domingo, 18 de julho de 2021

FALSA CONSCIÊNCIA E IMITAÇÃO

O filósofo Georg Lukács, considerou as revoluções liberais de 1830 e, principalmente as de 1848, referências determinantes para entendermos que a burguesia como força política hegemônica, junto com a perda do seu lugar à frente do progresso social, principiou a viver também a decomposição da filosofia clássica, sustentadora até então dos seus anseios revolucionários.

Com o fortalecimento do proletariado, a Filosofia passou a ser produzida pelos críticos e não mais pelos defensores do capitalismo. A superação desse modo de produção constituiu a base do estímulo para se buscar a unidade mundial dos trabalhadores, como a nova força revolucionária, por meio das formas de organização sindical e partidária, tendo a sua expressão primeira na Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864.

Se a filosofia liberal burguesa a partir das revoluções de 1848 principiou a sua decomposição, em qual campo passou a ser sustentado o pensamento burguês? Ao valorizar a ciência e a tecnologia, a busca pela produção de novas mercadorias, incluído a indústria bélica, grande parte dos capitalistas orientou-se pelas leis tendências da economia e, outra parte, adepta dos ganhos rápidos, encarnou o capital especulativo, estreitamente ligado ao poder político do Estado capitalista. No entanto, em termos de pensamento filosófico, produzido por Thomas Hobbes, John Locke, Adam Smith, Immanuel Kant, Georg Hegel, para citar alguns deles, houve um total apagão e em seu lugar os burgueses passaram a atuar, principalmente na política com a ideologia.

Qual é a diferença entre Filosofia e Ideologia? Grosso modo, podemos dizer que a Filosofia empenha-se num processo constante de revelação da verdade, enquanto que, a ideologia, segue o caminho inverso, ocupa-se de obscurecer a verdade. Inicialmente a ideologia não chega a ser uma “mentira”, porque os elementos reunidos nas justificativas são reais. E, se por um lado os burgueses unificam as justificativas com os interesses, por outro lado esperam que as suas ideias enganosas sejam tomadas como verdade. Marx e Engels em 1845 denominaram essa forma de ser da ideologia, de “falsa consciência”. Ou seja, os ideólogos enganados pelas próprias formulações, pensam levar as suas ideias como verdades para serem assimiladas pela sociedade em geral.

Há diversos exemplos na História demonstradores desse entendimento. Quando na Idade Média as pregações defendiam que no universo a terra era centro e, baseados nas Sagradas Escrituras consideravam herege quem pensasse o contrário, não era uma mentira, apenas um engano mais tarde esclarecido. Quando Adam Smith em seu livro, “A riqueza das nações” atribuiu ao equilíbrio das relações entre produção, circulação e consumo à força de “uma mão invisível” ou ao próprio mercado, estava concretizando o pensamento liberal e, para a época, as mais puras verdades econômicas. Mentiras são as justificativas neoliberais de nosso tempo, isto porque já existindo elaborações contestadoras das formulações da economia política formuladas no passado, tentam ainda fazer crer nos enganos já debelados.

Mas a ideologia pode também vir a ganhar a forma de mentira e desenvolver-se por meio de uma segunda forma de “falsa consciência”, fazendo com que falsas ideias ganhem credibilidade na consciência das massas. Vimos isto muito nitidamente na “Operação Lava” Jato ao propor-se combater a corrupção quando o objetivo era interferir no processo eleitoral; as reformas da previdência e trabalhista que prometia mais empregos e segurança previdenciária; a eleição de um “antipolitico” para implantar uma “nova política”; a liberação da venda de armas para “combater a violência”; o tratamento precoce como prevenção da contaminação do coronavírus, quando por trás era para as empresas farmacêuticas triplicarem os lucros; a eficiência do funcionamento da máquina pública, com a presença de militares que se revelam ainda mais corruptos;  o negacionismo da ciência em nome da contaminação e imunização natural e tantas outras mentiras.

Mas porque então sendo mentiras comprovadas uma parcela da população continua acreditando serem verdades? Pela simples razão de que a “falsa consciência” é alimentada em todos os seus momentos e as justificativas atuam basicamente em três sentidos: emoção, imaginação e vontade. Ou seja, a vitimização afeta diretamente as emoções mantendo-as em um nível elevado de revolta, porque, por trás da “falsa vítima” há indicações de culpados reais, seja como instituições, leis ou autoridades. Imaginariamente o comunismo é apresentado como um terror emergente vindo pelas mãos de inimigos portadores de símbolos, como as bandeiras vermelhas, por isso, “eles” devem vestir-se com verde e amarelo e irem aos templos evangélicos orarem para que o pior não aconteça. Tudo isso desperta a vontade de fazer alguma coisa, nem que seja replicar nas redes sociais as mentiras contadas, pelos agiotas do capital especulativo em sintonia com o “gabinete do ódio” e o banditismo institucionalizado.

 Dito isso, não podemos festejar, porque descobrimos que as forças burguesas desde 1848 atuam com total ignorância filosófica. Muito pelo contrário, se assim o fazem é porque, essa classe, ao deixar de ser revolucionária, passou a se guiar pelos interesses privados e, mesmo sem renovar os fundamentos teóricos, atua obedecendo as ondas e as crises, enquanto a decadência do modo de produção capitalista permitir. Portanto, mais do que festejar devemos temer o avanço da barbárie que essas formas falsas de consciência induzem a não perceber.

De outro modo, poderíamos pensar que a Filosofia do proletariado, iniciada pela teoria social de Karl Marx e Friedrich Engels, nos ajudaria a combater as formas de “falsa consciência” proliferadas pela ideologia burguesa. Mas não é bem assim, por duas razões: a primeira é que a própria “filosofia proletária” sofre de certos transtornos e atrofias intelectuais, concentrando em si enormes limitações para se impor como a única Filosofia possível de evolução e, a segunda, é que o perigo de reproduzirmos as duas formas de “falsa consciência” é iminente e, por isso, as proposições de saídas para a superação do capitalismo, assemelham-se às falsas formas de entendimento para mantê-lo.

Se observarmos atentamente ao movimento das contradições políticas, perceberemos os limites. Em primeiro lugar, a humanidade acostumou-se a diferenciar quem está a favor ou contra na política, pelas categorias de “situação” e “oposição” ou “direita” e “esquerda”. Essas categorias tiveram as suas origens nas disputas entre as forças da Revolução Francesa, que nem partidos políticos ainda possuíam, mas se dividiam em partes denominadas por “Girondinos”, direita, e “Jacobinos”, esquerda. No entanto, essa esquerda jacobina, legalista, que havia dirigido a Revolução, não queria destruir o capitalismo, mas fortalecê-lo tornando eficiente também o Estado capitalista e o Direito positivo

Entre a esquerda jacobina, de 1789 orientada pela Filosofia clássica e liberal burguesa, e a nova classe proletária criadora da nova Filosofia escrita por Marx, existe grande diferença: nos princípios, forma organizativa, moral revolucionária etc. Mas isto pouco ou quase nada poderia nos interessar por representarem resquícios de um passado distante. Mas não. Tanto a esquerda Jacobina da Revolução Francesa continua presente em nossos dias, quanto o proletariado, eleito por Marx como a classe em ascensão para a superação do capitalismo. No entanto, principalmente os “jacobinos” que atua nos partidos comprometidos com as disputas eleitorais apenas, buscam melhorar o funcionamento do capitalismo e do Estado, orientando-se pela enganosa de “falsa consciência”.

 Podemos agora questionar, se as forças de direita e de esquerda utilizam os mesmos recursos da “falsa consciência”, possuiriam os mesmos objetivos? Sem muitas delongas respondemos que não. As forças de direita são enganadoras e mentirosas. Agem dessa forma, mesmo sabendo que existem explicações para as crises e para a decadência do capitalismo, por isso, não estão enganadas, mas consciente. Nesse sentido, elas atuam sustentando a ideologia como mentira. Ao contrário, do ponto de vista da “esquerda jacobina”, a sua atuação se sustenta na primeira forma de “falta consciência”. Age de boa vontade, mas está enganada porque que não consegue conciliar a visão utópica com a realidade. E, por sua vez, ao ignorar a Filosofia do proletariado formulada não consegue formular as verdadeiras questões que desvendem as contradições, por isso enganada engana os trabalhadores, fazendo-os acreditar que, se “substituir os governantes”, o capitalismo funcionará melhor. Mas podem ter um ponto em comum de agirem sem Filosofia: a direita por não tê-la e a esquerda por desleixo de não estudá-la e conhecê-la.

Essa forma de ideologia adotada pela esquerda governista, mesmo que não mentirosa, mas enganosa, compromete profundamente a definição das táticas e estratégias no que diz respeito a seus alcances; a formulação das tarefas e dos métodos de ação, bem como as escolhas das leituras e temas de formação da militância.

Voltar a ler Marx não significa abandonar tudo que foi elaborado filosoficamente de útil depois dele, mas, acima de tudo, é voltar ao ponto em que a filosofia burguesa se exauriu e entender que de lá para cá, o que a classe dominante fez, foi governar o mundo por meio da “falsa consciência”, transformando as mentiras em crenças e as crenças em alienação.

           As batalhas são múltiplas, mas esta das ideias torna-se fundamental para que o domínio filosófico ilumine os passos por onde devemos andar para chegarmos, conscientes e vitoriosos no futuro.                                                          
                                                                                                           Ademar Bogo     

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