domingo, 10 de maio de 2020

PENSAR COM A LÍNGUA


           
            Este título pertence ao filósofo alemão Hans-Georg Gadamer que entendeu ter, a linguagem filosófica, posições conceptuais diversas em suas especificações conceituais: metafísicas, religiosas, humanistas, racionalistas, criticas, analíticas, dialéticas, dentre outras concepções que podemos acrescentar.
            Segundo Gadamer as palavras que usamos nos são tão familiares que chegamos a estar nelas. Logo, podemos deduzir que, se estamos nas palavras que pronunciamos, aparecemos para o público que nos ouve como seres cordiais ou ofensivos. E se “elas nos vêm e alcançam o outro”, podemos considerar que as palavras que usamos, com más intenções, são como objetos que atiramos contra as pessoas que não gostamos.
            Para “pensarmos com a língua” podemos relacionar as palavras e aquilo que elas expressam, como sendo objetos que lançamos para fora da boca, medindo ou não os acordos e os desacordos que elas causam.
 O primeiro destaque categórico para compararmos, palavra e atitude, que podemos tomar como referência, é a “elegância”. A elegância, principalmente para os círculos da elite e das classes médias, sempre representou a estética das vestimentas e o cumprimento das regras da etiqueta social. No entanto, a “deselegância” se mede principalmente pelas expressões linguístas. Por isso, quando vemos uma autoridade prezar pela elegância impecável de suas vestes, mas a ouvimos dizer, autoritariamente a outra pessoa: “Cale a boca”, as expressões são tão contraditórias que a única impressão que podemos extrair desse incidente, é que tal autoridade não merece estar no cargo que ocupa.
            Para ilustrar ainda mais a natureza dispare entre elegância e deselegância, podemos trazer para esta análise, o provérbio português que expressa essa dissintonia: “Por fora, bela viola; por dentro, molambos só”. Em outra versão: “Por fora bela viola; por dentro, pão bolorento”. Ou seja, as “aparências enganam”, enquanto a boca estiver fechada.              
            Pensar com a língua significa sopesar aquilo que a língua expressa, por isso, os gregos já diziam que “as palavras têm peso”. Elas, quando atiradas indevidamente, caem como uma pedra na cabeça das pessoas, principalmente quando falta com a sensibilidade. A relação entre o sensível e o insensível, nos serve aqui como material para uma segunda avaliação.
            Uma autoridade sensível usa a sensibilidade para atenuar a dor alheia. Seu comportamento o coloca no círculo intimo das relações pessoais com o outro, que se sente confortado, como quando o pai acalenta o filho. Não lhe tira a dor, mas ajuda a suportá-la. A autoridade insensível, com palavras e atitudes, agrava a dor. Além de não amparar o sofredor, despreza o seu momento de fragilidade e, ao pisar sobre os sentimentos contraídos, ainda pergunta: “E daí?”. Essas letras atiradas contra o luto, são como grãos de chumbo perfurando a carne. Elas causam revoltas e desespero porque o verbo “desimportante”, conjugado na terceira pessoa da insensibilidade, quer dizer mais do que, “ele não se importa”, mas, principalmente é que o “eu” do sofredor, “não é importante”, talvez seja um número, igual ao morto enterrado em vala comum, por uma máquina afirmando que a produção está sendo em escala.
            Outra palavra atirada pela autoridade contra a nação, é a indiferença. Diferente não significa ser desigual, mas, a indiferença pode ser a expressão de uma profunda perversidade. Ser indiferente é julgar que, para ele “aquilo” não existe. A indiferença ignora o que é, e afirma o que não é, em busca de uma satisfação pessoal. Ignora para comprazer-se com as lamentações. O indiferente é sem dúvida nenhuma um doente mental. A penúltima autoridade, vista na humanidade com esse tipo de comportamento, foi Nero que, no ano 65 incendiou Roma para culpar os cristãos, ao mesmo tempo que corria, com prazer entre as chamas, como se estivesse banhando-se em uma chuva fina. A última autoridade ainda vive e zomba do isolamento social, banhando-se no Lago Paranoá, passeando de Jet Ski, enquanto os cemitérios testemunham a entrada de dez mil mortos vitimados pelo Covid-19. Quer como Nero, o Bolsonero, como já foi chamado, que o fogo da febre viral queime os pulmões de milhões de pessoas de uma só vez. É a fumaça romana, fétida e vingadora que volta e extermina os idosos aposentados, os pobres favelados, os índios e, quem sabe, muitos comunistas, artistas, professores e opositores.
            O pensar com a língua nos ensina que as palavras são como coisas atiradas, machucam e praticam ofensas. Elas se tornam ameaçadoras e aparecem com maior veemência quando os sujeitos que as expressam se sentem contrariados, ameaçados ou feridos em seus interesses.
            Essas expressões tem se inserido na prática política e refletem a desorganização da mesma. Na medida em que a política é feita sem um ordenamento partidário, ela não tem, linguagem própria, disciplina e unidade. Os palavrões assumem o lugar das propostas e, as explanações vazias, o lugar da consistência teórica. Tudo isso identifica uma facção, que representa sempre uma parte agindo contra o todo e, busca o apoio espiritual das seitas religiosas, como veículo de transporte da ideologia encobridora dos interesses escusos, locais e internacionais.
 Se a elegância das vestimentas compõe o cerimonial do cargo de uma autoridade, a deselegância no uso das palavras fere a ética, a cordialidade e o bom senso. Só aceita ser governado por um atirador de grosserias, o insensível alienado e de estrutura comportamental perversa que, para o nosso desespero, não tem cura. Isto porque, ele se move pelo princípio do prazer em detrimento de todos os valores morais. Sendo uma facção política e paramilitar, esta de linguagem odiosa e desbocada, precisa ser contida, e  começa pela tomada de decisão para fazer isto.
                                                                                                           Ademar Bogo

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