domingo, 30 de março de 2025

VONTADES E TOLICES

 

              Baruch Spinoza, expressou em uma de suas teses que: “A vontade não pode ser chamada de causa livre, mas unicamente necessária”. [1]A explicação demonstrativa do filósofo, caracteriza a vontade como um modo definido de pensar, que é movida por outra causa e esta por outra e por outra, até chegar ao infinito.

            Este ano, no mês de novembro, teremos em Belém do Pará, a realização de uma vontade, aprovada pela União das Nações Unidas – ONU – a COP-30, que é o mais importante encontro dos governantes de todos os países do mundo sobre o clima e as demais questões que envolvem o futuro do planeta. De início podemos identificar um gesto de boa-vontade do governo brasileiro, em receber, em um dos Estados da Amazônia, as ilustres autoridades e permitir que respirem os ares purificados pela fotossíntese das árvores que ainda restam.

            Por outro lado, temos na memória que, para chegarmos ao mês de novembro precisamos passar por agosto, quando, por vários anos os incendiários das florestas promovem o “dia do fogo” que, se essa vontade criminosa não chegar até as portas do evento da COP – 30, pelo menos fará com que os vestígios dos protestos contra a preservação sejam sentidos. Temos como certeza, por um lado, os propósitos malignos do agronegócio e por outro, a tolice entranhada no governo que, embora com toda a estrutura de investigação e repressão ao seu dispor, sempre chega depois, como ocorreu no dia 8 de janeiro de 2023 quando o golpe de estado por pouco não se  realizou.

            Falamos do fogo para chegarmos na água. No ano de 2023, o município amazônico de Corumbá, situado no Pantanal do Estado do Mato Grosso do Sul, esteve no topo das estatísticas, com a maior quantidade de focos de incêndios do Brasil. Pois bem, agora saíram os dados envolvendo o mesmo município, colocando-o em primeiro lugar na quantidade da perda de água, que chegou a 261,313 mil hectares de terra descobertas e secas.[2] A água sumiu. Isso demonstra que, ao aumentarem as áreas devastadas permitiram satisfazer as vontades daqueles que, com as queimadas, objetivavam estender as áreas de pastagens.

            Como declarou Spinoza, uma causa pode ter o impulso de outra causa e, por isso, a vontade se torna infinita. Nos noticiários ainda fumega o calor da intuitiva viagem do presidente da República para o Japão e o Vietnã, com mais de uma dezena de ministros e parlamentares representantes do “Centrão” e do agronegócio, no intuito de abrir um novo mercado para a carne produzida pelo setor agropecuário brasileiro.

            Já apresentamos em outro momento as consequências do gás metano que é produzido pelas fezes e arrotos dos animais; ele é 21 vezes mais agressivo contra a camada de ozônio do que o gás carbônico, e que, para compensar a poluição, para cada cabeça de gado criada, dever-se-ia plantar seis árvores. Agora vamos para a água. Sem estendermos muito a explicação, pois os dados podem ser encontrados em qualquer revista científica de pesquisa agropastoril; um animal no período de crescimento e engorda deve ingerir 45 litros de água por dia. Se considerarmos a existência das pastagens irrigadas, o resultado, como vontade final é que, o Brasil exporta mais água e menos carne.

            O mesmo impulso da vontade de outras vontades ocorre com o Etanol. O Brasil é pioneiro nesse item e utiliza a matéria prima da cana-de-açúcar para produzir esse combustível, mas não só, também inclui milho, arroz, sorgo, cevada e outros grãos que poderiam contribuir para combater a fome. Segundo o Atlas da Irrigação,[3] o Brasil está entre os países que mais irriga as suas lavouras no mundo e, consome 72% da água doce utilizada diariamente para este fim. A cana-de-açúcar representa quase 30% desse consumo.

            De todas as causas da vontade, a mais frágil e também a mais contraditória, localiza-se na política. As incoerências dos atos e palavras são avassaladoras. Ou seja, o que é que move um presidente comprometido verbalmente com a redução do aquecimento global, depois de assistir os lamentos da natureza, ano a ano sendo vilipendiada para satisfazer a vontade do agronegócio de ampliar os seus ganhos sobre as matanças indiscriminadas das espécies, viajar para outros países, como um mascate do passado, para vender carne? E, mais ainda, que motivações podem ter os ministros da educação e do meio ambiente de compor uma comitiva destinada a procurar vender um produto produzido sobre os crimes dos incêndios e uma dezena de aviões?

            A prática política, esvaziada de teoria política e, mais ainda de filosofia política, tornou-se a arte de satisfazer as vontades em detrimento do esquecimento das necessidades. Foi assim em 2005 quando o agronegócio plantou clandestinamente as sementes de soja transgênicas e, o governo para ajudá-los a descumprir o crime, aprovou a lei que oficializou os novos plantios. Agora, ocorre a mesma coisa, com a venda de carne produzida sobre as terras, cujas florestas foram criminosamente incendiadas para formar pastagens.  A impressão que nos passa a governabilidade decadente, é que, o abobamento é uma doença contagiosa que mantém a vontade, mas destrói a capacidade de pensar. Da forma como agem, desde o inicio deste século, podemos dizer que os políticos de esquerda e seus seguidores, reavivaram a figura do “bobo da corte”, que servia para divertir os reis e as rainhas das monarquias europeias dos séculos passados; agora divertem os senhores de terra, que atacam os trabalhadores Sem Terra e os povos nativos; as bancadas no Congresso Nacional que compõem o Centrão, oferecendo-lhes “Emendas parlamentares”, para que agradarem as suas  bases com os recursos do orçamento que deveriam ir para a educação, a saúde e a reforma agrária. Mas também aos magnatas do petróleo, cumprindo a função de perfurar poços para depois serem leiloados e entregues voluntariosamente aos causadores da poluição do mundo e dos especuladores rentistas, congratulados com as altas taxas de juro.

            Essa tolice contagiosa, alastra-se, por meio da alienação e afeta os cérebros apáticos dos trabalhadores e trabalhadores, que se divertem assistindo vídeos no TikTok, de um ex-presidente, com um grupo de malfeitores, prestes a irem para a cadeia, como se a justiça fosse feita. Ora, tivemos no Brasil, mais de quinhentos anos de totalitarismo civil e militar contra os povos nativos; mais de trezentos anos de escravização de afrodescendentes, comandada pelo braço armado do latifúndio, do Estado e das forças armadas, que massacraram todos os movimentos de reação. Além disso, quase um milhão de pessoas foram vitimadas pela Covid-19 e, para não ficarmos ainda mais envergonhados, o Brasil, dentre todos os países, é o país que mais mata seus jovens no mundo, principalmente os pretos. Vibrar porque menos de uma dezena de carrascos podem ser condenados, é uma atitude feliz, mas abobalhada, porque isso não representa uma virgula diante dos males já praticados e os que ainda virão, pois, já temos a tradição de vermos fatos de grande repercussão midiáticas terem os seus resultados anulados pelos mesmos tribunais que estabeleceram as penas.

            Somente o enfrentamento da barbárie supera a barbárie. “Lutar sempre”, é um princípio antigo que os bobos da corte transformaram em “divertir sempre”. Já é tempo de aprender com a História, e, se não é possível enfrentar todos os males de uma vez, pelo menos deixemos de ser motivo de chacota, servindo de base para a realização das vontades alheias.

                                                                       Ademar Bogo



[1] SPINOZA, Baruch. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 19, proposição 32.

[2] MAPBIOMAS. PANORAMA DA SUPERFÍCIE DE ÁGUA DO BRASIL 1985 -2023

https://brasil.mapbiomas.org/wpcontent/uploads/sites/4/2024/06/Fact_MapBiomas_Agua_2023_25.06.24.pdf/ ACESSO 30/03/2025

[3] ATLAS DA IRRIGAÇÃO. In. https://www.ana.gov.br/atlasirrigacao/Acesso em 30/03/2025

domingo, 23 de março de 2025

NEOLIBERALISMO CARCERÁRIO


           A mercantilização na compra e venda pessoas é uma prática milenar da humanidade. Já os primórdios as mulheres eram raptadas e os homens derrotados na guerra ou em um duelo, obrigavam-nos a trabalharem de graça para os seus senhores. Já na contemporaneidade ,Karl Marx ao discorrer sobre a “acumulação primitiva” dirá que: “O ponto de partida do desenvolvimento que deu origem tanto ao trabalhador assalariado como ao capitalista foi a subjugação do trabalhador”.[1]

            Embora em estágio mais avançado e apesar de vivermos sob o domínio imperialista, a fase superior do capitalismo em decadência, em relação aos países pobres, desde o pós-guerra de 1945, os críticos do capitalismo começaram a formular interpretações e nomeando-as como “Teoria do subdesenvolvimento”; expressa pela CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe) e, posteriormente, devido à multidimensionalidade da exploração econômico-financeira, esse dinamismo apropriador de excedentes dos países submissos aos Estados Unidos da América, de “Teoria da dependência”.

            Embora todas as constituições dos países exaltem o princípio da soberania nacional e há elementos fixos para orgulharem-se disso, pois, território, povo e Estado todos têm. O que ainda não adquiriram e, por isso muitas características do colonialismo ainda vigoram, foi a autonomia econômica e o domínio sobre as suas próprias riquezas que a cada momento são obrigados à cederem os direitos de exploração ao capital destrutivo.

            Para Marx, para que o dinheiro e a mercadoria se transformem em capital, “(...) é preciso que duas espécies bem diferentes de possuidores de mercadorias se defrontem e estabeleçam contato; de um lado, possuidores de dinheiro, meios de produção e... de outro, trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho e, por conseguinte, vendedores de trabalho.”[2] No entanto, esses parâmetros não são válidos para todas as situações.

            Costumeiramente vemos que a relação entre trabalho e capital se dá, primeiro, pelo oferecimento de emprego em alguma atividade produtiva e por causa disso forma-se uma fila na entrada da empesa empregadora. Feita a seleção e celebrado o contrato de trabalho, o trabalhador terá de levar todos os dias, com suas próprias pernas, o seu corpo para entregar a mercadoria força de trabalho, para que ela transforme o dinheiro investido naquele processo de produção e se transforme em capital.

            Nesta fase do capitalismo, com o domínio do imperialismo decadente, começamos a ver inovações nas relações da “Teoria da dependência”, como também nas práticas impositoras de responsabilizações aos governos subservientes, voltadas para a elevação da desumanização da força de trabalho carcerária. Logo, se na normalidade o trabalhador leva a mercadoria força de trabalho e a entrega em troca de pagamento, nas novas circunstâncias, o próprio trabalhador presidiário é convertido no local de moradia em uma mercadoria, para que depois o seu tutor retire dele, a força de trabalho e a transforme em uma nova mercadoria produtora de outras mercadorias.

            Conhecemos com o nome de “Parcerias Púbico-privado” (PPP) a política de terceirização dos presídios, quando o Estado oferece certos setores da comunidade carcerária para a iniciativa privada tomar conta. Nos Estado Unidos e no Reino Unido essas práticas já ocorrem desde a década de 1980. No Brasil, em 2004 foi editada a Lei 11.079/04 para instituir as normas para as licitações e contratações desses serviços. Sem delongas, no Brasil adotou-se o modelo francês e, as empresas recebem uma verba do estado para administrarem um setor presidiário determinado.

            Várias iniciativas foram estruturadas no Brasil. A mais significativa está localizada em Minas Gerais que, no ano de 2004, o governo do Estado assinou um convênio com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com o objetivo de construir cinco presídios para posteriormente entregar para a iniciativa privada. A partir de 2008, no Município de Ribeirão das Neves, apareceu o resultado desses financiamentos e, aquele presídio é tido como a melhor experiência de gestão carcerária de parceria público privada. No Brasil, existem 32 sistemas parecidos que atrai a atenção da iniciativa privada.

            Por que esse assunto veio à tona aqui? A reflexão filosófica, não ignora os fatos, antes ocupa-se em ajudar a perceber as causas e as possíveis consequências neles originadas. Desde o início do ano, estamos perplexos com a deportação de imigrantes pelo governo dos Estados Unidos da América. A causa disso é o excesso de trabalhadores que não encontram mais compradores para a força de trabalho. Logo, é a maneira mais fácil para o império se livrar deles, deportando-os.

            Há poucos dias, a notícia de que 238 cidadãos venezuelanos foram deportados, mas não levados para casa; presos e conduzidos às pressas, aterrissaram em El Salvador. Sem nenhuma condenação, muitos deles pelo simples fato de terem uma tatuagem no corpo foram condenados à prisão. Sob a invocação da Lei dos Inimigos Estrangeiros de 1789, que nem os próprios juízes a consideraram como válida e, sem nenhum vestígio de guerra contra a Venezuela, o fato estampou-se com imagens repugnantes em todos os meios de comunicação.

            O centro de Confinamento do Terrorismo – CECOT, construído há pouco tempo em El Salvador, é tido como modelo de prisão no mundo. Um país com U$ 34 bilhões de dólares de Produto Interno Bruto – PIB – e renda per capita de U$ 5, 391 dólares, no Brasil passa dez de mil e, na Argentina e no México chega de treze mil dólares. Com uma economia fragilizada de exportação primária de manufaturados, café e derivados de cana-de-açúcar, passa agora a ser uma base para a explorar a força de trabalho de presos estrangeiros deportados, mediante os trabalhos forçados, ampliando assim a mais-valia pelo país receber uma recompensa para cada preso. O valor inicial divulgado por essa remessa de venezuelanos chegou a U$ 6 milhões de dólares.

            É evidente que nessa transação há uma provocação à Venezuela que promete resgatar os presos e, como isso aumentará o valor de cada um, ao ter de indenizar o governo de El Salvador pela” Carta de alforria” que terá de emitir. Mas isto não exclui o precedente criado que poderá se tornar prática para o neoliberalismo também no âmbito prisional. Quando Marx ao explicar o linho como valor equivalente da troca com o casaco, expressou que: “Como mercadoria, ele é cidadão desse mundo”; isto porque, todos os produtos se referenciavam nele. O presidiário passa a ser o mais novo produto equivalente de troca por dinheiro que, nessa primeira operação ficou, sem pechinha, por U$ 20 mil dólares.

            Com a terceirização carcerária local, o preso cumprirá a sua pena em qualquer presídio de um país. Com essa elevação do presidiário ser uma mercadoria com valor de troca e, convertido pelo neoliberalismo em “cidadão do mundo”, ele virá a cumprir a pena em qualquer lugar do planeta e, quiçá, no futuro, fora dele. Imaginemos que, se no passado o lema para banir os revolucionários era: “Brasil ame-o ou deixe-o”; esse slogan já não vale mais, agora vale o valor que o presidiário incômodo pode ter.

            Em qualquer forma, continua valendo a máxima comunista: “Para fazer a revolução, a primeira tarefa é não se deixar prender”.

                                                                       Ademar Bogo



[1] MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I, capítulo 24.

[2] Idem.

domingo, 16 de março de 2025

O NOVO NO VELHO LIBERALISMO


No livro, A ideologia alemã, com o subtítulo de “São Max”, Karl Marx para fazer uma crítica ao liberalismo, utilizou-se de um trecho do livro do escritor espanhol, Miguel Cervantes,  Dom Quixote de La mancha e, aproveitou-se de uma fala ilustrativa do personagem Sancho Pança para ilustrar a situação: “Todo o liberalismo tem um inimigo mortal, um opositor invencível, como Deus tem o diabo: o homem tem sempre ao seu lado o inumano, o egoísta, o indivíduo. O Estado, a sociedade, a humanidade não dominam esse diabo.”[1]

O sentido das expressões acima ditas por Sancho no passado, tornaram-se dilemas atuais. Ou seja, como represar o inumano da suposta maior democracia do mundo, escondido no suposto humano estadista e democrático? Seria possível separar as duas essências para evitar que, ao ser libertar o humano o inumano também se soltasse? Os perigos se embutem: o satanás ao se soltar tende a atacar todas as nações, pois, todo liberalismo tem um inimigo mortal, o socialismo, ou um opositor invencível que, como Deus e o Diabo possuem a mesma idade.

De tudo o que sempre ouvimos nem sempre vimos tudo. Se o velho liberalismo é a essência do capitalismo, o neoliberalismo, como aprofundamento desse modelo, é a excrecência dele. Sabemos pelo movimento das contradições que, não apenas o liberalismo tem um inimigo mortal e opositor invencível, a unidade e luta dos contrários é uma das leis da dialética que está em todos as substâncias, movimentos e ideias.

            O capitalismo como espectro universal paira sobre todas as nações como regra ou ameaça. Se tivéssemos que estabelecer uma separação entre o liberalismo e o imperialismo, o primeiro apresentar-se-ia como um deus democrático e, o outro, como o demônio violento, interventor e matador dos povos. Nesse sentido, deus seria aquele que abre as fronteiras dos países; permite importar e exportar produtos; disputar eleições entre opositores, sem ameaçar a ordem do capital. O diabo, aproveita-se das oficialidades para ir aos lugares mais vantajosos e, por meio da força, desferir golpes de Estado, promover guerras e intervenções militares, no intuito de aumentar os lucros do capital; apossar-se das riquezas naturais e limitar as desvantagens mercantis.

            Por outro lado, da mesma forma que o inumano está represado dentro do humano, o liberalismo e o imperialismo combinam-se para que, em momentos de poucas ameaças, o lado cordial das relações capitalistas, permite filmar em ambientes públicos, os acordos assinados entre os chefes das nações, como promessas de cooperações futuras. As reuniões de cúpula, exibem no final, imagens das autoridades sorridentes mostrando ao mundo que, embora sentados sobre bombas e artefatos bélicos, não há perigo de explosões. No entanto, basta que um interesse seja desrespeitado e logo o lado mortal do imperialismo se apresenta dando ordens e fazendo exigências.

            Em 2025 no final do primeiro quarto do século XXI, o neoliberalismo que veio desde a década de 1970 adotado como modelo econômico da globalização, por ter criado em seu interior os inimigos de si mesmo, obriga-se agora a expor mais definidamente a sua inumanidade, em busca de impedir, enquanto criatura dos criadores liberais e imperialistas, que o poder político no mundo passe para outras mãos.

            Se até aqui o neoliberalismo interferiu nas relações de produção, impondo por meio das inovações tecnológicas o extermínio da classe operária, precarizando e terceirizando as atividades produtivas e os serviços; nesse momento, para garantir alguma estabilidade e aproveitando-se da inteligência artificial, acoplada a outros avanços eletrônicos, a corda com a pedra está sendo amarrada no pescoço dos trabalhadores do serviço público.

            Como um objeto jogado no meio do lago, irradia, em sequência círculos de ondas até as margens, basta lembrar que a primeira-ministra do Reino Unido, Margareth Thatcher, no início da década de 1980, tornou-se um ícone mundial do neoliberalismo. Agora a corda foi entregue ao presidente dos Estados Unidos da América, para que inicie os enforcamentos. A velha ideia do “Estado mínimo”, pelo menos na quantidade de funcionários, em nome da eficiência administrativa, inovou-se com o método da prestação de contas das atividades diárias, enviadas pelo funcionário para o centro controlador; lá será medida a eficiência de cada um (a) e, a depender das avaliações, em seguida serão convidados a pedirem demissão.

            A tendência é que o Estado neoliberal passe, no futuro, a se desfazer de todos os tipos de prestação de serviços, que deixarão de serem públicos para tornarem-se puramente privados; portanto, pagos pelos cidadãos. As funções estais voltar-se-ão para o controle total dos cidadãos que serão monitorados, pelo sistema aperfeiçoado do “Panóptico”, sugerido em 1785 pelo filósofo inglês, Jeremy Bentham, cuja tradução da palavra é “ver sem ser visto”, para monitorar os presidiários, mas que, passará a ser o sistema estatal de vigilância controlada por centrais de processamento de dados e imagens.

            Como há tempo já percebemos que a base do imperialismo norte-americano vem sendo ameaçada pela incapacidade de enfrentar os inimigos da esfera econômica, agora contra-ataca com um novo impulso do neoliberalismo, como autodefesa de sua própria decadência; no entanto, as consequências desse modelo da terceirização dos serviços públicos, como receita para diminuir os gastos para honrar o pagamento das dívidas públicas, em breve começará a ser implantado em todos os países.

            Na certeza de que o neoliberalismo não morreu, devemos anunciar que, quem tudo perdeu, nada mais tem a perder e, os que ainda não perderam é certo que logo tudo perderão; dessa forma seremos todos iguais, sem direitos sociais perante a lei. Como disse Pancho: “Todo liberalismo tem um inimigo mortal...”: somos nós e toda a humanidade sofredora. Entre aceitar ou lutar contra, há apenas um passo a ser dado para a esquerda.

                                                                                               Ademar Bogo



[1] MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2009, p. 415.

domingo, 2 de março de 2025

CAPITALISMO E MILITARISMO


            Há coisas tardiamente compreendidas que envergonham a ingenuidade e, quando alguns incidentes acontecem, as atenções se voltam para aquele ponto como se fosse o todo do universo. As gerações futuras deverão aprender a conviver com os conflitos entre grupos e as guerras entre as nações, mas, organizadas partidariamente entregarem-se tão concretamente que as forças militares serão apenas uma das partes envolvidas.

            Já estudamos muito sobre a relação entre a formação da riqueza e a violência. A base desta é a materialidade daquela. Rosa Luxemburgo ao analisar a acumulação do capital, a discorreu da seguinte forma: “O militarismo desempenha uma função específica na história do capital. Ele acompanha os passos da acumulação em todas as suas fases históricas”.[1] Em todas as Histórias, bem-contadas de qualquer nação do mundo, encontram-se as marcas vivas da violência advinda dos interesses dos colonialistas, imperialistas e especuladores.

            Não vem ao caso detalhar as formas de violência, pois elas vão desde a humilhação individual, o extermínio étnico, até a expropriação territorial. Nos interessa aqui ainda manter-nos no cenário das guerras. O imperialismo, pela necessidade da expansão do capital, traz em sua essência as características da violência. O crescimento econômico de um país, vem acompanhado da implantação e da inovação da indústria bélica. Os capitalistas adoram o dinheiro e, também as armas. Com o primeiro compram as segundas e, com estas defendem as práticas acumuladoras.

            Há poucos dias os meios de comunicações exibiram em tempo real e continuam reproduzindo, o embate entre o pequeno Davi ucraniano e o Golias norte-americano. Em jogo estava o acordo de paz entre Rússia e a Ucrânia; uma tentativa urgente de encerrar aquele que se constitui o maior erro cometido pela Europa nesse primeiro quarto de século. Ou seja, envolveu em um conflito desnecessário, sem condições nenhuma de vitória, simplesmente pelo ganho de ter a Ucrânia do seu lado.

            O governo dos Estados Unidos entendeu que a Ucrânia vir a pertencer ou não a OTAN, pouco importa; em grande medida ela já está integrada pelo imenso apoio que recebe da Europa. Mas isso nada muda na correlação de forças mundiais. No entanto, se o conflito interessa a Europa, “ela que assuma os custos”, é o pensamento do Pentágono. Mas como sair fora sem nenhuma justificativa ou recompensa.

            Mas o certo é que, diante da situação insustentável da Ucrânia, o governo dos Estados Unidos da América resolveu se retirar do conflito, por dois motivos: O primeiro é que a Europa será uma eterna aliada nas peleias futuras, ela representa com o imperialismo norte-americano o capitalismo central e, em segundo lugar, porque não vale a pena enfrentar um inimigo como a Rússia em um momento em que ela, se não for provocada, não impõe nenhuma ameaça e, se for provocada precisa entrar com todos os arsenais, porém, ninguém sabe o que poderá acontecer. Diante das dificuldades e condições desfavoráveis para vencer a Rússia, a estratégia dos capitalistas norte-americanos é “se saírem bem”, em dois aspectos:  o primeiro, já sabemos que seria a apropriação dos “minérios críticos” existentes no território ucraniano, antes que eles fiquem todos com a Rússia. Esses minérios entregues às empresas de tecnologias avançadas, servirão para enfrentar a China que já controla outras reservas em outras partes do mundo. O segundo aspecto, é obrigar a Europa investir muito mais armamentos sofisticados, certamente comprados das indústrias bélicas do Tio San.

            Por outro lado, ao contrário do que dizem muitos analisadores,  sobre a “humilhação de Zelenski”, nesse primeiro momento, para quem estava com a corda no pescoço, tendo o direito de solicitar o último desejo, ao formulá-lo, o carrasco não podendo atender, teve que deixar a vítima ir embora. Logo, o Davi não derrotou o Golias, mas deixou-o, por enquanto, com as mãos vazias.  Ganhou a tempo junto à Europa, mesmo tendo consciência que, sem o apoio dos Estados unidos não conseguirão enfrentar a Rússia por muito tempo. Provavelmente Trump mudará de estratégia, mas não tem mais nenhum interesse em ajudar a manter a Organização do Tratado do Atlântico Norte.

            Para além desse conflito particular, é importante saber que não estamos de fora, não porque algum resquício de pólvora poderá ser encontrado em nossas mãos, mas, porque, “se sem militarismo não pode existir imperialismo”, embora ainda não estamos sendo atacados, é porque o capital não encontrou impedimentos significativos para expropriar, principalmente o petróleo que representa o lítio ucraniano.

            Pelo comportamento do imperialismo norte americano, percebemos a fragilidade dos alinhamentos políticos, basta uma diferença e tudo vira do avesso. O exemplo brasileiro é emblemático; o governo passado era totalmente a favor à submissão aos Estados Unidos, o atual, covardemente confunde a relação com aquele país como se fosse a luta sindical em que tudo se acerta na mesa das negociações, mas não arrisca questionar os anseios do patrão. A postura é de subserviência, inclusive, prontificando-se a oferecer-lhes novas reservas do petróleo.

            Para sairmos desse assunto. Precisamos discutir, independentemente dos governos, o que é a soberania nacional e como garanti-la. Não podemos ficar nessa ilusão de que, um governo, representante dos interesses do capital, olhando para as forças armadas, a espera de que a qualquer momento possam dar um golpe de Estado ou preso às negociações com os partidos políticos, os quais, sem exceção, não possuem nenhum preparo para enfrentar um processo de resistência. Exemplo de resistência político, militar e popular nos vem da palestina. Lá a soberania está sendo conquistada com enfrentamentos e articulações com todas as forças comprometidas com a derrota do imperialismo.

            Como já vimos, não pode existir capitalismo sem militarismo e, nem capital sem armas e violência. Para quem nasceu sobre uma base de riquezas naturais, não há para onde fugir. Já cedemos demais, precisamos preparar as forças para lutarmos pela superação do capitalismo, com isso superaremos também: o imperialismo, o militarismo, a covardia governamental e a subserviência dos povos.

                                                                       Ademar Bogo



[1] LUXEMBURGO , Rosa. Acumulação do capital. In. LOUREIRO, Isabel. Rosa Luxemburgo e o protagonismo das lutas de massas. São Paulo: Expressão popular, 2028, p. 121.