Baruch Spinoza, expressou em uma de suas teses que: “A vontade não pode ser chamada de causa livre, mas unicamente necessária”. [1]A explicação demonstrativa do filósofo, caracteriza a vontade como um modo definido de pensar, que é movida por outra causa e esta por outra e por outra, até chegar ao infinito.
Este ano, no mês de novembro,
teremos em Belém do Pará, a realização de uma vontade, aprovada pela União das
Nações Unidas – ONU – a COP-30, que é o mais importante encontro dos
governantes de todos os países do mundo sobre o clima e as demais questões que
envolvem o futuro do planeta. De início podemos identificar um gesto de
boa-vontade do governo brasileiro, em receber, em um dos Estados da Amazônia,
as ilustres autoridades e permitir que respirem os ares purificados pela fotossíntese
das árvores que ainda restam.
Por outro lado, temos na memória
que, para chegarmos ao mês de novembro precisamos passar por agosto, quando,
por vários anos os incendiários das florestas promovem o “dia do fogo” que, se
essa vontade criminosa não chegar até as portas do evento da COP – 30, pelo
menos fará com que os vestígios dos protestos contra a preservação sejam
sentidos. Temos como certeza, por um lado, os propósitos malignos do
agronegócio e por outro, a tolice entranhada no governo que, embora com toda a
estrutura de investigação e repressão ao seu dispor, sempre chega depois, como
ocorreu no dia 8 de janeiro de 2023 quando o golpe de estado por pouco não
se realizou.
Falamos do fogo para chegarmos na
água. No ano de 2023, o município amazônico de Corumbá, situado no Pantanal do Estado
do Mato Grosso do Sul, esteve no topo das estatísticas, com a maior quantidade
de focos de incêndios do Brasil. Pois bem, agora saíram os dados envolvendo o
mesmo município, colocando-o em primeiro lugar na quantidade da perda de água,
que chegou a 261,313 mil hectares de terra descobertas e secas.[2] A água sumiu. Isso
demonstra que, ao aumentarem as áreas devastadas permitiram satisfazer as
vontades daqueles que, com as queimadas, objetivavam estender as áreas de
pastagens.
Como declarou Spinoza, uma causa
pode ter o impulso de outra causa e, por isso, a vontade se torna infinita. Nos
noticiários ainda fumega o calor da intuitiva viagem do presidente da República
para o Japão e o Vietnã, com mais de uma dezena de ministros e parlamentares
representantes do “Centrão” e do agronegócio, no intuito de abrir um novo
mercado para a carne produzida pelo setor agropecuário brasileiro.
Já apresentamos em outro momento as
consequências do gás metano que é produzido pelas fezes e arrotos dos animais;
ele é 21 vezes mais agressivo contra a camada de ozônio do que o gás carbônico,
e que, para compensar a poluição, para cada cabeça de gado criada, dever-se-ia
plantar seis árvores. Agora vamos para a água. Sem estendermos muito a
explicação, pois os dados podem ser encontrados em qualquer revista científica de
pesquisa agropastoril; um animal no período de crescimento e engorda deve
ingerir 45 litros de água por dia. Se considerarmos a existência das pastagens
irrigadas, o resultado, como vontade final é que, o Brasil exporta mais água e
menos carne.
O mesmo impulso da vontade de outras
vontades ocorre com o Etanol. O Brasil é pioneiro nesse item e utiliza a
matéria prima da cana-de-açúcar para produzir esse combustível, mas não só,
também inclui milho, arroz, sorgo, cevada e outros grãos que poderiam
contribuir para combater a fome. Segundo o Atlas da Irrigação,[3] o Brasil está entre os
países que mais irriga as suas lavouras no mundo e, consome 72% da água doce
utilizada diariamente para este fim. A cana-de-açúcar representa quase 30%
desse consumo.
De todas as causas da vontade, a
mais frágil e também a mais contraditória, localiza-se na política. As
incoerências dos atos e palavras são avassaladoras. Ou seja, o que é que move
um presidente comprometido verbalmente com a redução do aquecimento global,
depois de assistir os lamentos da natureza, ano a ano sendo vilipendiada para satisfazer
a vontade do agronegócio de ampliar os seus ganhos sobre as matanças indiscriminadas
das espécies, viajar para outros países, como um mascate do passado, para vender
carne? E, mais ainda, que motivações podem ter os ministros da educação e do
meio ambiente de compor uma comitiva destinada a procurar vender um produto
produzido sobre os crimes dos incêndios e uma dezena de aviões?
A prática política, esvaziada de
teoria política e, mais ainda de filosofia política, tornou-se a arte de
satisfazer as vontades em detrimento do esquecimento das necessidades. Foi
assim em 2005 quando o agronegócio plantou clandestinamente as sementes de soja
transgênicas e, o governo para ajudá-los a descumprir o crime, aprovou a lei que
oficializou os novos plantios. Agora, ocorre a mesma coisa, com a venda de
carne produzida sobre as terras, cujas florestas foram criminosamente
incendiadas para formar pastagens. A
impressão que nos passa a governabilidade decadente, é que, o abobamento é uma
doença contagiosa que mantém a vontade, mas destrói a capacidade de pensar. Da forma
como agem, desde o inicio deste século, podemos dizer que os políticos de
esquerda e seus seguidores, reavivaram a figura do “bobo da corte”, que servia
para divertir os reis e as rainhas das monarquias europeias dos séculos
passados; agora divertem os senhores de terra, que atacam os trabalhadores Sem
Terra e os povos nativos; as bancadas no Congresso Nacional que compõem o
Centrão, oferecendo-lhes “Emendas parlamentares”, para que agradarem as
suas bases com os recursos do orçamento
que deveriam ir para a educação, a saúde e a reforma agrária. Mas também aos
magnatas do petróleo, cumprindo a função de perfurar poços para depois serem leiloados
e entregues voluntariosamente aos causadores da poluição do mundo e dos
especuladores rentistas, congratulados com as altas taxas de juro.
Essa tolice contagiosa, alastra-se,
por meio da alienação e afeta os cérebros apáticos dos trabalhadores e
trabalhadores, que se divertem assistindo vídeos no TikTok, de um ex-presidente,
com um grupo de malfeitores, prestes a irem para a cadeia, como se a justiça
fosse feita. Ora, tivemos no Brasil, mais de quinhentos anos de totalitarismo civil
e militar contra os povos nativos; mais de trezentos anos de escravização de afrodescendentes,
comandada pelo braço armado do latifúndio, do Estado e das forças armadas, que
massacraram todos os movimentos de reação. Além disso, quase um milhão de
pessoas foram vitimadas pela Covid-19 e, para não ficarmos ainda mais
envergonhados, o Brasil, dentre todos os países, é o país que mais mata seus
jovens no mundo, principalmente os pretos. Vibrar porque menos de uma dezena de
carrascos podem ser condenados, é uma atitude feliz, mas abobalhada, porque
isso não representa uma virgula diante dos males já praticados e os que ainda
virão, pois, já temos a tradição de vermos fatos de grande repercussão
midiáticas terem os seus resultados anulados pelos mesmos tribunais que
estabeleceram as penas.
Somente o enfrentamento da barbárie
supera a barbárie. “Lutar sempre”, é um princípio antigo que os bobos da corte
transformaram em “divertir sempre”. Já é tempo de aprender com a História, e, se
não é possível enfrentar todos os males de uma vez, pelo menos deixemos de ser
motivo de chacota, servindo de base para a realização das vontades alheias.
Ademar
Bogo
[1] SPINOZA, Baruch. Ética. Belo
Horizonte: Autêntica, 2009, p. 19, proposição 32.
[2] MAPBIOMAS. PANORAMA DA SUPERFÍCIE
DE ÁGUA DO BRASIL 1985 -2023
https://brasil.mapbiomas.org/wpcontent/uploads/sites/4/2024/06/Fact_MapBiomas_Agua_2023_25.06.24.pdf/
ACESSO 30/03/2025
[3] ATLAS DA IRRIGAÇÃO. In.
https://www.ana.gov.br/atlasirrigacao/Acesso
em 30/03/2025