domingo, 17 de maio de 2020

O ENTENDIMENTO HUMANO


                 
            O filósofo inglês John Locke, por volta de 1700 ao escrever sobre o tema do “entendimento humano”, situou a ideia como objeto do pensamento. Acontece, disse ele, que a mente humana possui várias ideias que são expressas por termos como brancura, dureza, doçura e outras, que remetem a uma pergunta: como elas são apreendidas? Certamente, o entendimento do filósofo era de que a palavra é uma representação das intenções, desejos, preocupações, planos, malvadezas e tudo o mais que possamos imaginar de bom e de ruim.
            Combatente ferrenho das ideias inatas, Locke não abriu mão da certeza de que as ideias derivam da sensação ou da reflexão. O entendimento então fundamenta-se em duas fontes: a dos objetos externos que suprem a mente com as qualidades sensíveis e a da própria mente supre as ideias com as próprias reflexões. Sendo assim, os indivíduos, municiados por mais ou menos ideias, de acordo com a variedade de objetos que estão em contato e da qualidade das reflexões que fazem sobre eles.
            Por outro lado, um indivíduo começa a ter ideias quando passa a perceber. Logo, os insensíveis possuem poucas ideias e, em geral são teimosas e inadequadas. Por isso é importante prestar atenção nas palavras que formam as ideias, principalmente na esfera política da atualidade, quando, “família”, “cloroquina”, “abertura”, “isolamento”, “perseguição”, “esquerda”, “imprensa”, “comunismo”, etc., frequentam os noticiários.
            Na medida que prestarmos um pouco de atenção nas palavras em uso na política, facilmente entendemos as reflexões que estão ao redor delas e os interesses que as fazem ser repetidas cotidianamente. Quando ouvimos a palavra “família” expressa pelo presidente da República, não significa que ele não esteja preocupado com as famílias que perdem os seus parentes na pandemia, nem da renda dos mais pobres, mas, com a sua família que concentra em cada filho dezenas de suspeitas, que só não se tornam crime, por falta de apuração. Em defesa “da família”, vale tudo: perseguir, ofender e destituir autoridades “inimigas”.
            Outra palavra bastante repetida é a “cloroquina”. Qualquer cidadão comum sabe de sua existência, mas não de sua eficácia. Mas porque essa palavra objeto entrou na linguagem política, quando a ciência desautoriza usá-la? Dois motivos explicam a insistência do não líder da nação: o primeiro está associada a uma bravata típica de subordinados que gritam alto porque imagina que por trás está uma autoridade maior, como o presidente dos Estados Unidos. Tipo assim: “se ele defende eu também defendo”.
A precipitação do uso indiscriminado da Cloroquina, mesmo contra a indicação da ciência, levou o presidente autorizar o Exército a produzir um milhão de comprimidos por semana que, sem prescrição médica, essa matéria ficou no estoque e, mesmo sem ter sido ingerido, vitimou dois ministros da saúde que caíram porque temeram ser denunciados por crime de responsabilidade. Sendo que o prazo de validade do veneno contra os infectados pelo coronavírus é de dois anos, o presidente editou uma Medida Provisória 966 de 14 de maio de2020, que isenta ele mesmo e todas as autoridades, médicos e agentes públicos, que cometerem erros durante a pandemia. Pressionado pela quantidade de comprimidos produzidos e o prazo de vencimento, o governante quer desovar o estoque na barriga dos pacientes contaminados pelo Covid-19. O segundo motivo é que além do Exército há outros produtores da Cloroquina no Brasil, como a empresas cujo dono é apoiador ferrenho do governo, é a APSEN - Brasil Indústria Química Farmacêutica. Produzir um produto em grande quantidade, com venda certa seria como ganhar na loteria.
Seguindo esse raciocínio, as demais palavras citadas acima, deixam de ser palavras e se tornam conceitos explicativos de interesses expressos por ideias “malignas” que visam preservar as perversidades em ação. Nunca tivemos na política brasileira uma obsessão tão grande por criar inimigos. Eles surgem de todos os lados e do próprio meio da família assombrada que, para defender-se ataca a imprensa, porque investiga e denuncia quando lhe é favorável; os poderes, Legislativo e Judiciário, porque já não suportam a conivência com tanta podridão depositada no terreiro do poder vizinho.
Os ataques também se voltam contra a esquerda e o comunismo, mas aí não são ideias surgidas da cabeça dos amedrontados com as revelações dos crimes da milícia política local. Essas ideias vêm sendo produzidas há tempos no laboratório central do império que, diante da crise do modo de produção capitalista precisa hegemonizar o poder político nos continentes, para tomar como suporte de produção de mercadorias as riquezas naturais.
As esquerdas e o comunismo representam o lado oposto da moeda que, nos momentos de crise profunda é jogada para o alto, pode cair com a cara para cima e pressionar a coroa para baixo. Ou, mesmo que a coroa caia virada para cima, os seus defensores não estarão seguros, porque, a miséria que produziram nas últimas décadas, ameaça a riqueza com o movimento espontâneo da barbárie. Esse é também um dos motivos que faz o governo brasileiro e os militares aliados, defenderem o fim do isolamento social, com medo de que as revoltas populares se precipitem, e nada mais possam fazer para contê-las.
O presidente mal falante e Isolado prevê duas saídas encadeadas: A primeira é desgastar os governadores e prefeitos, responsabilizando-os pelo desemprego e pela fome por resistirem ao fim do isolamento social. A segunda é aplicar o falado “autogolpe” que tem por objetivo anular os outros poderes e implantar um regime totalitário.
Para as forças de esquerda resta começar pela autodefesa que deve ser construída com todas as forças, responsabilizando o modelo neoliberal e a política do governo pela fome e pelo desemprego. Por isso além de estabelecer uma linha divisória, mostrando para a população de quem são as responsabilidades na pandemia: saúde e tratamento dos pacientes são responsáveis, os prefeitos e os governadores O emprego, renda e políticas públicas sã ode responsabilidade do governo federal.
Esse caminho também se explica com palavras que representam ideias como: consciência, convencimento, pressão e, posteriormente, mobilização e organização. Não é de tudo improdutivo cobrar do Congresso e do Supremo Tribunal Federal que levem em frente a ideia de “cassação” do mandato presidente da república, mas este intento somente será vitorioso se houver mobilização popular e é tudo o que no momento não existe.
Mas não se pode deixar de lado as palavras que indicam as ideias da transformação estrutural da sociedade, como poder, revolução e socialismo. Isto porque, não se pode motivar as gerações mais jovens a lutarem para daqui a 30 anos verem as vitórias esvaírem-se por que retornaram, ainda com mais força, as palavras e as ideias da extrema direita.     
           
                                                                                  Ademar Bogo

Nenhum comentário:

Postar um comentário