domingo, 26 de abril de 2020

SEM PARTE E SEM PARTIDO



O filósofo Nietzsche, em seu livro, A genealogia da moral destacou que: “De fato, no desprezo se acham mescladas demasiada negligência, demasiada ligeireza, desatenção e impaciência, mesmo demasiada alegria consigo, para que ele seja capaz de transformar seu objeto em monstro e caricatura.”
O desprezo pode ser considerada como a mais perversa retribuição a um desafeto. É diminuição do lado oposto como se ele não existisse. É também o abandono da consideração e relegar ao imprestável aquilo que pode ter sido útil. Por outro lado o desprezo pode ser fruto da soberba de achar que o poder eleva o indivíduo a níveis inatingíveis fazendo com que o mortal sinta-se imortal ainda em vida.
Baseados nisso, se tivermos no futuro que caracterizar o governo atual em uma só palavra, com certeza esta será “desprezo”. Por que? Como diria Nietzsche, a sua existência sintetiza as qualidades que poderia ter um governante: negligência, desatenção e impaciência.
Negligenciar, a educação, a saúde, os direitos sociais, a natureza, os bons modos, a cortesia, a gentileza, os afetos etc., já seria muito grave, mas, negligenciar a vida em nome da ignorância é intolerável.
Intolerável porque, a ignorância chegou ao poder e transformou em monstro e caricatura o próprio mandatário. Monstro para fora, perante aos mortais em série em plena pandemia e, mostro para dentro na morte e afastamento dos próprios aliados.
O desprezo pelas instituições e a governança está na origem do processo que culminou no golpe de 2016. Desde lá, no intuito enganoso de praticar uma “nova política”, o imperialismo e seus aliados desprezaram os partidos políticos confiando que, governar é fomentar mobilizações de grupos alucinados e recorrer ao apoio das forças armadas.
Governar, para esses entendidos da nova política, seria submeter duas dúzias de subordinados dispostos a  encobrir delitos, perseguir instituições e universidades, xingar os aliados comerciais em nome da pureza da ideologia capitalista e atacar os meios de comunicação “desalinhados” por oportunismo, colocando todos os desafetos de direita no campo do comunismo.
 Mas eis que o caldeirão sem tradição política, organizacional e idoneidade ética não permite que os átomos se juntem e formem uma coesão no início da fervura. Não se juntam e nem podem compartilhar da “demasiada alegria” e satisfação porque o cozinheiro é portador de um fortíssimo tempero odioso. Então eles pulam para fora, esbravejam e respingam no rosto macabro do foguista, o caldo produzido pelo próprio desprezo que nutrem entre si.
Se Nietzsche tem razão, quando diz que “nunca odiamos aos que desprezamos, odiamos, aos que parecem iguais ou superiores a nós”; no caso em discussão, o ódio se justifica quando comparam quem são eles e quem são os outros por eles confrontados. O sentimento de inferioridade é tanto que converte em ódio aquilo que deveria ser uma simples demonstração comparativa; segundo, porque entre eles os mais destacados se parecem e cada um quer o destaque e a projeção enrustida.
Mas eis que chegou a hora do enfrentamento entre o “monstro e a caricatura”. É a guerra com armas desonrosas que atacam os vazios da honra, da sinceridade, da lealdade e da retidão de caráter, todos em busca de uma só vitória, que atende pelo nome de tirania. 
O ressentimento é a marca de quem sai do caldeirão e, a cumplicidade que em Direito penal quer dizer, “aquele que colabora com a prática do crime de alguém” é a marca do governo sem partido. E a política nova, revela ser apenas uma extensão da corrupção monetária com a reunião da prática protecionista, obscurantista e perseguidora.
            Então é a vez do desprezo se converte-se em impopularidade. A parte alucinada é abafada pelo canto das panelas que dizem com suas bocas abertas nas janelas, “fora impostores”. Eles, ainda tentam, desmanchando-se em notícias disparadas por robôs que, depois de construídos pela engenharia mecânica, aprenderam a mentir.
            Falam em “política” quando na verdade querem dizer “interesses”. Assaltam o poder público, mas por falta de unidade partidária, convertem o próprio assalta em ato do próprio desprezo. Para “fazer política” é necessário, pessoas honestas e capazes  que tenham gosto pela organização política, que sejam capazes de aglutinar uma base consciente e disposta a elaborar propostas que sejam favoráveis a toda à nação. Política não se faz com “mini facções” robotizadas, que injetam anti-teses na mente de uma parcela diminuta da população, doutrinando-a para a defesa de teses raivosas contra os poderes que deveriam exaltar para assegurar a própria legitimidade.
            Da “escola sem partido” resultou um “governo sem partido” e sem compostura. De longe, já quase sem sustentar-se sobre os cascos, o imperialismo envia ordens, mas elas esbarram nos silenciosos funerais. O desprezo converteu-se em desprezo somando-se aos dias tristes, para enraivecer o monstro. Ele se debaterá, mas a História o prenderá no museu da badalada ditadura. Quando o “pão e o circo” não forem mais oferecidos, a fome e a dor convocarão as massas para ultrapassarem as barreiras do desprezado destino.
                                                                                           Ademar Bogo

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