domingo, 5 de maio de 2019

ENFRENTAR A DEMÊNCIA GOVERNAMENTAL



            Desde que Pitágoras, quando foi qualificado como “sábio”, e prontamente corrigiu a atribuição: “sábio não, amante do conhecimento” é que a Filosofia passou a fazer parte da vida e da morte da humanidade.
            É verdade que o “amor ao conhecimento” não se prende apenas à Filosofia. Qualquer forma de conhecimento exige dedicação, empenho, gosto e persistência para que se realize. No entanto, sem a Filosofia, não apenas os motivos do conhecimento fica comprometido como também os sentidos que nos levam a cultivá-los.
            Conhecer é desvendar aquilo que a aparência esconde. Queremos a essência, por isso buscamos sem cessar, por meio de cálculos matemáticos, pesquisas comprovadoras de hipóteses que, com a experimentação consolidam a revelação do até então desconhecido. Sabe para onde nos conduzem as ideias, por que pensamos e acreditamos em certas verdades e não em outras, é fundamental.
            Visto dessa maneira, o “amor ao conhecimento” não compete apenas aos filósofos, mas a todos aqueles que buscam responsavelmente melhorar o mundo. No entanto, sem a filosofia, a ciência perde o juízo; a tecnologia perde o respeito e a política, a humanização.
            Desde a antiguidade a humanidade aprendeu a conviver com duas correntes filosóficas denominadas de idealismo e materialismo e, até os nossos dias, mesmo sem perceber, pensamos e agimos baseados nesses fundamentos. De tempos em tempos essas duas formas de pensar e ver a realidade, mudam de nome, como por exemplo, o realismo de Aristóteles frente o idealismo de Platão. Na modernidade, o “empirismo” de Francis Bacon, frente o “inatismo” de Renné Descartes. Na contemporaneidade o obscurantismo totalitário, contra o marxismo, o que simploriamente na política cotidiana se denomina de direita e esquerda. Vejamos concretamente como essas formas de conhecer se diferenciam.
            Para os pensadores da direita atrasada, ou extrema direita, a sociedade existe, no entanto o funcionamento da mesma é vista de maneira natural como se a evolução se desse somente pela manutenção da ordem estabelecida. Para eles, a parte dinâmica da sociedade é aquela que traz resultados práticos, como o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a arrecadação de impostos. No mais tudo continua estático, seja na lógica da organização da produção econômica, seja na administração das instituições do Estado.
            Para essa visão, os problemas sociais e as catástrofes naturais, não se relacionam entre si, cada qual tem a sua causa e devem ser tratados isoladamente desvinculados do processo histórico. Logo, usam do mesmo raciocínio para explicar uma epidemia de dengue e o problema da violência, “cada caso é um caso”. No final, as vítimas se transformam em números e as medidas tomadas momentaneamente servem para naturalizar os próximos acontecimentos. Nesse sentido, a pessoa humana tem pouca importância para essa visão; valem as estruturas de poder e os resultados alcançados pelas medidas tomadas isoladamente.
            Vendo a sociedade pelas estruturas econômicas que funcionam naturalmente pelas leis tendenciais do capitalismo e as estruturas políticas e jurídicas que cuidam da administração e da coação da parte “perigosa” da sociedade, no caso brasileiro: os pobres, os negros, os gays, os índios, os trabalhadores sem-terra e outros, para os conservadores não há necessidade do conhecimento, basta um indivíduo que mande, um juiz que formule leis para que o parlamento aprove e, as forças de repressão preparadas para manter a ordem, tendo como reforço as milícias particulares e parte da população interessada em consumir armas no mercado ilusório da segurança. Daí cortar 30% do orçamento das universidades é tão tranquilo para eles, como passar um risco de caneta sobre um número.
            Chegamos então no ponto explicativo do porque a Filosofia, a Sociologia e a Antropologia, as Ciências Políticas, e a História, para essa visão conservadora, não são áreas necessárias para o conhecimento humano e, quanto a isto não há novidade alguma. Se quisermos podemos recorrer à História do colonialismo e veremos que alguns poucos privilegiados eram levados para a Europa para estudarem principalmente Direito. As primeiras faculdades criadas no Brasil foram: a Escola de Cirurgia em 1808, na Bahia, e a faculdades de Direito em 1827, em São Paulo e Olinda em Pernambuco.
Para essa visão, governar, significa reduzir os “excessos” e, nesse caso, o excesso é a quantidade de estudantes nas universidades que chega a apenas 8,5 milhões; por isso os cortes no orçamento, e a condenação de cursos de Filosofia e Sociologia, inicialmente, é a demonstração clara da quantidade mínima de indivíduos que deve ter acesso ao conhecimento universitário. O mesmo tratamento tivemos na Ditadura Militar ocorrida no Brasil de 1964-1985, quando, não apenas esses cursos foram proibidos, como também muitos professores dos mesmos foram perseguidos e exilados, livros censurados e retirados de circulação.
            A outra visão, fundamentada no materialismo compreende de forma diferente e coloca como elemento essencial da evolução a História, na os elementos estruturais e conjunturais se articulam. O “sujeito histórico” não é a estrutura econômica nem o Estado, mas o ser humano que, ao transformar a natureza ao mesmo tempo transforma a si próprio e os seus semelhantes, porque reflete e age na mesma direção.
            Para essa forma anti demência de pensar, um problema social faz parte dos problemas estruturais. Não há como solucioná-los sem que se interfira sobre o dinamismo do progresso e a ordem capitalista. Os problemas têm causas que se utilizam das consequências para se manifestarem, por isso não há separação entre as formas de produção e a preservação do ambiente, a contaminação da água e dos alimentos e as doenças físicas e mentais.
            Condenar o pensamento filosófico crítico é como dirigir à noite com os faróis apagados. O motorista, um verdadeiro estruturalista, imagina que a estrada não muda de lugar, e por isso confia no vulto para manter a direção. Nessa situação, certamente poderá seguir por alguns metros quando sairá da estrada e acidentará, não apenas a si mesmo, mas todos aqueles que vão com ele no veículo. Em se tratando de um veículo o motorista sacrificará poucas pessoas, em se tratando de um país, o governante sacrificará toda a nação.
            Não é verdade que a anulação dos cursos de Filosofia e Sociologia se deve ao “não retorno imediato ao contribuinte”, isto porque, entre os 13 milhões desempregados somando aqueles que possuem o ensino médio completo até a graduação, chega-se ao número de 31,7% dos trabalhadores que querem dar retorno ao contribuinte, mas o sistema não permite.
            Os regimes totalitários se afirmam sempre sobre dois pilares: a ignorância dos dominados e a truculência do poder. Por isso, não existe totalitarismo sem obscurantismo, são as duas pernas dos regimes que se fortalecem em períodos de profundas crises econômicas, políticas, sociais e morais.
            O movimento contrário à demência, e para manter a filosofia viva, a solução é a mobilização universitária junto com o empenho educativo de transformar os problemas sociais em problemas filosóficos, aprendendo e ensinando a perguntar e a debater: O que é segurança? O que é conhecimento? O que é democracia? O que é justiça? O que é liberdade? O que é pobreza? O que é transformação? O que é educação? O que é governar? E tantas outras questões que surpreendem as conversas sem conteúdo.
                                                                                                                        Ademar Bogo

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