domingo, 2 de dezembro de 2018

DO CAPITÃO DO MATO AO CAPITÃO DO MITO



            O Brasil é um país de ascensos e contrassensos. Sobre essas terras já pisaram pés calçados e descalços e vigoraram ideias conscientes e também alucinadas. A violência, no entanto, desde e o inicio daquilo que se chamou de “civilização local”, sempre foi e ainda é o produto nacional de maior relevância, podendo ser encontrada em qualquer esquina, favela, campos, mares e florestas, principalmente onde reina a propriedade privada.
            No tocante às florestas que protegem a terra, as riquezas minerais e a biodiversidade, já abrigaram também milhões de índios de diferentes línguas e etnias e milhares de negros que, utilizavam-se do recurso da legitima defesa e escapavam da violenta escravização para formarem os quilombos que muitos deles ainda sobrevivem.
            Os contrastes que expressam o juízo de valor entre o certo e o errado estiveram sempre relacionados à propriedade privada. Ela, desde o Brasil colônia, definiu o perfil do “homem brasileiro”, de ser bárbaro à noite, beato pela manhã e, no expediente dos negócios, civilizado e cordial à tarde.
               Como se tivesse três vidas, uma para cada parte do dia, o “capitalista nacional”, na penumbra das relações preconceituosas, divide as pessoas entre as que são possuidoras e as despossuídas de bens e de direitos, nisso incluindo a própria vida. Com tal crença, celebra o sucesso em certas igrejas que, nas disputas eleitorais fustigam e declaram imoral tudo aquilo que fere os interesses conservadores e, no mundo dos negócios, embora culpe o Estado, sustenta a corrupção lavando o dinheiro das verbas públicas, lícitas e ilícitas desviadas para garantir os seus interesses burgueses.
            Na História do Brasil, com um pouco de olhar crítico, lê-se que, para demarcar as propriedades da terra, desde as capitanias hereditárias, extinguira-se a hereditariedade dos índios que, por serem inaptos à devastação, foram mortos ou espantados para longe do cabo dos machados que as mãos escravizadas foram obrigadas a manejar.
           O negro escravizado, quando podia, seguia os rastros do índio enxotado; metia-se mata adentro para formar quilombos. Fugia mas não adquiria a liberdade. Diferente do índio, sendo uma propriedade batizada e registrada, quando encontrada, era aprisionada e devolvida ao dono pelo “capitão do mato”, caçador de gente.
           Em síntese, o Brasil da ordem e progresso que agora vemos com grandes metrópoles industrializadas, universidades, tribunais e campos produtivos, apesar do trabalho assalariado, vem se arrastando sobre o sangue, o sofrimento e o extermínio de três forças indefesas: a dos povos indígenas, dos negros escravizados com todos os seus descendentes e das florestas.
            O mito criado sobre as três forças historicamente tidas como “marginais” e descartáveis, justifica porque “os civilizados” acreditam que as árvores e as pessoas atrapalham os interesses conservadores fazendo crer que a própria ciência está equivocada sobre as causas das catástrofes naturais e o aquecimento sensível da atmosfera.
            O mito de que as “reservas indígenas atrapalham o crescimento do agronegócio", ressurge para concluir o genocídio e o atentado contra a cultura dos povos indígenas e das comunidades quilombolas. Logo, se as formas de propriedade não mudaram, também não mudaram os motivos das perseguições.
            Agora o “capitão do mato” cedeu a vaga ao “capitão do mito” que, por meio de informações falsas busca convencer as consciências ingênuas, para que apoiem a implementação das políticas homicidas  que visam, não apenas tirar os direitos humanos dos povos indígenas, como também extinguir os seus territórios. Não há mais lugar para onde espantá-los, agora a ordem é exterminá-los.
            Para implementar o ataque contra os mais de duzentos povos indígenas brasileiros que falam cerca de 180 línguas, o capitão do mito, ataca a FUNAI, o IBAMA, o ICMBIO e o INCRA que sempre responderam minimamente pelas questões ambientais e agrárias. Serão sucateados aniquilados no interior de ministérios homicidas.
            O mito se fortalece quando diz que essas áreas servem aos interesses externos, principalmente dos países ricos que veem o potencial mineral e biológico que há nesses locais, facilita para que os capitalistas do agronegócio assaltem os territórios habitados para expandirem o plantio de soja, que nada mais será que servir ao mercado externo.
         Para as populações do campo, as reservas indígenas e as comunidades quilombolas representam as últimas fronteiras a serem rompidas pelo capital. Sendo assim, nos próximos anos serão travadas as últimas batalhas das lutas de resistência provocadas pela mal resolvida “questão agrária” no Brasil. No entanto, de outro modo ascenderão as lutas de massas e proletárias elevando a luta de classes para um novo patamar.
            É certo que os mitos nunca morrem, somem quando são esclarecidos, depois reaparecem no meio de novas ilusões criadas pelas fraquezas humanas. Enfrentar os mitos é enfrentar as próprias fraquezas das ideias, das crenças e da organização.
                                                                                              Ademar Bogo        

                 
           
           

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