domingo, 6 de outubro de 2019

DESVELAMENTO OPORTUNO


                      
            Para os gregos, o desvelamento era o aparecimento da verdade (Alethéia). Era o momento em que se descobria aquilo que estava oculto ou obscurecido no tempo presente. Era como se um foco de luz batesse sobre o objeto procurado no escuro. Posteriormente, muitos foram os filósofos que trataram do tema da verdade em vista de contribuírem com os esclarecimentos daquilo que era visto como mito ou deficiência compreensiva das pessoas comuns.
            Adorno e Horkheimer escreveram a “Dialética do esclarecimento” para mostrar que o progresso do conhecimento humano sempre objetivou livrar a humanidade do medo por meio do esclarecimento. Para tanto, defenderam que a humanidade sempre que precisou esclarecer teve que atacar e dissolver os mitos. Afirmaram categoricamente esses dois autores que, “a superioridade do homem está no saber” e, “a técnica é a essência desse saber”, por meio dela pode-se conhecer a natureza, incluindo os oceanos e o infinito do espaço, bem como os próprios homens.
            Um enunciado afirmativo parece perdido em meio à elaboração dos longos parágrafos escritos por Adorno e Horkheimer, quando dizem que: “Só o pensamento que se faz violência a si mesmo é suficientemente duro para destruir os mitos”. Podemos simplificar ainda mais e dizer que, somente a dureza da verdade pode destruir a “conversa mole” que nos é apresentada como justificativa, para aquilo que ainda virá a ser esclarecido.
            O esclarecimento por ser portador do conhecimento verdadeiro, atua sobre as coisas e os mitos, diferentemente de como age o ditador contra os homens quando quer manipulá-los mas se iguala quando quer exterminá-los. “O homem de ciência conhece as coisas na medida em que pode fazê-las”. Quando compreendemos a verdade, desvelamos e eliminamos as dúvidas, portanto, a mentira não tem mais sustentação porque, ao ser esclarecida tende a fortalecer a verdade que seguirá esclarecendo e aperfeiçoando a si mesma.
            Aplicando esse raciocínio à História recente do Brasil, facilmente desvelamos os interesses daqueles que, agarrados em mitos, como o da corrupção, comportaram-se, como faziam os antigos gregos que, quando queriam afirmar alguma coisa obscura, criavam um deus que não passava de ser a imagem e semelhança do que eram os próprios criadores. Aos poucos vemos que, os caçadores de corruptos são ainda mais corruptos e desonestos que os acusados de serem.
            Para que a mentira se afirmasse em meio às disputas interesseiras, era preciso punir e desmoralizar alguém. Posteriormente, mesmo que se prove a inocência e a idoneidade de indivíduos e entidades, nada será como antes, mas se os objetivos particulares foram alcançados, para eles está tudo bem. Os capitalistas sabem que as táticas nestes tempos de crises, são como as corridas de tiro curto, começam e já acabam.
            O processo político brasileiro culminou com um golpe institucional, levando à cassação da presidente da República. Assaltado o poder governamental, preparou-se a transição por meio do voto, para que as eleições presidenciais de 2018 trouxessem de volta os militares e a extrema direita ao poder. Mas a intenção real não era apenas esta. Para o capital especulativo era necessário que se instalasse um governo que, além de entregar o restante do petróleo nacional, abrisse o caminho para reiniciar de maneira destrutiva a corrida do ouro.
            A crise mundial do capitalismo trouxe para os capitalistas, principalmente para aqueles que vivem do capital especulativo, a preocupação com os Estados devedores não conseguirem garantir os compromissos do pagamentos dos juros. Para diminuir os riscos das perdas, optaram para que parte desses “créditos” fossem aplicados em algo mais consistente. Esse “algo” consistente não pode ser o processo produtivo, porque, com a perspectiva das economias crescerem em média 2% nos próximos anos, seria desvantajoso e, além disso, não há mais espaço para a evolução do consumo com a atual concentração de renda.
Diante dos riscos eminentes, os capitalistas da especulação tomaram duas medidas: a) obrigar os Estados a gastarem menos, para garantirem o pagamento das dívidas, por isso o apego às reformas dentre elas as que eliminam os diretos sociais; b) entregar o que sobra das riquezas naturais, dentre elas o ouro, cujas reservas principais estão situadas nos territórios indígenas da Amazônia.
Com um governo minimamente humanitário não seria possível empreender essas duas medidas, isto porque, a primeira fere os direitos dos trabalhadores, idosos, estudantes, mulheres etc.; a segunda, porque a nova corrida do ouro na Amazônia precisa ser feita com extrema crueldade e violência contra a natureza e os índios que com ela convivem.
A repetição pelo governo atual do que foram as “Entradas e bandeiras” organizadas por volta de 1670, sob o comando de Domingos Jorge Velho é o que a civilização testemunhará com lágrimas nos olhos. O “bandeirante sanguinário” encarregado de caçar índios e negros, destruir os seus redutos de resistência e explorar o ouro nas várias regiões do Brasil, com seu facão e espingardas primitivas, ficará tão reduzido perante o potencial bélico, as máquinas modernas e o apoio militar, político e jurídico que ganharão as novas “bandeiras”.
Portanto, a previsão do grau de violência que será praticada contra os povos indígenas, agora no século XXI, será ainda mais perversa daquela praticada no passado. Na atualidade, além de não ter mais para onde fugir, o uso do fogo tornou-se uma arma letal, pois, ao destruírem a biodiversidade destruirão também o habitat das populações milenares que, serão obrigadas a cederem os seus territórios para a devastação total. Ataque semelhante, também contra os povos indígenas, foi realizado no século XIX nos Estados Unidos da América, quando milhões de índios foram exterminados por meio de epidemias provocadas e tiros de armas de fogo. Os motivos foram os mesmos que agora aqui estão sendo revelados: terras férteis e as minas de ouro existentes no subsolo dos territórios indígenas. Sem as florestas, destruídas pelo fogo, os índios brasileiros terão apenas parte da sociedade branca para defendê-los se esta desencantar-se dos mitos.
Por outro lado, a humanidade toda, com a crise do capitalismo, está sobre a linha divisória, a um passo do socialismo e a um palmo da barbárie. O medo do socialismo expresso nos discursos dos dominantes mostra que ele é a alternativa possível forjada entre as próprias contradições e fraquezas do capitalismo. Mas, pela desconstrução partidária e das formas organizativas, a sociedade perde cada vez mais a sua integração com a perspectiva revolucionária, a ética e os valores. Diante do enfraquecimento da ordem capitalista, a tendência de entrarmos em um estado profundo de barbárie não está descartado.
 Se tivermos como vencedora a alternativa socialista, o comando será estruturado pelas forças conscientes que saberão desarmar o progresso capitalista pela distribuição da riqueza já produzida. Se a segunda alternativa for vencedora, comandará o processo destrutivo, as milícias privadas que cobrarão impostos para garantirem a ordem da barbárie.
Consideramos, portanto, que esses são os dois projetos ora em vigor: o socialismo e a barbárie. O capitalismo senil não tem mais forças para o reequilíbrio social, por isso ele mesmo beneficia-se temporariamente do estado de barbárie, delegando a grupos representantes da mesma, para que assumam a estrutura de poder do Estado também decadente. Disputar os governos por meio das eleições, mantendo o atual modelo de concentração de riqueza, não impedirá que o estado de barbárie se aprofunde.  
A luta pela defesa dos índios e do socialismo, nunca foi tão importante como está sendo nesta fase terminal de destrutividade geral. Se no passado os índios tinham as florestas como abrigo e proteção, os operários e assalariados tinham no crescimento temporário das economias, a possibilidade de arranjarem emprego. Agora, o mesmo fogo que destrói as flores abrindo o caminho para a chegada dos garimpeiros, o gado e os soldados das forças armadas, é o fogo das crises permanentes da destruição dos empregos, da queima dos direitos sociais e, provavelmente também dos direitos políticos, a matança humana em campo aberto pelas milícias e policiais vingativos e amedrontados.
Eles já agem como “se não houvesse o amanhã”, nós que temos saudades do futuro, temos que sobreviver, lutar e seguir em frente.
                                                                       Ademar Bogo

Nenhum comentário:

Postar um comentário