domingo, 22 de setembro de 2019

A POLISSEMIA DO CUIDADO


    Uma palavra polissêmica é aquela que tem várias significações, ou melhor, podemos usá-la em diferentes situações. No latim, o verbo cuidar é “cogitare”. Algo que se cogita, se reflete, imagina, medita e prevê. Neste caso, cogitar, nos remete não apenas ao cuidado no tempo presente, mas também às prevenções do tempo futuro.
Todos os dias, do nascer ao morrer, quando um sujeito diz ao outro, “cuidado com...” ele está sugerindo uma precaução ou uma ação que vai além do que está sendo dito. “Cuidado com a saúde”, por exemplo, significa fugir do sedentarismo, não fumar, não beber exageradamente, não comer alimentos gordurosos etc., ou “cuidado com as dívidas”, significa não gastar mais do que tem e, também, “cuidado com os inimigos”, é prestar atenção nas armações alheias, e assim por diante.
Se o cuidado é tão importante para a vida particular, muito mais deverá ser para a vida em sociedade, quando tratamos com os bens públicos, com a natureza, com os planos, a economia, a educação, a saúde, a aposentadoria, a justiça, as relações políticas, a ética, a moral, os valores etc.
Por outro lado, os significados podem estar na força da expressão da oralidade e, uma palavra apenas, comporta o sentido de uma sentença. A escrita é diferente da fala e, muitas falas dependem dos contextos. O filósofo Wittgenstein relaciona a linguagem com um jogo, com suas regras e colocações. Por isso é que, na vida, atuamos com simplificações. Logo, em uma construção na qual cada trabalhador tem a sua função, ao ouvir o chamado: “lajota!”, a expressão foi dirigida a quem tem a função de carregar aquele material. E, embora a palavra esteja “solta”, naquele contexto, ela tem o mesmo sentido da frase que poderia ter sido dita: “Seu José, traga-me lajotas, por favor.” Se “para o bom entendedor, meia palavra basta”, conforme o contexto devemos decifrar o que quer dizer: “cuidado.”; “cuidado!”; “cuidado?”; e “cuidaaado...”.
Vivemos o contexto político mundial jungido pela era da globalização e do neoliberalismo como modelo econômico. É claro que esses conceitos elaborados na década de 1970, quando se prenunciava a crise do petróleo, tiveram os conteúdos ampliados nas crises sucessivas que vieram ao longo das décadas em que o capital produtivo foi ultrapassado pelo capital especulativo.
O oposto do “cuidado” é o “descuido”. Quando a tecnologia e a política deram-se as mãos, os países “dependentes” aplaudiram e abriram as portas para a entrada dos novos ares da globalização, poucos se deram conta de que o astuto imperialismo havia apenas mudado as vestimentas e o “Tio Sam” se desfeito da cartola. A euforia de que todos poderiam ter acesso a tudo por mérito da eficiência do mercado e, os governantes de qualquer etnia, profissão ou gênero, aceitos, como ocorreu na Inglaterra, depois na Alemanha, na Argentina e no Brasil as mulheres ascenderam ao poder; nos Estados Unidos, um negro; na Bolívia um índio; no Paraguai, um bispo e, no Brasil um operário.
Daí o descuido de não perceber que o capital não é “globalizado” ele é imperialista e age como se o mundo estivesse a seu serviço. Para servir-se, sem desmerecer o esforço das lutas políticas e populares, ele maneja as circunstâncias e interfere segundo os próprios interesses. De fato, é importante perceber que a “globalização” tornou-se um sentimento afetuoso de aceitação do imperialismo, com seus instintos amistosos, vingativos e destrutivos, quando necessários.
Vimos nesse período, dos últimos 50 anos, apenas como indicação citamos a perversidade dos instintos do império: a invasão do Iraque e o enforcamento do Sadan Hussein (2006); a guerra do Afeganistão e a morte de Bin Laden (2011); a desfolhada “Primavera Árabe” e o assassinato de Muammar Kadhafi (2011); a morte de Hugo Chaves (2013) e a crise provocada na Venezuela; no Paraguai a deposição de Fernando Lugo (2012); e no Brasil. de Dilma Roussef (2016); a prisão de Lula (2018) e a volta das investidas contra o Irã. Tudo feito pelas mesmas mãos e coordenado pela mesma inteligência travestida de globalização.
Com tudo isso, podemos expressar as seguintes ponderações: Cuidado! O capitalismo não apresenta nenhuma indicação ao equilíbrio, pois, as suas crises são resultado das próprias contradições que existem dentro dele e, seu “humor” se comporta de acordo com a subida e a queda da massa de lucro. Um exemplo disso foi a diferença de comportamento dos capitalistas, aqui, no governo Lula e no governo Dilma. Quando os lucros regridem o capital torna-se violento e destrutivo.
 Cuidaaado... A opção por governantes aparentemente “fora do tempo” pouco significa para o projeto de poder centralizado no império. Nero, imperador Romano, era tido como louco, mas possuía um grande carisma de criar intrigas e polêmicas para distrair as atenções enquanto fulminava os inimigos e agia a favor do império. Cumpriu o seu papel até ser descartado. Logo, o imperialismo usa de todos os artifícios bons e maus para entupir a vala na estrada que o leva para frente.
Cuidado? É bom que se pergunte o que fez a ideologia neoliberal nas últimas décadas senão atacar o Estado? Na verdade quer atacar as políticas públicas e os direitos sociais, por isso, precisa condenar a estrutura fortalecida e ampliada em momentos de euforia e de crescimento. Mas não é o enfraquecimento do Estado que os capitalistas querem, Precisam dele e de sua eficiência para o uso legitimo da força de repressão.
Cuidado. Aquilo que sempre se admirou como “valores democráticos” como eleição, participação e voto, pode estar caminhando para uma verdadeira legitimação dos poderes que usam a ordem para praticarem a desordem, o extermínio, a concessão e o entreguismo das chaves de todas as portas da soberania nacional. As milícias representam o pistoleiro do “Velho Oeste”, que funcionam como o braço armado das facções políticas.
Cuidar, pelo aspecto positivo, é empenhar-se para valorizar a formação da consciência, a organização de classe e a formulação de alternativas condizentes com o processo de transição para a superação do capitalismo. Sem isto, todos os avanços validados juridicamente terão prazo de validade.
                                                                                                Ademar Bogo

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