É surpreendente as
artimanhas que os capitalistas armam para atingirem os seus objetivos. Estamos
entrando em uma fase do capitalismo, na qual, o capital, aparentemente “volta
para casa”, para proteger-se e, por isso, poderemos vir a chamar esta fase do “Teatro do imperialismo nacionalista”. Parece ser contraditório, pois, a expansão é uma
das principais características da exploração cosmopolita das burguesias sediadas
nos países do Norte Global.
Em
um livro de Florestan Fernandes, Capitalismo dependente e classes sociais na
América Latina[1], encontramos que: “A hipótese que se
delineia não é a de uma gradual autocorreção do regime de classes (tal como ele
está estruturado). Mas, a de uma persistência e de um agravamento contínuos da
presente ordenação em classes sociais, cujas “debilidades” e “deficiências estrutural-funcionais”
foram institucionalizadas e são na realidade funcionais. Se elas desaparecessem
(ou fossem corrigidas), com elas desapareceria essa modalidade duplamente
rapinante de capitalismo”.
O
desmantelamento da economia dos Estados Unidos, devido ao passo em falso dado
pelas forças econômicas do passado de, não somente irem explorar as matérias
primas e força-de-trabalho em outros países, mas de levarem para fora as
próprias empresas e toda a tecnologia industrial. Confiando que os países em
desenvolvimento seriam eternamente dependentes, perceberam que, em meio à
selvageria da dominação podem surgir reações, do jeito que acontece com um
animal feroz; depois que passa o período de convalescença ele ataca os seus
próprios tratadores. E nisso, tem razão Florestan ao dizer que as nossas deficiências
“estrutural-funcional” se estruturam como realidades funcionais; o seja, desordem veio a ser a ordem dependente.
O
“tarifaço” tornou-se a marca fundamental do atual governo dos Estados Unidos.
Aparentemente é uma loucura, e não deixa de ser, porque, se para cada ação há
uma reação, provocando o mundo todo, logo alguém acertará a medida do troco que
deverá ser dado para contê-lo. Mas, enquanto isso não vem de imediato, muitas
revelações vão aparecendo, como um trem passando os trilhos que cortam um
pântano, todos aproveitam para embarcarem nele.
Na
verdade, existem diversas forças envolvidas em busca de aproveitarem as
investidas para tirar vantagens. Na origem, o “tarifaço” contra o Brasil, mirou
na condenação de Bolsonaro, que é visto pelos Estados Unidos, como já foi dito,
o “interventor colonial”. Ou seja, para que a recuperação econômica aconteça lá
na sede da Casa Branca, é preciso que haja colaboradores, “despatriotiotizado”
aqui, para fortalecerem de patriotismo lá. Assim, “a família real” se divide;
se no passado o pai voltou para Portugal, agora é o filho que vai na frente
para os Estados Unidos.
Diante
disso, a cada semana vemos aumentarem as reinvindicações que visam atender os
produtores de 15% das exportações brasileiras. Começaram a exigir, além da
anistia ao interventor, o aumento das taxas de exportação dos produtos
brasileiros; depois entrou o PIX, por estar afetando os lucros das empresas que
controlam os cartões de crédito, somado aos interesses das big techs,
principalmente pela perda de espaço com a China, mas, acima de tudo, depois da
rasteira que Trump levou do Zelenski, é o interesse pelos minérios especiais
brasileiros (nióbio, lítio, cobre e terras raras). No entanto, a ponta da lança
a ser enterrado no coração da soberania brasileira, está escrito Brics. Os
Estados Unidos temem perder o controle sobre a América Latina, principalmente
para a China e, o Brasil é o polo articulador que, como velho “gigante
adormecido”, ameaça acordar e estruturar outras relações com os países do Sul
Global.
É
importante perceber que a doença do nacionalismo é contagiosa. De um momento
para outro começamos a expressar o “orgulho de ser brasileiros”. Por isso o
governo brasileiro, obriga-se a passar da avançar reconstrução para a fase da
defesa, mas falta ainda a coragem de partir para o ataque pois, pressionado
pelas forças armadas para apressar o acordo, pois do contrário elas deverão
mostrar se têm ou não capacidade de defenderem o país do inimigo externo, não
sabemos bem o que virá.
Voltemos um instante para ao pensamento de
Florestan Fernandes, pois, aparentemente, com o nacionalismo, desaparece o
regime das classes sociais, pois, como o partido político do presidente da República tem a
marca dos trabalhadores, ao empenhar-se para garantir as exportações dos
produtos do agronegócio, antes afirmados pelos subsídios, agora tomados
politicamente como uma moeda de resistência e, então, “este orgulho” incorre em
dois perigos: um, de afirmar definitivamente a matriz produtiva destruidora da
natureza, que manterá o Brasil na condição de país dependente, produzindo e
exportando produtos primários; o segundo, de novamente não investir na
indústria brasileira e continuar refém da tecnologia estrangeira. Um exemplo
importante, dos 2,5 milhões de veículos produzidos por ano no Brasil, nenhum
deles pertence a uma fábrica nacional, simplesmente porque ela não existe.
O
momento é muito crítico. O poder no mundo está apresentando um novo desenho na
colocação das forças. Apesar de tudo, temos uma vantagem que, os Estados Unidos
assumiram a posição de serem declaradamente inimigos da humanidade; isso
poderia, se não cairmos no infantilismo do nacionalismo, de unificarmos os
países do mundo e lutarmos contra o poder sanguinário daquele país. No entanto,
todos sabemos que o espírito vingativo do imperialismo não é pequeno e, na
vontade desesperada de ter uma coisa, podemos esperar de tudo; tanto que um
avião desgovernado caia sobre o prédio do Supremo Tribunal Federal, como
ocorreu com os mísseis jogados sobre a usina de enriquecimento de urânio no
Irã, quanto de um dia para outro, vermos surgir uma base militar, Norte
americana, instalando-se sobre as principais jazidas de minérios e ninguém se
moverá para dizer não.
Os
preparativos para a entrega total do Brasil, em detrimento do governo, vêm
sendo feitos pelo Congresso Nacional que, primeiro, apesar de estar ainda em
discussão no Supremo Tribunal, aprovou o
“Marco temporal” para garantir o avanço e exploração das terras dos povos
indígenas, repletas de minérios, cobiçados pelo
grande capital e, mais recentemente o reforço veio com a aprovação de
normas que flexibilizam os cuidados com a preservação ambiental; com isso,
libera para que a exploração mineral seja cada vez mais livre nas principais
reservas do país.
E,
de nossa parte? Começam a surgir reações de protestos e de rejeição aos Estados
Unidos, no entanto, a falta de organização partidária, a responsabilidade de
mobilização recai sobre o presidente da República que, se por um lado demonstra
vontade em resistir, por outro lado, pressionado pelo agronegócio e as forças
armadas, se propõe a negociar ao invés de buscar outra saída, afirmando a soberania
nacional tão violentada. Nessas condições, um indivíduo sem força sempre irá
optar pelo “mal menor”.
O
poder no mundo está mudando, resta a nós mudarmos a nossa posição. Se o
nacionalismo do império é uma peça de teatro que se encerrará com uma dança
sobre as nossas riquezas minerais, o nosso enfrentamento deve ser real, em
busca da libertação nacional, do domínio externo e da dominação de classe
burguesa interna. Por isso, não devemos aceitar trocar a nossa soberania pela
possibilidade de vendermos algumas milhares de toneladas de carne gorda. A
nossa saída está na união da luta para a emancipação política da humanidade do
imperialismo Norte americano, e não na defesa mesquinha de alguns exportadores
de produtos agrícolas.
Ademar
Bogo
[1] FERNANDES,
Florestan.
Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. 4. ed.
São Paulo: Editora Global, 2009. p. 47.