quarta-feira, 10 de julho de 2019

A POLÍTICA COM IDEOLOGIA RELIGIOSA


            Muito ouvimos falar na década de 1980 do avanço das “igrejas pentecostais”. Elas se fundamentam em Pentecostes, a festa cristã que comemora a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos, 50 dias após a Páscoa, fazendo-os falar em voz alta, sem conhecerem, as línguas existentes no mundo. A origem teológica pouco importa discutirmos qui, fundamental é perceber que esse “movimento”, nos últimos 60 anos, enquanto o sindicalismo, os movimentos revolucionários, os movimentos populares e as comunidades eclesiais de base da Igreja católica, regrediram, o “pentecostalismo” cresceu imensamente em diversas partes do mundo.
            Esse movimento nasceu em Los Angeles, nos Estados Unidos da América, em 1906, de onde foram enviados missionários para os diversos continentes, principalmente da África e das Américas. No Brasil até a década de 1950 pouco se ouviu falar desse fenômeno representado, pela Congregação Cristã (1910) e a Assembleia de Deus (1911). O movimento ganhou fôlego em 1951 com a chegada da Igreja do Evangelho Quadrangular; Brasil Para Cristo, em 1955 e Deus é Amor, em 1962. No entanto, o coroamento do movimento religioso de cunho político imperialista, virá no final da  década de 1970 com a organização da Igreja Universal do Reino de Deus, que se tornou uma potência econômica com controle expressivo de parte da mídia nacional.
            A estratégia da evangelização dos movimentos pentecostais e neopentecostais  (Universal do Reino de Deus, Mundial da Graça e Internacional da Graça de Deus), centrou-se sobre a conquista das massas populares. Os pentecostais com um discurso evangelizador de salvação da alma e, o os neopentecostais com a pregação sobre a prosperidade ou o progresso econômico obtido pelas bençãos divinas.
            Esse movimento, além das atividades religiosas, principalmente neste século, passou a interessar-se pela política e, com o isso, o discurso em torno da família, da educação e da sexualidade passou a formular a linha divisória entre o “bem e o mal” em todos os sentidos da vida social. Para que isso fosse possível era necessário que se estruturasse o tripé da dominação: a política, a religião e os meios de comunicação.
            Muita coisa ainda permanece no imaginário analítico do resultado das eleições de 2014, quando o candidato Aécio Neves quase ganhou a eleições de Dilma Rousseff. O resultado final, por diversos dias era divulgado, não em números, mas pelas cores vermelha e azul sobre o mapa do Brasil, provavelmente denunciando aonde se localizava o “mal” a ser combatido. Somou-se a isso o crescimento da bancada evangélica no Congresso Nacional que, em 2019 chegou a 84 Deputados, 7 Senadores e o presidente da República.
            Em 2018 ouvimos exaustivamente o lema da campanha para presidente: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará´” (Jo 8,32), não ouvimos mais vezes porque o candidato eleito fugiu aos debates, mas ficou evidente o discurso centrado sobre a especulação e a manipulação religiosa. Somou-se a ele o enredo homofóbico, anticomunista, antifeminista e outros “antis” que embalaram a ideologia de que o mal não venceria o bem.
            Aparentemente o conjunto das ideias expressas remetem a identificar como sendo um movimento fora do tempo presente. É como se econômica e socialmente vivêssemos no século XXI, mas política e religiosamente vivêssemos um ou dois séculos do passado. Isso porém não é ilusão de ótica nem de ouvidos, é real. Os capitalistas percebendo que o capitalismo já não tem como responder aos seus próprios limites, sabem por experiência que as crises provocam todos os tipos de contradições e, como isso, as ideias progressistas e revolucionárias encontram terreno fértil para provocar convulsões e revoluções sociais. Logo, era preciso investir na divisão da nação; desestruturar e desmoralizar as instituições,políticas, principalmente os partidos políticos; atacar o sistema de ensino por onde os estudantes, em grande parte beneficiados por cotas e créditos estudantis, poderiam reagir contra o sistema imposto, optaram por converter uma grande massa em um único movimento pentecostal. Esse movimento de  militantes defenderia: a causa, as mentiras, as calúnias e  as difamações plantadas por meio das mídias sociais. Nesse sentido, o lema da verdade virou no seu contrário, estabelecendo-se assim: "E conheceis a mentira e a mentirá vos dominará”.
           Depois de eleito,  dentre as medidas tomadas pelo novo governo, pelo menos uma confirma este invólucro da ideologia religiosa no manto da política que foi a lei beneficiando os sabatistas. Essa lei 13.796/2019 de 03 de Janeiro deste ano, altera a Lei das Diretrizes e Bases da Edcucação Nacional, LDB, e considera a escusa de consciência em caso de atividades escolares, provas, concursos etc., para os adeptos das religiões que guardam o sábado como dia de guarda religiosa.
            Há, sobre este assunto, argumentos sólidos a favor e contra. No entanto, não interessa a polêmica, mas as circunstâncias em que foi a aprovada a Lei 13.796/2019, logo após ao final do pleito eleitoral e, principalmente porque o Brasil foi declarado um Estado laico desde o decreto 119-A de 07/01/1890, o qual estabeleceu a separação do Estado e a religião. E, na Constituição de 1988 podemos recorrer aos “Direitos e garantias Fundamentais”, no artigo 5º, inciso 6, o qual estabelece que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantia, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”; no inciso 16 também, fica claro que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convidada para o mesmo local...”. No inciso 20, estabelece que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.
            Assim podemos buscar em diferentes artigos da Constituição as garantias de liberdade de manifestação  do pensamento, crença, culto e associação, por isso entendemos que a religião, como uma associação de indivíduos que professam a mesma crença, está garantido nos Direitos e Garantias  Fundamentais do cidadão.
            Mais que as garantias fundamentais, os direitos sociais e políticos, destaca-se neste embate, o aspecto da ideologia política formada pelo conteúdo religioso. A escusa de consciência que também se vincula ao “livre arbítrio” tem, e ao mesmo tempo pouco tem a ver com a “liberdade religiosa”. Quem nos diz isso é Sigmund Freud quando estudou o sistema mental e percebeu que ele é composto da parte consciente (ideias, pensamentos, entendimentos etc.) que manejamos instantaneamente; a parte pré-consciente, são informações que ficam na memória e podem ser lembradas e, o Inconsciente, onde guardamos os traumas, as neuroses e os recalques que acessamos por meio dos sonhos e de análises direcionadas. Por isso é que, mesmo decidindo conscientemente as influências do inconsciente são imprescindíveis. Elas afetam o consciente impondo a ele certas condutas quase sempre sem explicações reais.
            Na medida em que conscientemente o indivíduo toma uma decisão, por baixo dela há, inconscientemente diversas influências que, em forma de recalques, insatisfações ou prazer, sustentam a decisão tomada. Nesse caso há decisão mas nem sempre se sabe porque decidiu-se daquela forma.
            Somado a isso há a intencionalidade ideológica que tem por finalidade obscurecer a finalidade da proposição manipuladora das instituições é como se o inconsciente estivesse localizado em outro corpo e influenciasse a tomada de todas as decisões. Por isso, as afirmação: “O Estado é laico, mas nós somos cristãos”, induz a pensar que todos sejam cristãos, principalmente evangélicos ou sabatistas. Seguindo esta, sustenta-se qualquer outra afirmação de cunho classista e utilitarista como: “o Estado é capitalista, mas nós somos cristãos”. Ou seja, quem governa usa o Estado a seu favor, daí some também a imparcialidade do judiciário e a representatividade do legislativo, demonstrando que o poder não emana do povo, mas dos interesses das forças dominantes.
            A política com ideologia religiosa é altamente perigosa para a formação da consciência crítica, porque traz para a esfera das decisões políticas, complexos, recalques e preconceitos morais, dando origem ao fundamentalismo religioso de cunho político. Em nome do poder político usa-se a Fé como instrumento e, em nome da Fé, age-se politicamente substantivando o bem e o mal.
            Nos processos políticos tudo é transitório, principalmente quando passamos de um momento político para outro, inclusive as práticas intervencionistas do imperialismo. Enquanto muitos esperavam que ele viria com bombas e granadas, ele veio a pregação religiosa e o título eleitoral e, hegemonizou as opiniões, mesmo porque, ninguém é contra a formação de uma associação religiosa nem ao processo eleitoral, afinal, faz parte da “democracia”. E assim, Marx e Engels continuam tendo razão porque, já no tempo em que viveram, desvendaram o mistério da ideologia quando disseram que, “as ideias dominantes de uma época, são as ideias da classe dominante”.
                                                                                                       Ademar Bogo
           



Nenhum comentário:

Postar um comentário