domingo, 7 de fevereiro de 2021

A MORTE MILITANTE


            Um indivíduo dado como morto é um defunto. Deve ser enterrado e pode ser esquecido ou não, depende da causa de sua morte. Se por homicídio, será lembrado nos tribunais; por acidente, na perícia; por genocídio, nas lutas. Temos, portanto, no tempo presente duas causas que nos motivo: a causa de morte e a causa política.

            O morto possui pelo menos duas funções sociais: a primeira, alertar que ele é você amanhã e, a segunda é permanecer entre os vivos pressionando os juízos para que a causa da morte não seja esquecida. É nessa combinação que a morte entra na militância e instiga os vivos a se posicionarem a favor das lembranças e não do esquecimento. Foi assim que o filósofo Karl Marx descobriu e escreveu no “18 Brumário” que, “a tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”.

            Quando os mortos lembrados aparecem, tornam-se pesadelos para os inimigos vivos. Quem são as gerações mortas? São aquelas pertencentes aos indígenas massacrados desde o início da colonização; são as gerações primeiras dos escravizados mortos nos porões fétidos dos navios que traziam homens e mulheres para serem usadas, violentadas e mortas nas lavouras, nas senzalas, troncos e pelourinhos; são os imigrantes pobres, colonos, famintos deslocados para povoarem o território sem qualquer tipo de assistência. São gerações que sucederam gerações e trouxeram no corpo as marcas da crueldade civilizatória em busca de um futuro melhor; são as gerações asfixiadas pela pandemia, mortas sem oxigênio em regiões de florestas por desleixo e pouco caso das autoridades que já estão desautorizadas a governar.

            Como as gerações mortas voltam? Na vida de seus descendentes. As gerações atuais são conseqüências das causas que maltrataram as gerações passadas. Se tais causas não foram eliminadas, continuam a fazer vítimas. Nesse sentido, descendem das gerações mortas, os exploradores e os explorados.

            Os mortos anunciam que o futuro chegou. Os que estamos vivos e explorados, somos o resultado da História nacional, sem nunca termos conseguido edificar uma nação respeitada por si mesma. Somos as etnias miscigenadas que nunca conseguimos eliminar o preconceito, o racismo e o machismo. Somos os herdeiros e herdeiras da pobreza e da miséria evoluída ao lado da riqueza construída com as nossas mãos. Somos os democratas, anarquistas, socialistas, comunistas que nunca experimentamos a verdadeira democracia econômica, social e política. Somos aquilo que Marighella, Prestes, Florestan Fernandes e tantos outros disseram, que seríamos as” gerações futuras”, mas que pioramos em muito o nosso destino.

            A pergunta que nos fazem os mortos do passado e do presente é, de que valeu tanto esforço, dedicação e militância se as causas das mortes não se tornam uma causa política?

            Os mortos do passado e do presente nos pressionam. Eles nos alertam para lutarmos contra os mitos. Eles nos dizem que a globalização é a continuidade da colonização. Agora com legitimidade jurídica, saqueiam as riquezas e cobram em dinheiro o pagamento das dívidas públicas acumuladas e por isso o Estado é a instituição do capital. Eles nos alertam que não devemos temer as ditaduras porque elas sempre existiram travestidas de “democracia representativa”, que centraliza as decisões nas mãos de um presidente da república, de um um presidente do Congresso Nacional que, diante de 60 pedidos de impedimento nega o início do processo de cassação do chefe do executivo. A “democracia representativa” é uma composição por delegação que segue o lema: “Saiba pedir, que saberei não dar”.

            Os mortos pressionam os cérebros dos vivos porque nos querem vivos. Viver nesta época de presença da morte é lutar, denunciar, responsabilizar e exigir. Um país não é um presidente, um exército ou um sistema financeiro. Um país, acima de tudo é o seu povo. Se o poder dele emana é preciso que por ele também seja exercido. Representantes são servidores que servem enquanto servem; deixando de servir devem ser desalojados dos cargos.

            Os mortos também nos alertam que há saídas e permanências. Querer sair é enfrentar para superar as causas estruturais da morte. Querer permanecer é agarrar-se no “pau do galinheiro” eleitoral, para prometer mais hospitais, mais auxílio, mais emprego, mais escolas ... até que uma nova invenção de falsas pedaladas coloque tudo a perder, principalmente o tempo e a ilusões. O tempo já mostrou que o legal para os capitalistas é válido enquanto eles ganham, quando começam a perder, mudam as leis.

            Os mortos nos alertam que, se queremos o capitalismo devemos formar frentes amplas, disputar eleições e governar para todos, conforme prega a ordem estabelecida ou o “Estado Democrático de Direito”. Assim, reuniremos esforços para favorecer o capital: descobriremos mais reservas de petróleo, ampliaremos a produção agrícola, aqueceremos o mercado de massas, subsidiaremos as indústrias; manteremos as taxas de juros elevadas para agradar os Bancos, pagaremos em dia os juros da dívida pública e seremos respeitados no G20.

            Os mortos nos ensinam que, militância é feita com incômodo e perturbação. O pesadelo dos políticos é o povo revoltado. Apesar das dificuldades temos duas razões fundamentais para lutarmos: estamos vivos e somos amigos das gerações mortas. Eles nos dizem que o final é um começo. E, começar é não repetir. É não se iludir. É não se prostrar. É não errar. Mas,  o que vemos? A esquerda burocrática, sem organização nem mobilização, domesticada pelas práticas assistencialistas, exigindo a volta do auxilio emergencial. Sabem esses burocratas da política,  porque já estiveram no governo, que as massas votam em que lhe estende a mão. Veja a contradição, lançam um candidato a presidente, sem mobilização, enquanto articulam para que seja aprovado o auxílio emergencial. Quem elegerá então o próximo presidente da república?  

            Os mortos querem o paraíso, ao contrário dos que vivem e defendem o capitalismo, que querem o inferno. Como os mortos, militamos pelo paraíso que é o socialismo. Eles, desapegados de tudo, até do próprio corpo, nos mostram que o futuro será melhor se quisermos e planejamos o melhor.

            Os cúmplices dos governantes genocidas são genocidas também. Os cúmplices dos projetos burgueses, geradores de fome, pobreza e violência, são matadores também. Os mortos, os pobres os trabalhadores, nada temos a perder, como disse Marx, “mas um mundo a ganhar”. Só a luta enfrenta a morte e os matadores. É tempo de exigir rápida vacinação, para que se inicie o novo tempo da revolução.

                                                                                  Ademar Bogo

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