domingo, 24 de fevereiro de 2019

ATOS DE FALA


                   
            O filósofo Alemão Jürgen Habermas, estudioso que trata dos “atos de fala”, diz que eles podem ser distinguidos por duas características básicas: aqueles que se interpretam a si mesmos ao serem expressos pela fala, e aqueles que só podem ser interpretados pelo recurso do entendimento humano da ideia que habita o interior de tais atos.
            O ato de falar se constitui em ato de fazer, principalmente quando ordena ou indica para uma ação. Dizer é fazer disse o britânico John Austin, exemplificando com situações muito práticas: quando digo diante do juiz ou no altar que “aceito”, não estou relatando um casamento, mas, estou me casando.
            É evidente que certos atos de fala trazem a interpretação em si mesmos enquanto outros precisam estar relacionados a um contexto, isto porque, se digo: “aceito” diante de um professor, de um médico ou de um carpinteiro, esse ato de fala não tem o poder da realização matrimonial. No entanto, há outros atos de fala que esperam propositadamente que se forme o contexto para então serem validados.
            Na campanha eleitoral de 2018 para presidente da república, os atos de fala homofóbicos, serviam como ordens para matar, e funcionaram, em certas ocasiões, semelhantemente ao “aceito” do ato matrimonial. Quando isso ocorreu, facilmente podíamos perceber que a violência contra LGBTs, índios,  jovens, mulheres etc. poderiam ser violentadas e abatidas livremente e a simbologia era a promessa da liberação da posse de armas.
            Por outro lado, há atos que esperam pela formação do contexto adequado para que as palavras e as ações se combinem. Há muitíssimos exemplos para ilustrar essa situação em vista dos discursos. Como ilustração citaremos dois atos: um brasileiro e outro muito próximo de ser.
            O primeiro ato se refere ao Ministro da Justiça que enviou, no início do mês de fevereiro de 2019, para o Congresso Nacional brasileiro um “pacote anticrime”; com um projeto de lei do qual consta o “excludente de ilicitude”, ou seja, se um policial matar um indivíduo e justificar, “escusável medo, surpresa ou violenta emoção” não será punido. O que seria cada uma dessas justificativas que alegam o medo, a surpresa ou uma forte emoção em separado ou todas juntas?
            Uma “forte emoção” pode ser o disparo de um tiro pela arma de fogo que o policial carrega consigo ou uma sequência de disparos. A “surpresa” pode ser, de repente, o indivíduo escondido vir a tornar-se um alvo visível e, por “medo” que este indivíduo esboce alguma reação, o policial disparar contra ele. Quem conseguirá medir o teor de tal emoção, medo ou sensação de surpresa, na subjetividade de cada policial?
            O projeto de lei, portanto, realiza aquilo que o ato de fala da campanha eleitoral, vinha contextualizando pela expressão da frase: “Bandido bom é bandido morto”; mas que ainda não podia ser realizado por falta de autorização jurídica. Os preparativos foram sendo intensificados até que, por intermédio da aprovação da lei, provavelmente se estenderá também para o cidadão comum, com a posse e o porte de arma, o “direito” de matar uma pessoa e alegar “excludente de ilicitude”:"Eu estava muito emocionado e com medo e atirei".
            O segundo caso trata da “ajuda humanitária” na Venezuela inventada pelo governo dos Estados Unidos, mas que envolve o Brasil e a Colômbia como serviçais do império. Trata-se também de uma ação antes preparada no contesto de “criar a crise humanitária” para depois forjar uma ação de intervenção.
            As atitudes dos governos do Império do Norte das Américas, se desmentem por serem muito previsíveis; no entanto, cuidadosamente preparadas. Se tomarmos as mais expressivas intervenções dos Estados Unidos no formato de guerras contra os povos, iniciamos pela armação orquestrada contra Saddan Hussein e as mentirosas armas químicas por ele produzidas, bem como o “desrespeito aos direitos humanos”, que levaram à guerra, deposição e enforcamento do presidente daquele país.
Em 2011, foi a vez da Líbia. Com uma estratégia divisionista da população, semelhantemente ao que ocorre na atualidade na Venezuela, o país governado por Kadafi, foi cercado, bombardeado e, enquanto a população guerreava entre si, forças especiais iam em busca da captura e o assassinato do presidente do país.
            De forma menos violenta, os Estados Unidos intervieram em Honduras  em 2009 e, sob a acusação de “desobediência à Constituição” o presidente Manuel Zelaia foi deposto e depois impedido de concorrer às novas eleições. No Paraguai, acusado de improbidade administrativa, Fernando Lugo foi deposto em uma rápida votação no Congresso Nacional, em 2012. E, no Brasil, com um período de mobilizações claramente direcionadas contra a presidente Dilma, acusada de “pedaladas fiscais” foi deposta pelo Congresso Nacional em 2016.
            O que ocorre atualmente na Venezuela é a expressão mais vergonhosa do Império que, voltado para os interesses econômicos, insurge-se contra o governo de Maduro para apossar-se das grandes reservas de petróleo ali existentes. Para preparar o contesto da intervenção e o assalto ao petróleo, começou pelas sanções econômicas que levaram a criar a “crise humanitária” e, agora, com uma bravata simbolizada por um montante de alimentos e remédios, que não chega a encher 30 caminhões, disfarça a agressão de “ajuda humanitária” e força a entrada e o ataque militar ao país.
            O Brasil como produtor de petróleo, ao participar dessa campanha intervencionista, revela que, o petróleo brasileiro já está todo ele entregue às empresas do império, por isso colabora como escravo, para que o mesmo senhor escravize o país vizinho.
            Esses atos nos mostram que o imperialismo está mais vivo do que nunca e que ele somente será enfrentado se houver a disposição política internacional. Todas as reformas propostas e que estão em pauta no Congresso Nacional, fazem parte o receituário do capital internacional que comanda as palavras expressas pelos ministros e fantoches das repúblicas.
            As investidas do Imperialismo dos Estados Unidos da América, revela a profunda crise que vive o capitalismo e que a busca de sustentação dar-se-á por todas as vias. Aos trabalhadores e explorados só resta a via da resistência e da luta pela superação do capitalismo. Este modo de produção, nada tem a dar aos explorados; para eles os atos de fala continua sendo o mesmo que no passado animou as multidões: Pátria livre! Venceremos!

                                                                                                Ademar Bogo

                       

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