domingo, 24 de abril de 2022

POLÍTICA DE SOBREVIVÊNCIA?


A política das últimas décadas move-se pelo parâmetro da sobrevivência. De certo modo ela não atua mais para produzir rupturas e transformar a sociedade, mas para salvar entidades e indivíduos que decaíram ou foram enfraquecidos pelas escolhas estratégicas equivocas feitas, ou crimes privada ou publicamente praticados. No fundo, trata-se de um aparelhamento das instituições governamentais em troca de servir bem os agentes acumuladores de capital.

O filósofo Nietzsche, com toda a sua astúcia, ao expressar no livro “A gaia ciência” (345) mostrou-nos que, “a falta de personalidade se expia em toda parte; uma personalidade enfraquecida, frágil, apagada, que se nega e se renega a si própria não serve para mais nada...”. Isto serve para a autoridade máxima do país, com suas “graças” distribuídas; dos partidos políticos sustentados pelo “fundo partidário”; das Igrejas que, por intermédio de seus pastores negociam propinas sobre as verbas públicas e também dos movimentos sociais e ONGs que, desamparados buscam a saída institucional para sobreviverem enquanto personalidades jurídicas como também forças sociais.

Desde a antiguidade atribuí-se à política diferentes funções, mas, em geral ela sempre foi vista como “arte”, de administrar bem. Na contemporaneidade, com a formação do Estado capitalista, a política avançou para ser a arte de representar. Dessa forma, o Estado como forma política passou a abrigar os interesses conservadores, conformistas e criminais.

Quando pensamos em “interesses conservadores”, vislumbramos as práticas voltadas para a manutenção da ordem, de agir conforme a lei posta, ou na elaboração de outras que ataquem as fraquezas do sistema. Os interesses conformistas, muito não diferem dos primeiros, mas convertem a política em um sentimento de impotência e, sem deixar de alimentar a brutalidade do sistema, as forças no governo, buscam banquetear com as sobras, as forças apoiadoras dos grupos mais destacados. No terceiro nível, os interesses criminais pré-estabelecidos, visam o controle político estatal e governamental, para manter aberta a estrada da corrupção e assegurar a proteção dos agentes da criminalidade financeira, política, social, policial, ambiental etc.

Figurativamente podemos demonstrar que o Estado é uma máquina de oxigenação de corpos que sem o aparelhamento governamental, politicamente não sobreviveriam. Dizer que a força política de uma organização passa prioritariamente por dentro do Estado, significa dizer, utilizando um conceito gramsciano que, a contra hegemonia revolucionária foi sacrificada em nome da ordem financiadora dos interesses colaboracionistas.

A política representativa como filha do liberalismo econômico, político e institucional, gerou uma encantadora neta conhecida pelo nome de “colaboração” e, esta passou a intimidar a luta de classes e todas as ofensivas contra o capital e o Estado.

A forma política institucional, com o enfraquecimento do bloco dos países de tendências socialistas, promoveu, desde a Revolução francesa de 1789, a maior conjugação de forças já vistas para gerir o capitalismo. Tanto é verdade que os processos das disputas eleitorais, conduzidos por todos os partidos políticos oficializados, não separam os representantes das classes antagônicas, ao contrário, tornam-se interesseiramente e afetivamente amigos.

Nas últimas décadas do século passado, mesmo a União das Repúblicas Soviéticas, classificadas como “socialismo real”, já não alimentassem mais o sonho das transformações revolucionárias, sustentavam, de algum modo, os confrontos de classe e a identificação viva do imperialismo como inimigo da humanidade. A perda da preocupação para responder à velha pergunta revolucionária, de “Quem são os nossos inimigos?”, deu lugar à formulação colaboracionista chapoliana, para outra preocupação, a de “Quem poderá nos salvar?”

A política da sobrevivência das entidades populares, abandonadas pela colaboração das Organizações não Governamentais (ONGs) desde o início deste século, não pode empurrar para dentro dos governos, os representantes que servirão como amortecedores das pressões contestatórias futuras. O campo de batalha, não pode ser o das “batalhas sem campo” definido, isto porque, a institucionalidade não é um campo de luta, mas um espaço indefinido aonde vigora a colaboração para a manutenção da ordem.

Estamos em um momento político que é preciso distinguir o que é divergência política e antagonismo de classe. Se as divergências nos instigam a lutar contra a forma de governar, o antagonismo deve nos empurrar para combatermos as classes que governam. Não se trata de tomar o lugar dos representantes da classe dominante no primeiro vagão, se a máquina que puxa todos os vagões do capitalismo, continuar rangendo sobre os mesmos trilhos indo na mesma direção. Trata-se de mudar o itinerário da viagem; para isto é preciso desembarcar a classe dos capitalistas e, lá adiante, descartar o próprio trem. 

É evidente que se trata de considerar as táticas elaboradas sobre as circunstâncias históricas. Não se pode imaginar atuar em um cenário que não existe, embora ele possa vir a ser configurado. Mas, por outro lado, é impróprio, em nome da mera sobrevivência, propor-se a seguir mansamente para dentro da jaula do consenso que asfixiará a todos, assim que a jaula for se enchendo. Esse movimento de candidatar as melhores lideranças, no passado já foi experimento pelas centrais sindicais e o resultado pode ser conferido a olho nu.

Os cenários presentes não são suficientes para que as táticas sejam formuladas. Pesa sobre os ombros das gerações atuais, a responsabilidade do que poderá renascer no futuro. Se o inimigo sempre volta, as gerações do passado que lutamos contra a continuação da ditadura militar, até 1985, deveríamos imaginar que essa tática inimiga, permanecendo as forças armadas descontroladas pela sociedade civil, poderia voltar, como de fato voltou de uma forma tão mascarada que, a população que lutou por “diretas já”, contra aqueles que haviam impedido as eleições por 20 anos, viram os seus descendentes legitimá-los pelo voto em 2018.

Não há política revolucionária fora da luta de classes; há sim, em nome da sobrevivência, colaboração e consentimento político. Não adianta chorar o passado; lágrimas não curam pancadas. No entanto, se o arrependimento não repara danos históricos, é imprescindível evitar de novamente cometê-los.

                                                                                             Ademar Bogo

 

    

 

 

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