domingo, 13 de outubro de 2019

A REAÇÃO IMORAL DOS FRACOS



O filósofo Nietzsche quando escreveu o livro “A genealogia da moral”, quis demonstrar que há épocas em que se torna necessário inverter todos os valores para enfrentar a vontade do poder. São a vontade do poder e a moral dominante que dão vida ao super-homem: amoral, tirano, egoísta, perverso que, somente ele e seus adoradores pensam ter o direito a viver.
Julgando-se o poderoso estar acima dos demais seres e da natureza, olha para o homem comum com a mesma indiferença que o homem comum olha para o macaco. Essa escala hierárquica leva sempre ao exagero da prepotência que podemos considerá-la como sendo o fator determinante para que os fracos se inspirem e busquem as mudanças na ordem moral do poder dominante.
A rebelião “imoral” dos escravos começa quando o ódio produz valores e motiva a reação contra aquilo que é tido como certo pela classe dominante. Isso porque, a moral dominante nasce de uma triunfante afirmação de si mesma. E, tudo o que o dominado faz, fere os interesses dominantes, por isso, mesmo estando certo é visto como imoral.  A “imoralidade” dos dominados nasce da oposição à moral dominante. Os explorados ao afirmarem por meio do “não” transformam esse gesto em um ato criador da própria moral. Isto significa que a moral dos explorados sempre necessitou do seu oposto para entrar em ação, logo, a moral dos explorados, vista como imoral pelos dominadores, é produto da reação provocada por uma ação anterior.
Essa relação funciona como a clandestinidade e a ilegalidade. O indivíduo não diz de si e nem quer ser excluído da sociedade. É o poder dominante que declara por meio da legalidade quem deve passar para a ilegalidade.
A reação dos explorados não ocorre de imediato. Ela surgirá após o crescimento espontâneo da moral dos dominantes que avança sem se preocupar com o seu oposto, pois, a si mesmos se bastam, principalmente porque se consideram bons, famosos e felizes. Estão tão cientes da superioridade que, quando erram fingem desconhecer os próprios atos e desdenham da população como se esta nada representasse. É o desdém que vai transformando a caricatura aristocrata num monstro insuportável.
Os juízos de valor moral da classe dominante e seus aliados, em nossos dias, são forjados nos interesses particulares e na inversão da força dos direitos privados sobre os direitos públicos. Pela reforma dos direitos públicos os dominadores reformam o Estado produzindo leis que afirmem o ordenamento da administração pública. A lei se coloca acima do Estado e sustenta os algozes da sociedade que passam a governar, em nome da moralidade, com os limites que eles mesmos impõem. Feito isto, eles reformam também a legislação que regulamenta as atividades privadas. Assim, a lei se coloca acima dos cidadãos comuns e abaixo dos administradores que a utilizam como um chicote para açoitarem aqueles que desobedecem.
No entanto, como se houvesse um círculo intermediário de homens que ao nascerem foram imunizados contra os açoites do Estado, toda a legislação age para beneficiá-los. São esses aproveitadores que querem liberdade de aquisição, por isso precisam de leis que lhes entregue as florestas, os minérios, o sistema de ensino e de saúde etc. É dessa forma que os homens de negócio ganham importância mais do que os homens comuns e, juntos com os governantes criam a própria moral, com os valores apropriados para cada situação.
Se é a moral dominante quem cria a imoralidade, significa que a ela é dado o poder de julgar e condenar os gestos com os quais discorda. Inverte o princípio grego e coloca o útil acima do belo; dessa forma faze nascer a censura, o controle da liberdade de expressão e o desrespeito para com a verdade. Mentir, para a classe dominante, passa a ser um ato de utilidade pública. A desinformação torna-se uma tática de autodefesa.
Por todos os ângulos que se olhe, o totalitarismo é mau. A sua perversidade não está apenas nos atos de violência praticados contra todas as formas de vida, mas, também no apego e favorecimento aos seus adeptos, em detrimento da grande maioria que passa despercebida pelas forças dominantes.
Somente a “imoralidade” dos fracos pode criar a verdadeira moral, isto porque, esta que é imposta pelas ações dominantes é a falsa moral. A reação é sempre uma resposta a ação que ofende os direitos sociais. Contra a moralidade dos ricos reage-se com a “imoralidade” dos pobres, para fazer com que, a imoralidade dos ricos deixe de ofender a moralidade dos pobres.
                                                                                              Ademar Bogo            
  

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