domingo, 1 de setembro de 2019

A VOLTA ÀS ALEGORIAS

            Desde a Antiga Grécia é que a alegoria é utilizada como método para manejar as ideias. Ela é construída quando uma imagem se forma simbolizando algo pensado. Sendo assim o inexistente irreal passa a figurar como real e acredita-se existir, pois, se vê, se sente e se confia.
            A alegoria mais conhecida é a da Caverna descrita por Platão. Nela um pequeno foco de luz projeta as sombras dos corpos dos escravos trabalhando, na parede da caverna escura. Por essa razão, essas imagens são também chamadas de “mitos” porque são criadas pelas explicações humanas, que personificam, por meio dos pensamentos e confundem a existência das sombras como se fossem seres reais.
            Misturam-se, portanto, nesse processo criativo, as impressões e os simbolismos no pensamento humano. As imagens não correspondem à realidade, mas, na cabeça de cada indivíduo elas são reais e atuam como convicções, por isso fazem os olhos enxergarem aquilo que não é como se fosse.
            Deveríamos convir que, no século 21, com o avanço das ciências e da tecnologia, ambas prometendo em poucos anos levar a espécie humana para morar na Lua e em Marte, que as ilusões fossem purificadas pela clareza da razão. Ninguém mais deveria acreditar em mitos nem em alegorias porque toda e qualquer imaginação seria atacada pela consciência e dizimada imediatamente dos pensamentos iludidos.
            Mas, o que vemos é o contrário. Dia após dia a humanidade parece regredir e ameaçar extinguir a si própria em nome do progresso. Compreendemos então, que, se a alegoria surgiu com os escravos acorrentados, confundindo as próprias sombras com as pessoas reais, é porque, embora a ciência e a tecnologia tenham evoluído e, supostamente, alcançado o mais alto grau da liberdade, no pensamento humano ainda vivem o senhor e o escravo que se sustentam um no reconhecimento da necessidade da existência do outro. A civilização não foi apenas incapaz de superar os mitos antigos, como também criou tantos outros novos que condicionam os comportamentos ainda mais perversos.
            Comparativamente o que temos de real e de imaginário na alegoria grega? A caverna, a escuridão, os escravos e a submissão. O imaginário são as sombras, a dependência do senhor e a ilusão de que a luz é uma invenção e, portanto, um incômodo. Não há ali, o entendimento que justifique o porquê aqueles homens precisam, mesmo presos, dentro da caverna, de usarem as pesadas correntes enquanto produzem, sem saber para onde vai nem a quem serve aquela produção.
            Para entendermos porque o agora está voltando a ser o antes, no real e na imaginação, é preciso reconstruir a caverna e, na escuridão, analisarmos a convicção das ideias que se transformam em comportamentos destrutivos.
            Tomemos como referência a “globalização”. O mundo visto pela abóbada celeste assemelha-se a uma caverna que, imaginariamente começou a ser construída como alegoria no pensamento da classe dominante por volta da década de 1970. A luz acesa, colocada no alto do teto, é a força do mercado. Este passou a produzir as sombras, compreendidas em todas as partes da terra, como a verdadeira salvação para o crescimento econômico. Mostrou que haveria a transferência de investimentos, a superação do desemprego, o acesso aos bens, aos serviços, às tecnologias e, acima de tudo, mesmo acorrentados ao salário, às leis e a competição, a liberdade de poder ir por todos os lados da caverna seria para todos.
            Passou-se quase meio século, os produtos produzidos na caverna inundaram o mundo que, devido ao baixo poder aquisitivo dos escravos, começaram a sobrar e, quanto mais sobram, mais desempregam e menos pessoas compram. A riqueza que combinava-se por meio de três formas: mercadoria, capital produtivo e dinheiro, este último representado por moedas, títulos, créditos e aplicações, deixaram de cooperar entre si e trouxeram a crise de crescimento das economias mundiais.
            Grosso modo, uma sociedade funciona equilibrada, quando as mercadorias transformam-se em dinheiro e o dinheiro excedente, na forma de capital, volta a ser investido para produzir mais mercadorias. No entanto, é importante compreender que, no capitalismo, temos dois tipos de mercadorias: a força de trabalho e os produtos produzidos por essa força. Ambas são trocadas por dinheiro. Corriqueiramente sabemos que o dinheiro do salário converte-se em consumo exigindo mais trabalho para produzir novas mercadorias e assim tudo flui.
            Acontece, porém que, de tempos em tempos ocorre um desencontro; os trabalhadores produzem mais do que consomem e o dinheiro que eles ganham não é suficiente para tirar as mercadorias do mercado para que possam colocar outras no lugar e, assim, ocorre com toda a população, ou seja, dentro da caverna passa a ter mais produtos do que escravos para consumi-las. 
            Diante disso, o capital, aquela sobra de rendimento em dinheiro vinda das mercadorias consumidas, deixa de ser investido para produzir novas mercadorias e passa a ser emprestado a altas taxas de juro para os senhores da política fazerem obras e depois devolvê-lo com o recolhimento dos impostos. Porém, com a crise de crescimento econômico, o Estado não arrecada o suficiente e as dívidas vencem sem ter como pagá-las. Para resolver o problema do pagamento, os governos emitem títulos como dinheiro vivo. Esses títulos transformam-se em capital especulativo que não volta mais para a produção e circula como uma luz produzindo sombras para esconder o real. As sombras são criadas pelo pensamento dos capitalistas que administram esse capital e que hoje amedronta, isto porque, o valor dinheiro fora da produção hoje girando pelo mundo é de 680 trilhões de dólares.
     Esse dinheiro girando fora da produção não seerve para nada. Ou serve apenas, como a luz no alto da caverna para projetar sombras na parede confundindo  o real com o imaginário.Para além ser inútil ele vive sob dois dilemas:  o primeiro é que não pode ser aplicado em produção porque não terá consumo para novos produtos e o segundo é se os seus controladores quisessem destruir ou comprar todas as mercadorias de uma só vez, para abrir espaço para novas mercadorias, o Produto Interno Bruto (PIB) de todas as nações do mundo juntas, soma apenas 60 trilhões de dólares.
            Diante das sombras vistas dentro da caverna grega, os escravos foram induzidos a culparem um dos escravos que se soltou das correntes e foi ver de onde vinha aquela luz. Percebendo que as imagens eram sombras enganosas projetadas, ele voltou e tentou convencê-los, mas foi morto antes de revelar  o segredo da ilusão. Na caverna do mundo globalizado, os capitalistas do capital especulativo que vivem dos juros pagos regularmente pelas nações mais pobres, produzem sombras para que os escravos de hoje não se revoltem e aceitem a dominação.
        Sendo assim, a humanidade conduzida pelo capital especulativo embarcou em um movimento regressivo e destrutivo da civilização. Esse capital sem corpo é quem produz as ideias que funcionam como a luz que projeta as imagens nas paredes da economia, da política, da justiça e da moral, confundindo quem são os verdadeiros culpados pelas crises. Fazem imaginar que são os pobres, os aposentados, as florestas, as reservas indígenas; a Petrobras; as universidades; os comunistas e os progressistas; o Papa, os bispos, a imprensa, as Ongs etc., menos eles que são a causa de todos os males.
            Os mitos e as alegorias são produtos dos pensamentos propositalmente projetados para que as sombras figurem como imagens verdadeiras. Essas mensagens no Brasil de hoje são sustentadas pelas forças destrutivas que usam uma linguagem desbocada, violenta e ameaçadora, juntamente com a edição de medidas legais que favorecem o aprofundamento dos desmandos.Quais são alguns desses mitos? A Lava Jato, a reforma da previdência, a reforma trabalhista etc.
            Somente com a reação dos escravos é possível reverter essa situação. As alegorias são frágeis, mas dependem de ação e da conscientização para, co ma luz do conhecimento as sombras desapareçam das consciências.
                                                                                                             Ademar Bogo

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