domingo, 19 de abril de 2020

OS AFETOS E OS MEDOS



Desde a antiguidade, a humanidade compreendeu e ensinou para todas as gerações, que há um tempo para tudo, de nascer e de morrer; plantar e colher; chorar e rir; ganhar e perder; amar e odiar; falar e ficar e ficar calados. É uma maneira simples de expressar que a história é feita de conflitos e, eles fazem lutar e sofrer para tentar vencer.
O filósofo Baruch Spinoza, ao tratar da natureza dos afetos, percebeu que o ser humano pode ser afetado de muitas maneiras e, por isso, a sua potência de agir aumenta ou diminui. Diante disso é que “a nossa mente às vezes age, outras vezes padece”. Por quê? as ideias cultivadas na mente as vezes são adequadas e outras vezes adequadas.
Isso nos mostra que os afetos estão intimamente ligados às ideias. As que são adequadas à solidariedade, ao respeito e ao cuidado humano, fortalecem as relações afetivas. Ao contrário, as ideias que estão vinculadas aos interesses privados, fortalecem o egoísmo, o individualismo, a vingança e o ódio.Vejamos como as idéias inadequadas se manifestam no presente e como elas perturbam e fazem sofrer.
No momento presente não há perigo nenhum da emergência do comunismo no mundo. Isto porque, as forças de esquerda e revolucionárias, mal existentes, que deveriam fazer essa defesa sabem que, pela opção anterior de terem confiado excessivamente na institucionalidade foram dominadas pela ordem; ocasionaram o rebaixamento da consciência política, o enfraquecimento da organização social e partidária e a substituíram as bandeiras radicais por outras mais amenas. As circunstâncias históricas, vistas pelas condições subjetivas, não são favoráveis agora para que se efetive a superação do capitalismo. Mas os capitalistas também sabem que, nas diversas crises causadas por eles mesmos, ameaçam à concentração da renda, da riqueza e temem pelo pior. Então, eles também se mobilizam, mentem e sofrem muito.
            Sofrem porque percebem o perigo de verem as suas riquezas paralisadas, serem diluídas ou atacadas sem nenhuma proteção, nem dos trabalhadores que viviam dentro delas, nem do Estado, pela redução que a ele impuseram. Por isso eles querem encerrar o distanciamento social e obrigar os trabalhadores a voltarem ao trabalho, correndo todos os riscos de serem contaminados pelo coronavirus.
            Eles sabem, que pelos salários pagos e pela exclusão social que produziram ao longo dos anos, 67% dos brasileiros não conseguiram poupar nada e encontram-se sem nenhuma reserva financeira. E, por isso, os donos das riquezas e os seus defensores, que há pouco tempo reclamavam que o governo “não podia gastar mais do que arrecadava”, agora correm, exigem que o mesmo governo continuador do golpe, libere alguma ajuda aos que não tem renda. É porque mudaram a natureza dos afetos e tornaram-se mais solidários com os pobres? Não. É para evitar que os pobres e os explorados, diante da fome e da miséria virem os seus olhares para a riqueza que foi produzida pelo trabalho coletivo, mas apropriada por sujeitos privados ao longo da História.
            É a esse medo, misturado com o ódio que nutrem pelos pobres, negros e índios que eles chamam de comunismo; quando deveriam ver como uma simples repartição e, anteciparem-se distribuindo voluntariamente parte da acumulação indevida que fizeram. Mas, com as ideias, mentirosas, confusas e inadequadas, preferem atacar as consequências e esconder as causas, tudo porque temem a reação dos “bárbaros”, como são denominadas as massas exploradas desde a queda do império romano. Nesse caso, é a barbárie que devem temer e não comunismo.
            Qual é a diferença desses medos? Na barbárie há uma distribuição da riqueza espontânea, sem controle, criando na sociedade uma insegurança geral. As instituições desaparecem e se instala o processo no qual vale a luta de todos contra todos. Ninguém está seguro e não há a quem recorrer para pedir proteção. Na transição do capitalismo para socialismo, há também a luta de um lado contra o outro, porque os donos da riqueza resistem em distribuí-la e utilizam o Estado para defendê-la; mas o processo é orientado e controlado por organizações respeitadas que buscam beneficiar a todos os que se colocam a favor e garantir que alguns valores da civilização sejam preservados. Há o cuidado de instituir uma nova moral e os direitos são igualmente garantidos para todos.
            As forças de ideias raivosas e inadequadas, ao invés de atacar devem torcer para que no meio das revoltas espontâneas que no mundo brevemente surgirão, estejam ali as novas forças socialistas e comunistas organizando as massas rebeladas, ou então, pagarão o preço destrutivo da barbárie. É uma forma de afetividade forçada, mas foi o que sobrou para oferecer para uma civilização que produziu os seus próprios coveiros.
            Sendo assim, para nós mesmos, não basta apenas concordar e saudar o fim do capitalismo, é preciso preparar o que virá depois, porque, temos dois inimigos a enfrentar: os que possuem as ideias inadequadas e os que não possuem ideia alguma.
Que a experiência temporária dos hospitais erguidos às pressas para atender a todos os atingidos pelo coronavírus, ensine que, se as tragédias, igualam os ricos e os pobres, reunindo-os em um mesmo ponto para salvá-los da morte com as mesmas mãos, a concordância cada vez mais das ideias adequadas, deverá diluir e derrotar as ideias inadequadas a favor do socialismo e contra a barbárie.
                                                                                              Ademar Bogo

Nenhum comentário:

Postar um comentário