domingo, 21 de junho de 2020

AÇÃO CONTRA A BARBÁRIE



            O século 16 foi o século da política. A Europa (Portugal e Espanha) lançou-se ao mar para descortinar o que havia além dos oceanos; Maquiavel, na Itália, escreveu o livro “O príncipe”; na Alemanha, Mantinho Lutero, com as suas 95 teses provocou um racha na Igreja católica e, na Inglaterra, William Shakespeare escreveu a tragédia denominada de Hamlet.
Talvez a obra mais importante tenha sido escrita na França, quando Étiene de La Boétie, elaborou o “Discurso da servidão voluntária”, contrariando toda a euforia do Renascimento. A obra escrita por ocasião da “guerra do povo” contra o rei que havia aumentado o imposto sobre o sal reflete profundamente sobre a natureza da servidão. A monarquia sanguinária francesa subjugava o povo que, até certa altura, se mantinha servil e obediente.  Mas, segundo o filósofo, a tirania sempre é um sistema autodestrutivo porque se sustenta sobre a troca da liberdade pela suposta segurança oferecida pelo ditador. O rompimento vem na medida que o vínculo se enfraquece.
Mais grave do que a população submissa é nunca ter certeza do que ditador irá fazer; isto porque, não há como acreditar que exista algo “público” em um governo no qual tudo depende de um só indivíduo.
            A preocupação de La Boétie era saber o porque, pessoas, cidades e a nação se submetiam a um só tirano que só tinha o poder que lhes era dado e que poderia fazer o mal enquanto quisessem suportá-lo. Segundo o autor, é uma coisa realmente admirável ver um milhão de homens servir miseravelmente e dobrar a cabeça pelo simples fato de estarem fascinados ou enfeitiçados  por um homem só. Mas se o país não consentir, o tirano se destrói sozinho. Para isto as pessoas precisavam não fazer nada contra si mesma. “É o próprio povo que se escraviza e se suicida quando, podendo escolher entre ser submisso ou ser livre, renuncia a liberdade e aceita o jugo...”.
            Se no “século da política” as reações deveriam voltar-se contra a servidão e deixar para as pessoas deixarem de serem submissas, no “século da barbárie” que estamos vivendo as reações, se quisermos continuar  vivos continua sendo contra os ditadores.
            O conceito de “servidão voluntária” hoje volta a nos preocupar. Embora aquele que nos oprime tenha só dois olhos, duas mãos, um corpo, igual a qualquer um habitante, como tinham os ditadores do século 16, é certo que ele tem instrumentos mais qualificados para executar a dominação, no entanto, esses instrumentos continuam sendo dados e sustentados pelo povo. Então, se La Boétie tinha razão em perguntar, de onde tirava tantos olhos para espiar, se não na própria população? Como tinha tantas mãos para bater, se não as tomasse emprestas do povo? Os pés para pisotear as cidades se não das próprias pessoas que apoiavam? Ou seja, existiria algum poder que não fosse do próprio povo? Por que não nos fazemos as mesmas perguntas hoje?
            É de fundamental importância que, o caminho que leva à servidão e a quietude da submissão é cheia de contradições, como se fossem buracos que impedem o ditador a ir mais rápido em direção ao seu objetivo. São essas contradições que devem servir de ânimo para que haja a reação em busca da superação das investidas destrutivas. O que os animais que vão ao abatedouro fariam se soubessem que no final de um longo corredor, existisse uma  lâmina que decepasse a cabeça de cada um? A barbárie é a navalha colocada ali no final do corredor do futuro próximo, no entanto, a humanidade segue pacientemente pelo corredor em direção à navalha que cortará coletivamente a maioria das cabeças.
            Há décadas e séculos que certas práticas se repetem no Brasil. A destruição dos povos indígenas desde a chegada dos portugueses; o roubou dos minérios e da madeira; mais recentemente, do petróleo e a depredação da Amazônia que fica a mercê da decisão de um indivíduo rodeado de ministros, tomados pelo ódio de tudo e de todos que se autorizam a liberar a matança de pessoas, de árvores e de direitos enquanto ameaçam com golpe militar.
            Tudo, supostamente autorizado pelo voto ingênuo digitado sem que haja o conhecimento das relações e interesses escusos que estão por trás daquelas candidaturas. Então votamos e ficamos a espera de que “os governantes” tomem as decisões e façam os encaminhamentos que venham substituir a barbárie pela servidão. E o que vemos? Mais barbárie e mais autorização para que ela continue.
            Desconhecemos que acima do poder de voto está sempre a força da iniciativa privada que, sob o comando político dos ditadores, o Estado passa a realizar os interesses dos dominadores que se atrelam aos ditadores.  
                É tempo de perceber que as servidões sempre são perversas e, mais ainda, quando são voluntárias ou ingênuas, pois, evitam perceber de onde vêm os males que enfrentamos. Só há um caminho para a liberdade: a derrota definitiva dos ditadores, exploradores e colaboradores da servidão. Só a luta salva o povo.
                                                                                  Ademar Bogo 


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