domingo, 16 de março de 2025

O NOVO NO VELHO LIBERALISMO


No livro, A ideologia alemã, com o subtítulo de “São Max”, Karl Marx para fazer uma crítica ao liberalismo, utilizou-se de um trecho do livro do escritor espanhol, Miguel Cervantes,  Dom Quixote de La mancha e, aproveitou-se de uma fala ilustrativa do personagem Sancho Pança para ilustrar a situação: “Todo o liberalismo tem um inimigo mortal, um opositor invencível, como Deus tem o diabo: o homem tem sempre ao seu lado o inumano, o egoísta, o indivíduo. O Estado, a sociedade, a humanidade não dominam esse diabo.”[1]

O sentido das expressões acima ditas por Sancho no passado, tornaram-se dilemas atuais. Ou seja, como represar o inumano da suposta maior democracia do mundo, escondido no suposto humano estadista e democrático? Seria possível separar as duas essências para evitar que, ao ser libertar o humano o inumano também se soltasse? Os perigos se embutem: o satanás ao se soltar tende a atacar todas as nações, pois, todo liberalismo tem um inimigo mortal, o socialismo, ou um opositor invencível que, como Deus e o Diabo possuem a mesma idade.

De tudo o que sempre ouvimos nem sempre vimos tudo. Se o velho liberalismo é a essência do capitalismo, o neoliberalismo, como aprofundamento desse modelo, é a excrecência dele. Sabemos pelo movimento das contradições que, não apenas o liberalismo tem um inimigo mortal e opositor invencível, a unidade e luta dos contrários é uma das leis da dialética que está em todos as substâncias, movimentos e ideias.

            O capitalismo como espectro universal paira sobre todas as nações como regra ou ameaça. Se tivéssemos que estabelecer uma separação entre o liberalismo e o imperialismo, o primeiro apresentar-se-ia como um deus democrático e, o outro, como o demônio violento, interventor e matador dos povos. Nesse sentido, deus seria aquele que abre as fronteiras dos países; permite importar e exportar produtos; disputar eleições entre opositores, sem ameaçar a ordem do capital. O diabo, aproveita-se das oficialidades para ir aos lugares mais vantajosos e, por meio da força, desferir golpes de Estado, promover guerras e intervenções militares, no intuito de aumentar os lucros do capital; apossar-se das riquezas naturais e limitar as desvantagens mercantis.

            Por outro lado, da mesma forma que o inumano está represado dentro do humano, o liberalismo e o imperialismo combinam-se para que, em momentos de poucas ameaças, o lado cordial das relações capitalistas, permite filmar em ambientes públicos, os acordos assinados entre os chefes das nações, como promessas de cooperações futuras. As reuniões de cúpula, exibem no final, imagens das autoridades sorridentes mostrando ao mundo que, embora sentados sobre bombas e artefatos bélicos, não há perigo de explosões. No entanto, basta que um interesse seja desrespeitado e logo o lado mortal do imperialismo se apresenta dando ordens e fazendo exigências.

            Em 2025 no final do primeiro quarto do século XXI, o neoliberalismo que veio desde a década de 1970 adotado como modelo econômico da globalização, por ter criado em seu interior os inimigos de si mesmo, obriga-se agora a expor mais definidamente a sua inumanidade, em busca de impedir, enquanto criatura dos criadores liberais e imperialistas, que o poder político no mundo passe para outras mãos.

            Se até aqui o neoliberalismo interferiu nas relações de produção, impondo por meio das inovações tecnológicas o extermínio da classe operária, precarizando e terceirizando as atividades produtivas e os serviços; nesse momento, para garantir alguma estabilidade e aproveitando-se da inteligência artificial, acoplada a outros avanços eletrônicos, a corda com a pedra está sendo amarrada no pescoço dos trabalhadores do serviço público.

            Como um objeto jogado no meio do lago, irradia, em sequência círculos de ondas até as margens, basta lembrar que a primeira-ministra do Reino Unido, Margareth Thatcher, no início da década de 1980, tornou-se um ícone mundial do neoliberalismo. Agora a corda foi entregue ao presidente dos Estados Unidos da América, para que inicie os enforcamentos. A velha ideia do “Estado mínimo”, pelo menos na quantidade de funcionários, em nome da eficiência administrativa, inovou-se com o método da prestação de contas das atividades diárias, enviadas pelo funcionário para o centro controlador; lá será medida a eficiência de cada um (a) e, a depender das avaliações, em seguida serão convidados a pedirem demissão.

            A tendência é que o Estado neoliberal passe, no futuro, a se desfazer de todos os tipos de prestação de serviços, que deixarão de serem públicos para tornarem-se puramente privados; portanto, pagos pelos cidadãos. As funções estais voltar-se-ão para o controle total dos cidadãos que serão monitorados, pelo sistema aperfeiçoado do “Panóptico”, sugerido em 1785 pelo filósofo inglês, Jeremy Bentham, cuja tradução da palavra é “ver sem ser visto”, para monitorar os presidiários, mas que, passará a ser o sistema estatal de vigilância controlada por centrais de processamento de dados e imagens.

            Como há tempo já percebemos que a base do imperialismo norte-americano vem sendo ameaçada pela incapacidade de enfrentar os inimigos da esfera econômica, agora contra-ataca com um novo impulso do neoliberalismo, como autodefesa de sua própria decadência; no entanto, as consequências desse modelo da terceirização dos serviços públicos, como receita para diminuir os gastos para honrar o pagamento das dívidas públicas, em breve começará a ser implantado em todos os países.

            Na certeza de que o neoliberalismo não morreu, devemos anunciar que, quem tudo perdeu, nada mais tem a perder e, os que ainda não perderam é certo que logo tudo perderão; dessa forma seremos todos iguais, sem direitos sociais perante a lei. Como disse Pancho: “Todo liberalismo tem um inimigo mortal...”: somos nós e toda a humanidade sofredora. Entre aceitar ou lutar contra, há apenas um passo a ser dado para a esquerda.

                                                                                               Ademar Bogo



[1] MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2009, p. 415.

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