domingo, 30 de junho de 2019

AS MISÉRIAS DO PODER JUDICIÁRIO


            O jurista italiano Francesco Carneluti, escreveu na década de 1950 um livro que tem como título “As misérias do processo penal”, no qual relacionou cinco elementos fundamentais o Juiz, o Ministério Público, o advogado, a lei e o acusado.
            Segundo esse autor, o que impacta primeiramente, em uma Corte é o vestuário. E então pergunta, “Por que os magistrados vestem toga?”. Ela causa um estranhamento porque não se parece com uma roupa de trabalho. Poderia ser considerada como uma divisa, como aquela dos militares, mas os juízes somente usam a toga em certos atos de serviço. Portanto, na Corte de justiça se exercita a autoridade sobre aqueles que devem obedecer àquelas decisões tomadas.
            A simbologia da toga remete a pensar que há sob ela um poder incontestável e, por essa razão, um absolutismo de uma força que não julga apenas, mas apresenta resultados que, supostamente, a lei exige. No entanto, todos sabemos que uma decisão nunca escapa à direção do apego e das limitações humanas. Pesa sobre o juiz como a qualquer cidadão, o aspecto da origem de classe, a posição de classe, a posição ideológica, a gama de preconceitos sociais, as crenças e demais convenções. De tal forma que, a “justa medida” nem sempre é sinônimo de “bem-julgar” e de isenção.
            A partir de 1988, tivemos uma inovação no controle das instituições, delegada ao poder judiciário, ou seja, ele ficou responsável para vigiar o Executivo, o Legislativo e a própria sociedade. Acima do poder judiciário estaria apenas a Constituição que assegura o funcionamento da ordem. Nesse sentido, a Constituição assume a responsabilidade para inibir que os juízes tomem decisões de acordo com os seus interesses. Mas quem por último interpreta a Constituição? Os juízes. Logo, ficamos na mesma.
            Se o Direito funcionasse mecanicamente, a aplicação das leis obedeceria os critérios técnicos. Ocorre que as leis nem sempre explicitam aquilo que está escrito. Há interpretações em cada olhar e, por isso, sobre duas linhas de um artigo, gastam-se horas destilando argumentos. E, na medida em que se chega a uma conclusão, ainda cabem recursos para reverter aquela e outras decisões tomadas.
            O jurista russo, Eugeny Bronilsnovich Pachukanis (1891-1937), tinha razão quando em seus estudos expressos no livro a Teoria geral do Direito e o marxismo, que uma das premissas fundamentais da regulamentação jurídica é o antagonismo de interesses privado, hoje, alimentados pelos próprios juízes.
            Sendo que, para viver socialmente há a necessidade de respeitar algumas normas, identificou o filósofo, que há duas formas muito bem situadas que são, a regulamentação técnica e a regulamentação jurídica. Para melhor compreender, o autor deu um exemplo: “A cura de um doente pressupõe uma série de regras, tanto para o doente quanto para a equipe médica. Uma vez que tais regras são estabelecidas visando ao restabelecimento do doente, possuem caráter técnico”. Nesse sentido, a aplicação de tais regras pode estar vinculada ao exercício de uma coação sobre o doente. Ele precisará cumprir à risca os horários da medicação; não se alimentar de alguns tipos de alimentos etc., mas, é uma ação que, tendo origem na ciência médica, é tecnicamente racional. Por isso, o Direito nada tem a fazer.
            No Brasil, nos últimos tempos, as referencias foram invertidas e o acusado passou a ser visto também como “paciente”. O poder judiciário faz com ele aquilo que o médico faz com o doente, julga-o pelo diagnóstico elaborado segundo os pareceres técnicos.
            Por sua vez os técnicos que elaboram certos diagnósticos atuam sobre hipóteses. Hipóteses sempre foram vistas como suposições e nunca como certezas. Elas podem comprovar algo ou colocar a perder um longo tempo de estudos. Menos no poder judiciário. A hipótese, desde o início é o conteúdo do julgamento e até que não se prove o contrário, o “paciente” fica internado, nesse caso na cadeia.
            Sem nos delongarmos, é importante discutir, para além do que diz a Constituição, como fazer para julgar os julgadores, ou como diagnosticar também os pacientes do poder judiciário para um possível internamento.
            Há uma proposta no Congresso Nacional que visa regular a conduta das autoridades públicas, mas não escapa de passar pelas mãos dos próprios julgadores que já julgam a todos, menos a si próprios. Não deixa de ser um pequeno passo que estreita o caminho do totalitarismo judiciário. Mas, a saída está sempre na organização social que é a principal vítima dos abusos de autoridade.
            Em tempos em que a crise do capitalismo se torna cada vez mais profunda é evidente que os capitalistas procurem fortalecer os aparelhos que lhes garante o estabelecimento da ordem que permite a acumulação do capital circular livremente sobre os cadáveres caídos no caminho da dominação.
            As “misérias do poder judiciário” representam nitidamente as misérias do povo e, a tendência ao totalitarismo nos prova duas coisas: a primeira, que o capitalismo está em crise e o perigo iminente é as massas empobrecidas insurgirem-se contra a ordem da classe dominante e, a segunda prova, é de que a sociedade capitalista está dividida em classes que se tornam cada vez mais antagônicas, por isso, o fortalecimento do Estado repressor, mesmo que seja com os recursos que deveriam ir para os benéficos sociais,  é a última saída.
            Após vermos todos os pilares da dominação corroídos é preciso que tenhamos esperança de que o dia da derrocada está próximo. Os poderes que tropeçam em seus próprios passos, já não se sustentam. Virá o tempo em que os pacientes sociais e os inadimplentes com o mercado e com a justiça, levantar-se-ão para diagnosticarem a si mesmos e receitarão os próprios medicamentos que curarão as injustiças e os abusos de poder.
                                                           Ademar Bogo
           

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