domingo, 24 de março de 2024

AS TRÊS FORÇAS MALÉFICAS


            O alemão Walter Benjamin em sua astúcia filosófica, intuiu que, “O capitalismo deve ser visto como uma religião, isto é, o capitalismo está essencialmente a serviço da resolução das mesmas preocupações, aflições e inquietações a que outrora as assim chamadas religiões quiseram oferecer resposta”.[1]  As razões são diversas, mas, principalmente porque o sistema está impregnado nas culturas, nas quais predominam o culto e a louvação ao dinheiro, às práticas do sacrifício e a ideologia do falseamento dos sonhos.

            Visto pelo lado sensível e, portanto, estético, para o capitalismo e para a religião, todo dia é dia de graça. Agradecer a Deus pela vida e pelos ganhos. São os sentimentos do dever (obrigação e dívida) com o outro que mantém as atenções  pessoais voltadas para as obrigações. Acima de Deus não há nenhum poder, abaixo dele começa-se a fazer a classificação hierárquica e o dever da louvação ou da bajulação, porque assim são educadas as gerações. Portanto, nos dizeres alienantes não há como alcançar algo grandiosos no futuro sem apegar-se a Deus e ao dinheiro. O primeiro, como é intocável e, por isso indivisível, pertence a todos, porém quem o veste e o maquia são os mais poderosos; o segundo também está em todos os lugares, mas, reproduz-se somente nas mãos dos mesmos poderosos.

            Para inibir e aniquilar a consciência coletiva, em ambas as estruturas, do capital e do Estado, embora tudo se origine e se sustente socialmente, tanto no sagrado quanto no profano, vale o princípio do livre-arbítrio, da livre escolha e da privacidade individual. Desde a salvação até os investimentos econômicos, tudo tende para a concentração e a centralização do poder individual. Os pecados e as culpas são expiados nas confissões, as dívidas no pagamento dos juros.

            Sendo assim, no capitalismo, com a ajuda da religião, Deus assim como o dinheiro são postos acima de tudo, mas como disse o filósofo Nietzsche, “Deus está morto” e, para nós o capital está vivo. Nessa condição, não podendo agir sobre os seus matadores, Deus é uma ideologia falsificadora do real a serviço da manutenção das crenças de que a riqueza concentrada é uma benção e não trabalho humano concentrado.

            Por outro lado, sabemos que o capitalismo precisa da política, por isso organizou para si um Estado capaz de estruturar a sua própria defesa. Na religião manipulada, o discurso político se confunde com o discurso religioso e ambos convivem nos redutos sagrados tal qual o fazem nos espaços profanos. O Estado que subsidia os investimentos capitalistas, é o mesmo que subsidia as seitas religiosas, libera recursos para organizar falsos sanatórios de recuperação de viciados etc.

            Aqui chegamos ao ponto crítico. Embora não pareça, no sistema capitalista apesar dos louvores à democracia, reina entre nós o totalitarismo. Vivemos em sociedades ditatórias pelas imposições das leis tendencias do capital; do poder da concentração da riqueza; do direito da propriedade privada dos meios de produção; da ditadura do mercado e das pregações religiosas oportunistas, vindas da mesma matriz ideológica proposta pelo imperialismo imperante no mundo.

            A sensação de que somos livres e que Deus nos ama, sustenta-se na garantia da lei e da ordem com a ajuda da prática das normas morais, mas, a garantia da sobrevivência advém do dinheiro.  “Ir e vir”, é um movimento que pode ocorrer se a pessoa tem recursos. Se for branco e rico, terá maior facilidade; se for preto, indígena ou pobre, poderá fazer o mesmo percurso, mas passará por revistas policiais em vários pontos do caminho. Para os privilegiados sem Deus mas de posse do dinheiro, o direito de ir e vir é realizável; para os discriminados e mesmo com um pouco dos dois, muitas pessoas somente vão, mas ficam no meio do caminho da volta, caídos na rua.

            Nas doutrinas aproximadas (religiosa e capitalista), aprendemos que, para salvar a alma precisamos ir à Igreja nos dias sagrados, encontrar-nos com Deus ou com os seus intercessores conhecidos somente pelo nome e por algum milagre feito; para salvar a democracia devemos ir às urnas; votar para escolher os representantes que se impõem pelas promessas. São elas que unificam os participantes dos pleitos, independentemente a que lado pertencem. Vivemos de tal modo que, como na “morte de Deus”, matamos o sujeito da história, o cidadão e o lutador e a lutadora do povo, e nos convertemos em crentes e eleitores. Somos amados e odiados pela simbologia da cor com que nos vestimos.

            Convertidos os fiéis ao sistema, tornam-se defensores de ideias que desconhecem a origem e, se na religião, os aliados tendem a mandar para o inferno os desafetos, na política, para demonizarem o comunismo, os mandam para outros países que lutam para construírem a própria soberania. Nesses atos a ideologia totalitária emanada pelo sistema, encarna na intimidade de cada indivíduo tornando-o cada vez mais egoísta e alienado.

            É evidente que o capitalismo constitui o sistema bem montado, capaz de abrigar as diferentes culturas e, por isso também, os diferentes cultos. Sendo assim, ele depende do Estado e das seitas religiosas, como também das religiões oficiais quando o defendem integralmente e pregam contra a socialismo e o comunismo. É preciso superar o capitalismo se quisermos construir uma sociedade socialmente justa, igualitária e religiosamente solidária. Por isso, a luta deve ir na direção da superação dessas três forças combinadas: o capital, o Estado e as seitas religiosas.

            De acordo com esse entendimento, não basta participar da política, é preciso fazer política e, nesta incluir a formação da consciência crítica das pessoas que saibam fazer comparações entre Fé revolucionária e ideologia burguesa; o papel do dinheiro e a distribuição da riqueza; o poder do Estado capitalista com a possibilidade de organização do poder popular e, a vigência das seitas pela organização de associações religiosas voltadas para a fraternidade e o bem comum entre as pessoas

            O socialismo não será uma religião como é o capitalismo. Nele a Fé terá fundamentos conscientes e o livre-arbítrio estará vinculado aos direitos revolucionários. As ideologias falseadoras da verdade serão todas substituídas pelo conhecimento consciente e, ninguém será condenado ao inferno, porque, esse, como o capital e o Estado, deixará de existir.

                                                                       Ademar Bogo



[1] BENJAMIN, Walter. O capitalismo como religião. São Paulo: Boitempo, 2018

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