domingo, 15 de março de 2020

A CRISE DO CAPITAL E SUA SUPERAÇÃO

Todas as explicações apresentadas pelos analistas e governantes sobre os dilemas atuais, caracterizam, na maioria das vezes como a existência de uma “crise econômica”, na verdade trata-se de uma “crise do capital”. Qual é a diferença? Enquanto a primeira poderia ser revertida com alguns acertos entre o movimento da produção, circulação, troca e consumo, a segunda, devido ao excesso de capital especulativo, impede que os instrumentos criados para facilitar as intervenções do Estado, por meio das políticas dos Bancos Centrais que, até certo ponto administravam as crises, tornaram-se insuficiente para pôr em ordem a desordem criada por esse tipo de capital. Delineando mais especificamente os dois tipos de crise, enquanto a econômica acontece por causa da superprodução ou do subconsumo, a crise do capital acontece pela superacumulação.
De imediato podemos perceber a gravidade do momento histórico em que vivemos. Para solucionar a crise econômica, bastaria aplicar as receitas já experimentadas no passado, que giraram em torno de investimentos; abertura de novos mercados; facilitação de créditos e até mesmo a guerra como forma de destruir mercadorias. Por outro lado, essas medidas não se encaixam para resolver a crise do capital, isto porque, a sobreacumulação financeira precisa continuar crescendo por meio da especulação e, esse movimento que comanda as dívidas públicas, impede que os Estados atuem ao mesmo tempo em que o mercado do “capital fictício” aplicado nas bolsas e outras formas de juro, visando a capitalização por meio da renda do sobrevalor, já não se sustenta.
Os dados nos mostram cotidianamente que o capital produtivo já não consegue acompanhar a capitalização alcançada pelo sobrevalor especulativo, pois, enquanto o primeiro representa aproximadamente, somando a Produto Interno Bruto – PIB - de todos os países $ 70 trilhões de dólares, o outro capital, o fictício, que circula sem ter base material de sustentação, reproduzindo-se pela especulação, já alcança a cifra de $ 700 trilhões de dólares. Temos então no mundo, 10 vezes mais dinheiro do que mercadorias. Este capital circulante é o responsável pela crise mundial que segue as suas próprias leis, tornando-se assim, incontrolável.
Karl Marx já havia percebido no seu tempo, por volta de 1870, que o sistema de crédito e os instrumentos que gera para si mesmo (dinheiro, crédito, etc.) está fora de nosso alcance. Se esse sistema já era intocável naquela época, o que dizer de hoje que as transações são feitas por supercomputadores que agilizam os deslocamentos das aplicações em frações de segundo.
Esse funcionamento acelerado da especulação financeira ganhou ainda mais importância com a implementação da “globalização”, raramente percebida. Nos acostumamos a ver a globalização pelos seus aspectos concretos, no entanto, quem de fato se impõem e provoca as crises contemporâneas, é esse “forma abstrata” de capital que  interage para além das fronteiras, com a mesma naturalidade de quem vai ao caixa eletrônico sacar dinheiro e encontra ali apenas uma máquina disponível, livre para fazer qualquer operação, sem ter sequer por perto nenhum funcionário.
Na medida emque, com a facilitação do sistema globalizado, a partir de 1970, o capital produtivo pôde se estabelecer em todas as partes do mundo, confirmando a natureza cosmopolita da burguesia, as próprias empresas capitalistas, ao obterem seus lucros, devido à saturação dos mercados e o endividamento dos consumidores, passaram a investir o excedente de capital na especulação, e ficaram subordinados a ela. Sobressai, portanto, sobre o sistema produtivo, a lógica especulativa que atua nos mercados mundiais, acelerando a concorrência para assegurar os ganhos na produção e também na especulação. Nesse sentido, é de fácil constatação os motivos do uso da política para punir, boicotar, taxar os resultados do capital produtivo fortalecendo a concorrência entre as superpotências; enquanto em outro plano circula a especulação, aumentando a dívida dos governos, esvazia as reservas financeiras e obriga pôr em circulação bens públicos e riquezas naturais, para que os capitais abocanhem o alimento e permita a reprodução.
Nessas disputas são utilizados todos os instrumentos que atuam em pontos direcionados, com sanções econômicas e políticas, referendadas pelas formulações jurídicas, ou por meio de ameaças e intervenções militares ou mesmo com artefatos biológicos criando epidemias que visam enfraquecer setores competitivos.
De outro lado, entendemos que o capitalismo, com a globalização, que inicialmente foi um respiro para as crises a partir de 1970, devido a superacumulação de capital, há pelo menos quatro décadas, entrou na fase destrutiva de si mesmo. Do lado do capital produtivo, não há como crescer mais a taxas elevadas, isto porque, o poder de consumo da humanidade também atinge os seus limites, resta a salvação da especulação, mas essa, pela própria composição não tem sustentação e é obrigada a forjar as próprias instabilidades como forma de sobrevivência.
Por essa razão é que ficam mais evidentes as transformações políticas. Não é por acidente, nem por “má administração” das esquerdas que as forças de extrema direita, em muitos países, principalmente naqueles em que ainda há o que expropriar, tomaram os governos. O capital em crise exige que os governo atuem a seu favor, em detrimento dos direitos da população e, se necessário, que hajam com violência, combatendo todo e qualquer tipo de ameaça.
O alerta da História é de que as soluções, como sempre foram, estão na capacidade política e organizativa das forças sociais. Mas a política voltada para as meras mudanças conjunturais, esgota-se nos pleitos eleitorais e nada transforma, o resultado são os retrocessos posteriores. A verdadeira política segue as transformações estruturais. O capital especulativo é a grande força de dominação mundial, mas é invisível, não há como combatê-lo corpo a corpo. Para enfrentá-lo deve-se cortar o alimento que o mantém vivo. Portanto, um projeto de poder, não se confunde com as disputas para chegar ao governo; deve primar pelo ataque à acumulação e reprodução do capital. Estando em crise, ele, naturalmente ficará cada vez mais violento, mas também deixará à mostra as suas fragilidades. É preciso estar atentos para atacá-las.
                                                                                   Ademar Bogo

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