sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

TRAGÉDIAS E PURGAÇÕES



            O filósofo Aristóteles definiu a tragédia como sendo a imitação de uma ação importante de grande extensão e que pode ser representada por atores que motivam o sentimento de compaixão e de terror, tendo como efeito, sobre os que assistem a purgação das culpas. Ou seja, a tragédia é um recurso pedagógico para fazer refletir sobre as culpas e os dilemas sociais e humanos.
            Assistir uma apresentação sob a forma de tragédia, em primeiro lugar, tem-se contato com o dilema humanitário e, em segundo lugar, o contato permite reconhecer as culpas e os culpados.
            A diferença entre as tragédias antigas e as atuais é que, as primeiras referenciavam-se nos comportamentos políticos e morais, como é o caso da tragédia em que envolveu Antígona em 406 a.C. As de hoje envolvem sujeitos sociais em grandes quantidades, nações imperiais e detentores do capital.
            Antígona era filha de Édipo (aquele que matou o pai e casou com a mãe tendo com ela 4 filhos, dois homens e duas mulheres). Na ocasião o rei Creonte havia publicado uma lei, impondo que, quem empreendesse qualquer ação contra a cidade, morrendo, não poderia ser sepultado dignamente. O irmão de Antígona teve este triste fim e, ela, noiva do filho do rei decidiu ir e enterrá-lo. Foi por isso perseguida, presa e condenada a morrer trancada numa tumba. O noivo interferiu, mas o rei não se convenceu. O rapaz envergonhado suicidou-se e levou ao suicídio também a sua mãe.
            Por ser uma peça lendária, os figurantes em cena imitavam o mito elaborado, nesse episódio por Sófocles. Na atualidade, as próprias tragédias imitam a si mesmas e, entre si se representam. Como se encenassem os acontecimentos em sequência, tendo o agravante de o último (como o de Brumadinho, no palco da mineração brasileira), ser ainda mais grave que os primeiros.
             As tragédias da mineração brasileira iniciaram ainda no século XVII, com as conhecidas “Entradas e Bandeiras”, que exploravam a força escrava  nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso. A busca enlouquecida pelo ouro, no século XVIII, criou conflitos como o da “Guerra dos Emboabas” nos anos de 1707-1709, quando paulistas lutaram contra os portugueses e os novos imigrantes europeus que vinham para estraçalhar o que encontrassem pela frente.
            No século XX, a partir de 1930, com a industrialização, as técnicas rudimentares começaram a ser substituídas e, a partir de 1990, com a globalização, as mineradoras norteamericanas e canadenses (as novas emboabas) apressaram-se em se apropriar do que tínhamos de mais rentável no setor, abocanhando por primeiro a Companhia Vale do Rio Doce fundada em 1942.
            A Vale foi privatizada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso no ano de 1997 pelo valor de R$ 3,4 Bilhões de Reais. Na verdade, esse valor foi financiado pelo dinheiro brasileiro do BNDES. De lá para cá, antes da tragédia de Brumadinho, a empresa tinha, um valor de mercado de R$ 304.914 Bilhões de Reais e, só no ano de 2017, obteve um lucro para dividir entre os seus acionistas, de R$ 17,7 Bilhões de Reais.
Esses dados nos revelam, em primeira mão, o conteúdo do conceito obscurecido pela “globalização” daquilo que se chama pelo nome de “imperialismo”. No entanto, o imperialismo não é apenas um nome, é um processo exigido pelo capital quando cresce em um país e precisa de mais espaço para se desenvolver. Nasce no momento em que o capitalista cumpre o papel de levar o capital para outros países.
Para entrar em outros países, o capital exige que seja elaborada uma legislação que o favoreça. É nesse momento que entram em ação os representantes da tragédia política e relativizem tudo: liberam os investimento, as privatizações, os financiamentos, a redução de impostos, o licenciamento ambiental, a vigilância aos crimes ambientais etc.
Esse processo, que poderíamos chamá-lo de “intrometimento externo” é feito de forma “pacífica”, em países de governos subservientes. Em países com governos resistentes. o capital imperialista se comporta como o lobo que quer comer o cordeiro preso em uma jaula. Para fazê-lo ceder, vai arrancando-lhes os pedaços por meio de golpes ou, se necessário, com a própria guerra.  
            Para as populações que assistem a morte da soberania de seus países, no caso brasileiro, as famílias das vítimas de Brumadinho ficam na impossibilidade de enterrarem dignamente os seus mortos, justamente porque não conseguem ter acesso a eles.
            Quando ocorrem as encenações trágicas feitas pela própria natureza importunada, os capitalistas noticiam como sendo um acidente com vítimas. Lamentam mais pelos prejuízos do que pelas vidas assassinadas e prometem algumas modificações no sistema. É ignorando as tragédias permanentes que os defensores das relações com o imperialismo justificam que o “capitalismo dá certo”. É com a desorganização política que as populações nacionais permitem que outras tragédias voltem acontecer.
            Não nos iludamos, as brutalidades praticadas contra a natureza e as vidas humanas que iniciaram, com as Entradas e Bandeiras continuarão. A corrida em busca de minérios e petróleo, feita por milhares de empresas, preparam novas tragédias. Com as tragédias os exploradores nada aprendem porque, as lições e os ensinamentos são para aqueles que, assumindo a culpa se propõem a mudar. O capital não muda porque, as leis que regulam o seu crescimento precisam: do roubo, do saque, da exploração e dos crimes.
            O caminho é outro. Os “cordeiros”, que assistimos as tragédias e purgamos as culpas pelos passos mal dados pela civilização, precisamos acreditar que há outro destino para a humanidade que não este de ter que lutar apenas pelo direito de enterrar os mortos. A vida segue e com ela a luta confortará o luto.                                                                                                                           Ademar Bogo

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