domingo, 2 de junho de 2019

A HEGEMONIA DO CAGAÇO


            Na Filosofia da Linguagem encontramos os elementos para relacionar os termos às situações políticas e sociais que revelam os interesses, às intenções e perspectivas para aquilo que ainda tentará vir a ser.
            O filósofo britânico John Austin (1991-1960) expressou muito claramente que, “dizer algo é fazer algo” seja com palavras ou gestos. E veja como funcionam os gestos quando se quer dizer algo sem as palavras, por exemplo, com os dedos, não apenas na Língua de Sinais, mas, na comunicação simbólica, também há expressões assustadoras.
            Havia décadas que a maioria das mãos esquerdas brasileiras forçava o pulso virando-o meia volta para baixo, para que o dedo indicador esticado, subisse para a vertical e, ao mesmo tempo, o polegar se colocasse na horizontal formando um “L” que queria dizer, “Lula lá”. Esse gestual, geralmente virado para a direita, simbolizou a hegemonia eleitoral e animou a população por algumas décadas a participar dela. Por outro lado, nos últimos tempos, vimos os mesmos dedos usados para fazer o “L”, com um simples movimento do punho, meia volta para cima, o indicador fica na horizontal e o polegar se eleva para a vertical; o gesto então já não representa mais um “L”, mas uma arma, que, ao contrário da hegemonia anterior que convocava para a participação e assegurava a esperança, agora ela incentiva e ordena, em nome da segurança, a matar o seu semelhante tido como inimigo.
            A questão então é decifrar como os mesmos dedos, com um simples movimento do punho comunicam duas mensagens opostas? John Austin nos mostra que isso é possível devido aos significados. E não é difícil perceber que, se anteriormente o “L” significava melhoria de vida, invertendo o gesto para o símbolo de uma arma, ele significa agora a violência e a morte.
            É importante refletir sobre a facilidade de se inverter os significados no capitalismo. De um dia para outro a hegemonia que sustenta certas intenções, pode desmoronar e, aquilo que era medo vira esperança ou, com a mesma facilidade, o que era esperança vira medo.
            O medo, no entanto, é a consequência do “cagaço”. A Filosofia da Linguagem nos mostra que a língua portuguesa é farta em significações. O “cagaço” significa aquele movimento que gera o susto e cria o estado de quem está com medo. Estamos vivendo um tempo de “cagaços” constantes, para ambos os lados. Do lado das populações pobres, LGBTs, indígenas, negras, sem-terra, comunidades estudantis, que reúnem professores e alunos, jovens desempregados, trabalhadores com esperança de se aposentarem etc., sempre que algo se refere aos direitos sociais, os corações aceleram, pois, ninguém sabe o que pode vir pela frente. Do outro lado, ocorre a mesma coisa, sempre que o Ministério Público ameaça levar adiante apurações sobre os desvios de verbas públicas, formação de milícias, ou que o Congresso Nacional ameace não votar favorável ou que haverá mobilizações populares e greve geral, o sangue esquenta e o medo se transforma em ameaças reais.
            Antônio Gramsci foi um filósofo perspicaz quando descobriu que a hegemonia de um grupo social manifesta-se por dois meios: a) da dominação e b) como liderança intelectual. Essa duas forças devem agir ao mesmo tempo, ou seja, enquanto o grupo dominante se impõe pela força, atacando, subjugando e até destruindo as forças contrárias, associa-se a essa brutalidade, a capacidade de direção intelectual de apresentar resultados que satisfaçam os interesses gerais.
            Diante desses dois fatores, podemos analisar que, no aspecto da dominação a hegemonia governamental atual está indo bem. As medidas tomadas indicam que as intenções de armar a classe média de direita e as milícias formadoras de um Estado paralelo, estão se concretizando; no entanto, a capacidade intelectual dessa força para ser hegemônica, não se pode dizer que seja uma virtude e, longe está de um dia chegar a ser brilhante. Agrava-se ainda mais essa limitação, com a incapacidade que possui de formular o mínimo de indicações que levem melhorias nas condições de vida da maioria da população.
            A hegemonia de forças no governo sem brilho intelectual, portadora de uma grandiosa fragilidade e cheia de contradições, não se pode atribuir àquelas poucas cabeças privilegiadas de fraquezas toda a responsabilidade. O motivo para equipar a população mais conservadora com armas de diversos calibres e em quantidade assustadora, como também a incapacidade de encontrar um caminho que traga alguma melhoria para a população, se deve à crise profunda e continuada do capitalismo. E eles foram informados disso pelos organismos internacionais e pela orientação que vem sendo dispensada desde o período eleitoral, pelos Estados Unidos imperialista da América.
            Os estudos mostram que, se nas últimas cinco décadas a economia mundial cresceu em média 3,5%, agora, a Organização para a Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), (essa mesma que o governo brasileiro, para fazer parte dela, cedeu a base de Alcântara e abriu as fronteiras para a entrada sem visto de turistas norte-americanos), estima que nas próximas cinco décadas, a economia mundial, em média, não passará de 2% de crescimento. É claro que contam com a eternidade do capitalismo, mas é o que teremos se não o enfrentarmos.
            Logo, os capitalistas sabem e as forças de direita estão sendo chamadas a defenderem os seus interesses com armas na mão; isto porque, o Estado sozinho não conseguirá fazer frente às revoltas constantes que serão promovidas pelas massas famintas. Esse, portanto, parece ser o programa do governo que se elegeu sem nenhum programa e que faz o presidente mostrar-se seguro e sorridente em meio a tantas ameaças e repúdios contra o seu governo.
            Seguindo esse raciocínio é de fácil compreensão, porque dos ataques raivosos contra as universidades, os professores e os estudantes, mesmo sabendo que não existe ameaça marxista alguma, isto porque, as pesquisas mostram que os trabalhos de pós-graduação orientados pela teoria de Marx, representam apenas 4% do total, mas pode ser um espaço a voltar-se contra; então a hegemonia sem brilho intelectual, precisa destruir as forças contrárias que, pelas ideias podem fazer ruir as más intenções do imperialismo e de seus coadjuvantes.
            Nesse sentido, o próprio Antonio Gramsci, mesmo preso na década de 1930, indicou que as forças contrárias deveriam buscar a unidade e criar uma contra-hegemonia. Em nosso caso, mais do que colocar o “L” em pé, para fazermos frente ao gesto que incentiva o uso de armas e os treinamentos para saber manejá-las é preciso agir para impedir que as relações sociais se tornem impraticáveis.
            Sendo assim, a luta não é apenas para impedir a reforma da previdência, pois, com tantas armas à solta poderá faltar idoso no futuro para se aposentar, haja vista o extermínio em massa dos pobres e da juventude que continuará normalmente a ocorrer. A luta é para enfrentar as perversidades em todos os sentidos, mas, principalmente, para superar o capitalismo que como a caixa de Pandora, com a tampa aberta espalha todos os males.
                                                                                                                          Ademar Bogo

Nenhum comentário:

Postar um comentário