa tradição, política, moral e intelectual e combater a fascinação e os facínoras do nazifascismo com a mobilização, a organização e a formação política, de setores das classes e das massas populares, entregando a elas a responsabilidade de serem sujeitos da própria História.
                                                                                                                           Ademar Bogo


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