domingo, 11 de setembro de 2022

CONSCIÊNCIA DA TOTALIDADE

  

            A todo instante somos chamados a posicionar-nos sobre aspetos pontuais. Os outros precisam saber o que pensamos, e nós, nem sabemos bem o que pensar. A economia oscila entre o crescimento e a estagnação, às vezes desce para a recessão. Na política a esquerda e a direita buscam ser de centro para atraírem os mais conservadores, mas há diversas posições e candidaturas que pregam divergências; no fundo pendem para a manutenção da velha ordem. Nas religiões tudo é ainda mais confuso. Já não se embatem os crentes e os ateus, mas os evangélicos e os comunistas. Os primeiros sentem-se ameaçados por uma força que é contra o capital, tudo a ver com o pecado original, mas daí achar que estão lutando contra um mal, já é demais.

            Cotidianamente, de um modo ou de outro estamos nos atualizando. Em grande medida, os problemas do passado se repetem no presente e as posições mais apaixonadas geralmente são as mais equivocadas por serem também as menos elaboradas. Marx, destacou que a luta de classes dos antigos desenvolvia-se “principalmente sob a forma de credores e devedores”. Se tomarmos as palavras, crédito, crentes e credores elas possuem o mesmo radical que compõe o “crer”; isto talvez explique porque os personificados pelo capital especulativo, credor da dívida pública, as empresas dos templos evangélicas e as forças do crime organizado, uniram-se em torno do “mito da governabilidade”.   

            O filósofo Georg Lukács, identificou que uma parte da sociedade leva uma vida econômica inteiramente parasitária e, usa o poder econômico como uma mediação para manter a dominação. E por que exploradores e setores explorados, separados na economia, na política colocam-se do mesmo lado? A resposta pode ser dada de imediato, que a origem dessa junção das partes está na falta de consciência da parte dominada.

            Falta, no entanto, para completar o entendimento, acrescentar na análise a categoria da totalidade. Por falta da visão do todo, nas sociedades pré-capitalistas, os indivíduos não alcançavam ter uma verdadeira consciência e os elementos fundamentais da organização e manutenção da exploração, ficavam obscuros. Foi com o “Materialismo Histórico” que os explorados puderam ter as condições intelectuais de desvendarem o funcionamento da sociedade capitalista, desde a sua base econômica produtora da exploração, às estruturas política, jurídica e ideológica.

            De certo modo estamos no capitalismo, mas uma parte da sociedade, principalmente, esta que se atrela à classe dominante e se sujeita a ela, vive como se estivesse presa ao passado e, ao invés de ir em direção ao entendimento da totalidade, prende-se às vociferações e particulares, como: “Deus, pátria, família e propriedade”, deixando de lado a exploração e a acumulação do capital, interesse a ser garantido pela estrutura estatal aos que dominam.

            Se as condições pré-capitalistas não permitiam a formação da consciência de classe, não impediam, porém, que as religiões figurassem como dominação moral. Esta visão anticomunista no presente, embora desde o início tenha sido formada pela ideologia burguesa, sustenta-se, ao longo do tempo, pelo pensar das religiões e dos meios de comunicação que praticam o obscurantismo ideológico. Se ser burguês e anticomunista é uma obrigação de sobrevivência, no entanto, como essa classe não se constitui de grandes contingentes, precisa do apoio das massas religiosas. Sendo assim, estas sendo impedidas de terem acesso ao Materialismo Histórico, são impedidas também de apreenderem a categoria da totalidade e são facilmente amestradas e conduzidas como rebanhos.

            O acesso ao Materialismo Histórico presente na teoria social de Karl Marx, conduz à formação da consciência, porque desvenda a totalidade e as particularidades das contradições e, por consequência, revela a superação do capitalismo para a transição socialista e o comunismo. Essa teoria social, no entanto, somente pode ser disseminada por forças conscientes organizadas e intelectualizadas, dedicadas ao estudo das contradições com o objetivo de tornar as ideias força de ações. Desgraçadamente, vivemos um tempo avesso em que vemos multiplicarem-se as seitas religiosas e minguarem os partidos revolucionários e as mobilizações sociais.     

            O investimento desesperado em campanhas eleitorais para convencer o eleitor singular pertencente a um rebanho particular, contribui para manter o distanciamento do entendimento da totalidade. Sendo assim, se for promissor este intento, os convencidos a saírem do rebanho hoje, serão os mesmos que, revoltados, voltarão voluntariamente para os currais amanhã.

            As consciências acostumadas a verem apenas as particularidades e não a totalidade, orientam-se pelos detalhes dos interesses pessoais. Qualquer variação nos ganhos ou diante de uma promessa que oferece mais, o suficiente para desconvencer-se. A importância de ter uma parte consciente e organizada na sociedade é fundamental para propor, fazer e sustentar as mudanças nas estruturas sociais. Se há décadas que não vemos a História rumar para esta direção, é sinal que a inconsciência prevalece sobre a consciência. Por isso, importante é observar o conteúdo dos discursos das forças de esquerda, se elas ignoram a totalidade e atém-se ás promessas particulares, estão mais próximas de também formarem seitas e rebanhos e muito mais longe de proporem uma revolução.

            Parece tão difícil sair da situação de retração e do acovardamento atual, no entanto, as respostas podem estar à vista se soubermos levantar a cabeça e vislumbrarmos a totalidade das contradições e transformarmos esta visão em conteúdo de análise nas consciências individuais, aos poucos elas serão unificadas e organizadas em torno de um propósito maior, deste prometer apenas salvar os crentes obedientes.

                                                           Ademar Bogo      

                                                    Autor do livro: Parâmetro esquerdo

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