domingo, 1 de março de 2020

INFORTÚNIOS E CONTRADIÇÕES

 
            Os meios de comunicação acostumaram os indivíduos mundo afora a conhecerem os resultados da globalização por meio dos fatos noticiados. Poucas vezes analisam as razões e as contradições que surgem e evoluem nas relações internacionais entre os países, mas, fundamentalmente sobre os interesses do capital.
            O geógrafo britânico David Harvey, ao escrever sobre as “17 contradições e o fim do capitalismo”, demonstrou que as contradições do capital geram muitas inovações e muitas delas até melhoram a qualidade de vida cotidiana. No entanto, quando as contradições levam a uma crise do capital, produzem também momentos de “destruição criativa”. Por isso, se por um lado as crises são momentos de transformação e reinvenção, por outro lado, também representam, principalmente quando a reprodução do capital é ameaçada por contradições internas.
            É verdade que vivemos a Era da informação instantânea e, por isso, achamos que sabemos, pelas notícias, o que está ocorrendo no mundo todo. Por exemplo, sabemos, com um simples acesso à internet que um vírus surgiu na China, mas, de imediato migrou para outros países. Porém, as notícias não mostram as contradições existentes entre a realidade e a aparência. É por essa desqualificação que as notícias se tornam enjoativas e não sobrevivem mais do que quinze dias, depois os falseadores da realidade precisam de outros fatos para manterem a atração fetichizada em torno das ilusões que criam ou que levam a criar.
            É importante considerar sempre as coisas em movimento. O filósofo Heráclito, há pelo menos quinhentos anos antes de Cristo, disse que “tudo flui”, e é nesse fluir que tudo se desenvolve ou se aniquila. A globalização que nos condicionaram a compreender como sendo, aparentemente, a “integração” entre todos os continentes do mundo, nunca popularizou as razões que os inventores dessa integração tinham em mente quando oficializaram o uso do conceito, que na origem denominava-se de “mundialização”.
            Se “tudo flui”, um desses elementos que compõe o “tudo é o capital. Marx e Engels já haviam alertado ainda em 1848 que a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo. Ou seja, essa classe tem em mente não só o município, a região ou o território de um país, ela quer penetrar no “Cosmos” correndo todos os riscos, porque, a concorrência também cresce proporcionalmente ao crescimento e a expansão do capital.
            Há muitas maneiras de interpretarmos as funções cosmopolitas do mercado e do capital, mas, com certeza, a que devemos evitar é aquela que reflete apenas a aparência, isso vale para a economia, para a política e, para a economia sobre a política. Não faz muito tempo que ouvíamos as autoridades governamentais brasileiras, com inflamados discursos, dizerem que “não estabeleceriam relações com países de ideologias opostas”, principalmente com os países governados com concepções marxistas. Porém as aparências discursivas não demoraram cem dias para serem descartadas; sob as ordens do agronegócio e de outros setores da economia, a verborragia investida de bravatas, sumiu dos discursos.
            Por sua vez, os capitalistas ao pensarem o cosmopolitismo do mercado esqueceram-se de antecipar a forma de suprir as fragilidades que viajam junto com os investimentos e, com todos os avanços tecnológicos, um vírus que surge no interior da China e em duas semanas pode migrar para 40 países  do mundo, como o Brasil, a Itália, Coreia do Sul e nos próprios Estados Unidos, país especializado em guerras, bloqueios econômicos e sabotagens, não é pouca coisa.
            Ainda conhecemos muito pouco sobre os armamentos vivos que levarão adiante por meio do modelo biológico as guerras do futuro. Essas armas farão os ataques com menos investimentos e com maior eficiência do que a presença de forças humanas, fardadas que exigem uma logística de sustentação caríssima. Como exemplo, estima-se que nos 18 anos de guerra no Afeganistão, os Estados Unidos enviaram para lá cerca de 775 mil membros das forças armadas, dos quais, 3 mil e quinhentos foram mortos e milhares ficaram feridos. Estima-se que os gastos ultrapassaram um trilhão de dólares.
            A grande questão dos estrategistas militares das potências bélicas é encontrar maneiras de reduzir os impactos dos ataques biológicos. Vimos que a China possui uma população culturalmente disciplinada e um governo eficiente, capaz de construir um hospital novo de 25 mil metros quadrados em dez dias, confinar uma população de 11 milhões de pessoas, para enfrentar a epidemia surgida em Wuhan.
            Todos sabemos que, a aparente “guerra comercial” contra a China, visa reduzir o seu potencial de vir a ser, nos próximos dez anos, a maior economia do mundo. Se o coronavírus for de fato uma “arma biológica” usada para barrar o crescimento econômico chinês, de algum modo foi alcançado. Isto porque, as previsões apontam que o crescimento para o ano de 2020 cairá 4 pontos percentuais, estabilizando-se no patamar de 5,6%, que ainda é alto, comparando com as de mais economias. Mas o tiro pode sair pela culatra, porque, todos os países sofrerão as consequências, como é o caso do setor automobilístico, que importa peças da China, em geral já sofre uma queda de produção de 20%.
            Consequentemente, com a ampliação da crise, o capital e os capitalistas tornam-se mais violentos e precisam de algum modo compensar as perdas. Tais perdas serão compensadas em lugares em que as circunstâncias mostram menores resistências. Nesse conjunto de alvos, o Brasil está na linha de frente. Aqui, as perdas serão recuperadas, com a colaboração governamental, pelo sequestro das riquezas naturais e com as reformas que reduzirão o aceso aos serviços públicos e aos direitos fundamentais.
            Nesse sentido, aquilo que aparentemente se expressa como “bravata” de um presidente sem controle sobre si mesmo, na medida em que as condições econômicas se desgastam, de o recurso do uso de golpes de Estado e a  radicalização na imposição de interesses externos torna-se cada vez mais real. Os capitalistas não possuem compromisso com a democracia e com a legalidade. Tal qual ocorria com o soberano na Idade Moderna, ela é capaz de anular as leis para fazer valer os seus interesses e, os poderes republicanos são respeitados quando lhes é conveniente. Para retroceder ao totalitarismo basta que a sociedade não se manifeste.
            No caso brasileiro, diferentemente de outros países que as forças armadas precisam fazer um movimento e depor as autoridades, aqui elas já estão no governo, para emendar um golpe, basta substituir o ponto pela vírgula e seguir a frase.
            Todas as contradições econômicas, sociais e políticas em outros tempo foram enfrentadas com grandes mobilizações. O governo brasileiro, apesar de sua posição antagônica aprendeu com a derrota do imperialismo e seus aliados na Venezuela que, para garantir o poder, é preciso ter o controle sobre a forças armadas e parte da população mobilizada. Os ensaios estão sendo feitos, se houver necessidade haverá também a apresentação.
Sabemos que, para cada ação há uma reação, tal qual ocorre com o vírus que depois de solto pode atacar os próprios criadores, é importante enfrentar as adversidades com consciência e mobilização. Nessa disputa de interesses, vence quem tiver a melhor estratégia, a melhor organização com maior número de gente organizada; espírito de resistência, consciência e disciplina.
                                                                                                    Ademar Bogo
 

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