domingo, 21 de fevereiro de 2021

O TERCEIRO REICH

 Calígula, na tradução do termo, “botinha”, apelido do  imperador romano Caio César, por desde pequeno gostar de usar esse calçado de tipo militar. Era possuidor de natureza extravagante e pervertida, tido historicamente como o mais cruel dentre os imperadores. Teve um governo curto. Reinou entre anos 37-41 quando foi assassinado pela própria guarda. Por não confiar bastante e ter restrições à fidelidade dos aliados, nomeou o próprio cavalo “Incitatus” como cônsul romano. Foi o terceiro imperador romano e teve um governo marcado por erros que provocaram diferentes crises, motivando-o a realizar reformas que levaram ao esvaziamento dos cofres públicos, obrigando-o, no final, pedir dinheiro ao povo para se manter. Na Alemanha também, o terceiro império (Reich), foi marcante e instalou-se entre os anos de 1933-1945 e foi governado por um verdadeiro carrasco, Adolfo Hitler.

No Brasil, no último triênio não tivemos um terceiro governo, mas três governos em um mesmo mandato que mistura muitas características dos reinados, romano e alemão. No entanto, invertendo a ordem, aqui nenhum cavalo foi nomeado ministro, mas muitos cavaleiros, calçados de “botinhas” integram a governança e não param de fazer extravagâncias, com leite condensado, chicletes e bacalhau; esvaziando os cofres públicos e praticarem perversões com o descaso da saúde pública.

Este governo, iniciado em 2018 no Brasil, sem abandonar a ideologia nazi-fascista, inaugura já o terceiro tipo. Primeiramente organizou-se para combater o comunismo, por se tratar, na ótica nazistóide de uma sombra ameaçadora de não deixar o “sol da mediocridade” brilhar e governar. Como as forças comunistas e socialistas foram desmanchadas como a gordura em brasas, nos governos anteriores e, por respeito ao princípio educativo de respeito à ordem em qualquer circunstância, as forças de oposição foram silenciadas; sem resistência, o “butinada” refluiu o ataque aos intelectuais, às universidades, a Paulo Freire e também, em certo grau, aos comunists.  

Em meio à crise econômica e com a chegada do exterior do coronavírus, foi preciso encontrar um novo inimigo, já que os comunistas não foram localizados e com o isolamento físico, as reações populares foram inibidas e reduzidas a alguns panelaços. No segundo governo, devido ao comprometimento do núcleo familiar e desavenças internas forjadas por não ter o controle sobre os órgãos repressivos, somado com o protagonismo dos governadores no combate a Covid-19, as instituições sustentadoras da ordem tornaram-se o alvo de perseguição. Os poderes Legislativo e Judiciário foram colocados na alça de mira com claras ameaças de serem abatidos. No fundo, como a causa para um golpe de Estado era pessoal criada por escândalos familiares, o presidente optou por mover algumas peças, desfazendo-se de aliados, retomou o controle dos focos ameaçadores e, também alguns governadores foram atingidos e recuaram.

No presente momento, inicia-se o terceiro mandato. Frustrado com as políticas neoliberais que não destravam os freios da economia, nem arrecadam dinheiro para o Estado,  inicia com o controle do Congresso Nacional, dando aos partidos aliados alguns cargos ambicionados e afagos às instâncias superiores do poder judiciário, mas volta-se para tentar controlar as empresas públicas produtoras de capital, contradizendo totalmente as diretrizes neoliberais, o que lhe valeu ser ele agora chamado de “comunista” pelo PSDB.

Os pilares estruturadores do terceiro governo, que durará provavelmente também um ano, embasam-se em três fundamentos: o controle do Congresso nacional, o incentivo ao agronegócio e a interferência nas empresas públicas, principalmente a Petrobrás. Nesta última a manobra pode favorecer os consumidores de petróleo, acalmar os caminhoneiros e, talvez contribuir para reeditar o auxílio emergencial às vítimas da pandemia, prevendo a manutenção de índices razoáveis de popularidade.

Esse conjunto de articulações permite dar aos aliados alguma satisfação e ajudar a diminuir os ataques inimigos. Para os deputados, cargos e liberação de emendas a cada votação; para o agronegócio, incentivos e armas para assegurarem as propriedades rurais; para a população em geral, a vacina, entendida agora como a única solução para amenizar a crise econômica e, para os miseráveis, o auxílio que garante a popularidade e cacifa o presidente como nome imbatível para a reeleição em 2022, ano que, provavelmente, se iniciará um quarto tipo de governo no mesmo mandato, com a volta dos ataques às instituições, às urnas eletrônicas com incentivo à desobediência à aceitação, se o resultado das urnas não for favorável ao partido militar.

Para as esquerdas, como um paciente sem senha para ser atendido, com essa tática legalista, sobra circular pelos ambientes a procura de um assento que ninguém quer ceder. Aparentemente está em pé, mas, como o paciente contaminado pelo vírus, está sem energia nem inspiração para sair fora do eixo do atendimento tradicional, por isso espera que alguém ou um acaso venha salvá-la.

Essa espera, porém, denuncia que a crença da relação entre “Esquerda” e “Estado” já não é mais nenhum mistério, isto porque, para chegar ao governo, a esquerda precisa aliar-se com as forças de direita, aliando-se torna-se força auxiliar para a implementação dos projetos dos capitalistas; se discordar, em nome da democracia, o governo é interrompido com golpes e rasteiras.

A situação política atual é semelhante à intuição de um paciente em dúvida se está contaminado pelo vírus ou não. Para saber se está, precisa ir ao hospital, mas, se não está, indo ao hospital, é quase certo que irá contaminar-se. Neste sentido, as forças de esquerda sem nada a oferecer nem a propor, defendem unicamente a volta do auxílio emergencial, mas sabem que, se for aprovado, quem ganhará com isso é o presidente da república e torna-se forte para disputar a reeleição.

Resta encontrar outras soluções. As ditaduras dão indicadores para as democracias agirem. Enquanto as primeiras enfrentam os descontentamentos com golpes dados pelas forças militares, as segundas enfrentam os desmandos com as forças populares. Por isso, se para as forças golpistas, as eleições só são válidas quando elas saem vencedoras, porque seriam as mesmas eleições vantajosas para os revolucionários quando vencem e são impedidos de governar?

O descompasso é tão grande que enquanto as forças de esquerda preparam-se para as próximas eleições, as massas preparam as mortalhas e enterram os seus mortos a espera de um auxílio que as compre para ficarem caladas. E não agem errado. Cumprem temporariamente com as suas obrigações. Nós que ainda comemos e escrevemos, pensamos como Jean-Jaques Rousseau quando declarou que: “quando um povo é obrigado a obedecer e o faz, age acertadamente; assim que pode sacudir esse jugo e o faz, age melhor ainda...”.

Torçamos para que as forças partidárias, movimentos sindicais e sociais se dêem conta que o povo agirá melhor ainda, mas só estará com ele quem achar que consciência é consciência e não uma mercadoria, e que, democracia não é votar e delegar o poder, mas assumi-lo, destruindo e superando todas as estruturas e mediações que asseguram a exploração, a desigualdade e as injustiças.

                                                           Ademar Bogo

   

 

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