domingo, 10 de fevereiro de 2019

A VOLTA DO UTILITARISMO



            O filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832), por contestar profundamente os “direitos naturais”, fundou uma doutrina conhecida como “utilitarista”, assegurando-a nas leis e na moral. Com o intuito de maximizar a felicidade empenhou-se em formular soluções para garantir a supremacia do prazer sobre a dor, em qualquer aspecto da convivência social.
            Para o filósofo, o conceito do que é certo ou errado nos é dado pelos sentimentos de prazer e dor. São eles quem nos governam e é evidente que gostamos mais de um e menos do outro. Acontece que, como somos governados também por autoridades, a maximização da felicidade depende das decisões que elas tomam.
            O ponto de partida do raciocínio desse pensador, para alcançar a felicidade, afirmou-se sobre a pergunta: “Somando todos os benefícios dessa diretriz e subtraindo todos os custos, ela produzirá mais felicidade do que outra qualquer decisão?”
             Para fazer a população acreditar na justeza da sua descoberta, tomou como exemplo a teoria da alavanca de Arquimedes, que havia expressado na Antiga Grécia, após terem transportado os barcos do estaleiro para o oceano: “Se me derem um ponto de apoio eu moverei a terra”; Bentham, também perguntou, se “era possível um homem mover a terra?” Após responder que “sim”, acrescentou: “Mas antes precisa encontrar outra terra como apoio”. Nesse sentido adaptou: no lugar da terra pôs os problemas sociais e, para alcançar a máxima felicidade, o ponto de apoio para movê-los colocou “o princípio da utilidade”.
            Bentham formulou vários projetos com o objetivo de tornar as leis mais duras e eficientes e denominou um deles de “Panopticon”, que significa, em português, “ver sem ser visto”. Na verdade, consistiu na construção de uma torre central em cada presídio, para supervisionar os detentos sem que eles percebessem. Cada torre foi apropriada por um empresário que passou a gerenciá-la para obter lucro com o trabalho dos presos.
            Fora dos presídios, o filósofo, em nome da felicidade máxima, voltou-se para os pobres e mendigos. O seu plano foi o de reduzir ao máximo a quantidade dos mesmos por meio do impedimento da convivência social. O entendimento era que, a presença de pobres e mendigos nas ruas reduzia a felicidade dos transeuntes, porque, o contato com eles produzia um sentimento de dor e repugnância. Sendo assim, propôs a remoção de todos colocando-os em um lugar de confinamento vigiados pelo sistema do panopticon.
            O autor de tamanha crueldade justificava as suas propostas observando o lado dos pobres também. Interrogava-se se os pobres e mendigos não seriam também felizes com o próprio modo de vida? Achava que sim, mas, por outro lado, eles faziam outras pessoas infelizes, porque se sentiam mal ao vê-los. Sendo assim, qualquer cidadão “incomodado” com um pobre na rua, poderia prendê-lo e levá-lo ao “abrigo”que receberia uma contribuição de 20 xelins do Estado pelo serviço prestado.
            De certo que não precisamos dizer mais nada para vincular essa teoria legalista e moralizante aos dias de hoje. No entanto, por exigência da conclusão deste raciocínio faremos algumas relações.
            Iniciamos pela “teoria da alavanca”. Desde o governo passado ouvimos falar que, no poder executivo estão procurando “um ponto de apoio” para mover a montanha do déficit público e fixam os olhos na previdência social. Para eles, ali está o ponto de apoio que leva à felicidade de todos. Fazem as contas, somam todos os benefícios para os mais ricos, políticos e militares e subtraem os custos com os mais pobres, uns ficam com o prazer enquanto que a maioria da população fica com a dor. Isto ocorreu também na Antiga Roma nos três primeiros séculos de nossa era, quanto os cristãos presos eram devorados pelos leões. A nobreza nas arquibancadas do Coliseu se divertia e alcançava o máximo de prazer.
            Por outro lado, veja que há o outro argumento de Bentham que, exigia para mover a terra, de “outra terra” como ponto de apoio. A outra terra hoje pode ser o planeta Marte. Ele se apresenta como as arquibancadas do Coliseu de onde aqueles que preparam para si o máximo do prazer, assistirão o extermínio dos pobres nesta terra de dor em que vivemos. É por esta razão que liberam a devastação das florestas, a poluição e contaminação do ambiente, causando o crescimento da desertificação, o aumento da fome, da miséria e da violência. Ou seja, não falam em dívida pública, em privilégios de políticos, juízes, militares, banqueiros, capitalistas em geral. É claro que estes já alcançaram a felicidade é preciso eliminar aqueles que sentem dor para não causar-lhes mal-estar.
            Para defenderem a maximização da felicidade para a minoria do planeta, utilizam um discurso moralista e aprovam leis que substituem outras leis e criminalizam inocentes ou estudiosos que defendem o contrário, dizendo que o aquecimento global “é invenção dos marxistas”.
            Entremos no aspecto da aprovação de leis mais rígidas e a vigilância "panóptica" por meio da tecnologia e o direcionamento das investigações. O espectro dos preceitos morais servem de fundamento para a formulação das leis, supostamente feitas para todos. No entanto, elas visam abarrotar os presídios que logo se tornarão empresas de produção capitalista, com a força de trabalho escrava, sem previdência, férias,décimo terceiro etc.
            Não esqueçamos também que a terra toda já imita os presídios com vigilância "panóptica". Por meio de satélites e tecnologias avançadas, nos veem sem que possamos vê-los. Sabem o que compramos, quanto ganhamos, quanto gastamos, que operação financeiras fazemos, com quem falamos e o que dizemos.
            Agrava ainda mais a situação dos pobres, com a aprovação de leis, como esta que visa assegurar a felicidade por meio da liberação da posse de armas e, a possibilidade do uso do argumento da “legitima defesa” para os policiais que matam. Essa prerrogativa vem de encontro ao slogam da campanha eleitoral passada, quando acentuava que, “Bandido bom é bandido morto”. Se, vivo, nenhum bandido é bom, depois de morto já é tarde para dizer que entre eles foram mortos inocentes. De certo modo ainda falta um passo para que o “utilitarismo” de hoje se iguale ao de ontem, que é o pagamento pelas prisões e assassinatos com R$ 20,00 por unidade. Já alcançamos o grau da “delação premiada”, cujo pagamento é a redução da pena e a recompensa para quem denunciar indivíduos foragidos. Falta muito pouco para, em nome da felicidade e do maior prazer, os “bons” eliminem com dor os que são malvisto,s pois, a disseminação das armas apontam para isto.
            Também, enquanto não exterminam imediatamente, querem reduzir os riscos do contato com os pobres, negros e índios, nos shoppings, universidades, aviões, elevadores etc. Para a minoria de viventes, enquanto não se mudam para Marte, isto causa repugnância e diminui o teor da felicidade que pretendem sentir. Então, o governo contribui com o convencimento de que “a universidade não é para todos” e que, “a formação técnica é suficiente para os pobres”. Por essa razão, a própria família pode fazer de sua casa uma escola.
É claro que, para aqueles que pretendem maximizar a felicidade, haverá universidade com laboratórios sofisticados e a presença das empresas que usarão do Estado para preparar os seus profissionais. Para estes, a educação em casa é prejuízo, porque, certamente se dão conta que o pai e a mãe, quando sabem bem matemática, não dominam totalmente, português, química, física, filosofia, história etc. Podem nos dizer que os pais poderão estudar e aprender para ensinar. Poderão, mas terão que inventar um dia com o dobro de horas, porque as de então já estão comprometidas.
            Por essa exposição compreendemos que eles “não são fascistas” como foram classificados. Eles são mais perversos. São utilitaristas que vincularam as leis à moral, em vista de possibilitarem, em tempos de profunda crise do capitalismo, o máximo de prazer para a minoria enquanto jogam à própria sorte as grandes maiorias.
            O princípio dialético nos mostra que, para cada ação há uma ou mais reações, nem sempre a nosso favor. No entanto, como os ingleses que iam buscar o sal na índia, e lá encontraram Ghandy e seu povo resistindo em nome da independência, por mais que os admiradores do planeta Marte, busquem a felicidade lá, terão que vir buscar o seu “sal de cozinha” aqui. E, aqui, apesar da dor, os que permanecerão saberão maximizar o prazer.  
     Os capitalistas e aqueles que os defendem não suportam viver sem privilégios.Com o agravamento da crise econômica mundial, para garantirem tais privilégios os capitalistas precisam de três coisas: exaurir a natureza, assaltar os direitos dos pobres e fazer guerras para abrir novos mercados. As reformas que prometem é para assegurar a própria felicidade por meio da dor da maioria da população.
      "Só o povo salva o povo"; para tanto terá de organizar-se para salvar-se. 

                                                                                                                               Ademar Bogo   
                                                                         

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