domingo, 2 de outubro de 2016

DE NOVO: POR ONDE COMEÇAR?



            A história da “democratização” da participação política no país, iniciada já nos primeiros dias do Golpe Militar de abril de 1964, passou por diversas fases e adquiriu diferentes características e formas. Sem pretender dissociá-las como se fossem marcos divisórios pois seguimos o entendimento dialético de que tudo se relaciona; para fins didáticos, resumimos em três partes: a) resistência armada, b) sindical reinvindicatório e c) político eleitoral.
            A resistência armada em meio a um estado de exceção, em que as garantias políticas foram subsumidas pelo totalitarismo militar, apesar de não ter obtido os êxitos esperados, mostrou que as formas organizativas podem, em cada época, adaptarem-se às exigências conjunturais.  
            Do mesmo modo as lutas com predominância reinvinditória e nelas podemos contemplar desde as mobilizações pela anistia, eleições diretas e a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, que escreveu a Constituição de 1988, até as conquistas salariais, distribuição de terra e os direitos sociais, isto porque, sempre procuraram alcançar uma colocação melhorada na ordem econômica, social e política, sem mexer na legitimidade dos poderes, quando muito, pela conciliação, buscaram a participação ou a substituição de personalidades nas funções públicas.
            Por fim, sem desmerecer os avanços, temos a desastrosa fase da alienação do processo eleitoral. Alienação porque, aos poucos foram sendo desdenhadas todas as demais formas e tornada hegemônica essa via que engoliu, a militância, a força das organizações e a respeitabilidade moral.
            Costumeiramente, nos momentos de crise, as partes mais respeitadas das organizações, discutem a “refundação” que, para os ouvidos críticos soa como “reiniciação”. É verdade que, quando se está no fundo de um poço, não se pode descartar nenhuma iniciativa, a não ser aquela que instiga a afundar-se ainda mais.
            É importante considerar que os instrumentos, assim como as táticas ou formas de luta, têm seus tempos de uso ou prazo de validade e, então, precisam ser renovados. Ou seja, se a luta armada teve seu auge até meados da década de 1970; a luta sindical vigorou até a década de 1990 e, o processo eleitoral, em plena decadência organizacional, até 2010, sem dizer que elas não possam estar presentes nem que jamais venham a serem úteis, mas devem ser avaliadas se hoje servem para um recomeço.
            A pergunta formulada em 1902 por Vladimir Lenin, após três anos de desterro, deixando ainda a cumprir pena toda a direção do partido, foi: “Por onde começar?”. Respondeu em três sentidos: a) discutir o caráter e o conteúdo da agitação política b) estabelecer as tarefas de organização c) elaborar um plano para a construção de uma organização de combate para toda a Rússia, dirigido para os diversos fins.
            Sem limitar a criatividade nem dogmatizar as indicações do dirigente russo, verifiquemos que, quem hoje faz a agitação política é a mídia, apoiada pelo poder judiciário. De nossa parte, um “fora temer” ou “eleições diretas”, não nos tira do poço da fraqueza das ideias. Segundo, as tarefas de organização que não se desligaram das táticas sindicais e eleitorais, não podem elevar as iniciativas para além do próprio esgotamento. E, por último, não pensar em uma organização, ou formas de organização, preparadas para atingirem os diversos fins, dentre eles o poder, é de fato cavar ainda mais as profundezas da situação da agenda negativa.
            Chega a hora de avaliar se, “refundar”, não seria “refutar” as crenças que serviram para matar a utopia, depois as opções manipuladas que iludiram as gerações que o caminho da conciliação seria menos cansativo e, por fim, as formas de organização que, como os talheres na mesa da política, cada um tem uma só função? Pense, antes de reagir, mas pare de cavar esse buraco que já não faz História! 

      Ademar Bogo. Filósofo, escritor e agricultor; autor do livro: A linguagem das mercadorias em Marx.

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