domingo, 23 de março de 2025

NEOLIBERALISMO CARCERÁRIO


           A mercantilização na compra e venda pessoas é uma prática milenar da humanidade. Já os primórdios as mulheres eram raptadas e os homens derrotados na guerra ou em um duelo, obrigavam-nos a trabalharem de graça para os seus senhores. Já na contemporaneidade ,Karl Marx ao discorrer sobre a “acumulação primitiva” dirá que: “O ponto de partida do desenvolvimento que deu origem tanto ao trabalhador assalariado como ao capitalista foi a subjugação do trabalhador”.[1]

            Embora em estágio mais avançado e apesar de vivermos sob o domínio imperialista, a fase superior do capitalismo em decadência, em relação aos países pobres, desde o pós-guerra de 1945, os críticos do capitalismo começaram a formular interpretações e nomeando-as como “Teoria do subdesenvolvimento”; expressa pela CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe) e, posteriormente, devido à multidimensionalidade da exploração econômico-financeira, esse dinamismo apropriador de excedentes dos países submissos aos Estados Unidos da América, de “Teoria da dependência”.

            Embora todas as constituições dos países exaltem o princípio da soberania nacional e há elementos fixos para orgulharem-se disso, pois, território, povo e Estado todos têm. O que ainda não adquiriram e, por isso muitas características do colonialismo ainda vigoram, foi a autonomia econômica e o domínio sobre as suas próprias riquezas que a cada momento são obrigados à cederem os direitos de exploração ao capital destrutivo.

            Para Marx, para que o dinheiro e a mercadoria se transformem em capital, “(...) é preciso que duas espécies bem diferentes de possuidores de mercadorias se defrontem e estabeleçam contato; de um lado, possuidores de dinheiro, meios de produção e... de outro, trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho e, por conseguinte, vendedores de trabalho.”[2] No entanto, esses parâmetros não são válidos para todas as situações.

            Costumeiramente vemos que a relação entre trabalho e capital se dá, primeiro, pelo oferecimento de emprego em alguma atividade produtiva e por causa disso forma-se uma fila na entrada da empesa empregadora. Feita a seleção e celebrado o contrato de trabalho, o trabalhador terá de levar todos os dias, com suas próprias pernas, o seu corpo para entregar a mercadoria força de trabalho, para que ela transforme o dinheiro investido naquele processo de produção e se transforme em capital.

            Nesta fase do capitalismo, com o domínio do imperialismo decadente, começamos a ver inovações nas relações da “Teoria da dependência”, como também nas práticas impositoras de responsabilizações aos governos subservientes, voltadas para a elevação da desumanização da força de trabalho carcerária. Logo, se na normalidade o trabalhador leva a mercadoria força de trabalho e a entrega em troca de pagamento, nas novas circunstâncias, o próprio trabalhador presidiário é convertido no local de moradia em uma mercadoria, para que depois o seu tutor retire dele, a força de trabalho e a transforme em uma nova mercadoria produtora de outras mercadorias.

            Conhecemos com o nome de “Parcerias Púbico-privado” (PPP) a política de terceirização dos presídios, quando o Estado oferece certos setores da comunidade carcerária para a iniciativa privada tomar conta. Nos Estado Unidos e no Reino Unido essas práticas já ocorrem desde a década de 1980. No Brasil, em 2004 foi editada a Lei 11.079/04 para instituir as normas para as licitações e contratações desses serviços. Sem delongas, no Brasil adotou-se o modelo francês e, as empresas recebem uma verba do estado para administrarem um setor presidiário determinado.

            Várias iniciativas foram estruturadas no Brasil. A mais significativa está localizada em Minas Gerais que, no ano de 2004, o governo do Estado assinou um convênio com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com o objetivo de construir cinco presídios para posteriormente entregar para a iniciativa privada. A partir de 2008, no Município de Ribeirão das Neves, apareceu o resultado desses financiamentos e, aquele presídio é tido como a melhor experiência de gestão carcerária de parceria público privada. No Brasil, existem 32 sistemas parecidos que atrai a atenção da iniciativa privada.

            Por que esse assunto veio à tona aqui? A reflexão filosófica, não ignora os fatos, antes ocupa-se em ajudar a perceber as causas e as possíveis consequências neles originadas. Desde o início do ano, estamos perplexos com a deportação de imigrantes pelo governo dos Estados Unidos da América. A causa disso é o excesso de trabalhadores que não encontram mais compradores para a força de trabalho. Logo, é a maneira mais fácil para o império se livrar deles, deportando-os.

            Há poucos dias, a notícia de que 238 cidadãos venezuelanos foram deportados, mas não levados para casa; presos e conduzidos às pressas, aterrissaram em El Salvador. Sem nenhuma condenação, muitos deles pelo simples fato de terem uma tatuagem no corpo foram condenados à prisão. Sob a invocação da Lei dos Inimigos Estrangeiros de 1789, que nem os próprios juízes a consideraram como válida e, sem nenhum vestígio de guerra contra a Venezuela, o fato estampou-se com imagens repugnantes em todos os meios de comunicação.

            O centro de Confinamento do Terrorismo – CECOT, construído há pouco tempo em El Salvador, é tido como modelo de prisão no mundo. Um país com U$ 34 bilhões de dólares de Produto Interno Bruto – PIB – e renda per capita de U$ 5, 391 dólares, no Brasil passa dez de mil e, na Argentina e no México chega de treze mil dólares. Com uma economia fragilizada de exportação primária de manufaturados, café e derivados de cana-de-açúcar, passa agora a ser uma base para a explorar a força de trabalho de presos estrangeiros deportados, mediante os trabalhos forçados, ampliando assim a mais-valia pelo país receber uma recompensa para cada preso. O valor inicial divulgado por essa remessa de venezuelanos chegou a U$ 6 milhões de dólares.

            É evidente que nessa transação há uma provocação à Venezuela que promete resgatar os presos e, como isso aumentará o valor de cada um, ao ter de indenizar o governo de El Salvador pela” Carta de alforria” que terá de emitir. Mas isto não exclui o precedente criado que poderá se tornar prática para o neoliberalismo também no âmbito prisional. Quando Marx ao explicar o linho como valor equivalente da troca com o casaco, expressou que: “Como mercadoria, ele é cidadão desse mundo”; isto porque, todos os produtos se referenciavam nele. O presidiário passa a ser o mais novo produto equivalente de troca por dinheiro que, nessa primeira operação ficou, sem pechinha, por U$ 20 mil dólares.

            Com a terceirização carcerária local, o preso cumprirá a sua pena em qualquer presídio de um país. Com essa elevação do presidiário ser uma mercadoria com valor de troca e, convertido pelo neoliberalismo em “cidadão do mundo”, ele virá a cumprir a pena em qualquer lugar do planeta e, quiçá, no futuro, fora dele. Imaginemos que, se no passado o lema para banir os revolucionários era: “Brasil ame-o ou deixe-o”; esse slogan já não vale mais, agora vale o valor que o presidiário incômodo pode ter.

            Em qualquer forma, continua valendo a máxima comunista: “Para fazer a revolução, a primeira tarefa é não se deixar prender”.

                                                                       Ademar Bogo



[1] MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I, capítulo 24.

[2] Idem.

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