domingo, 7 de abril de 2019

OS DILEMAS DO MITO


Compreende-se por mito, uma narração que afirma a criação de algo estranho feito de qualquer natureza, e que, além de si próprio, origina também certos efeitos que ganham muita força enquanto não são esclarecidos.
            São as palavras  ditas para um determinado público que formam o mito. Por isso, ele se afirma pela oralidade vinda do narrador que, com sua própria voz, cria expectativas incontroláveis no modo de pensar. No entanto, o mito só faz história enquanto se fizer temer ou admirar pelas crendices produzidas nas consciências ingênuas ou interesseiras. Para tanto, precisa que a mesma versão sobre os seus poderes seja recontada muitíssimas vezes e, se possível, sempre com acréscimos que o torne ainda mais temido ou admirado.
            Por sua vez, o mito enfrenta dois grandes dilemas para se garantir existindo: o esclarecimento da verdade e a depreciação de seu poder. O primeiro diz respeito aos avanços dos conhecimentos. O conhecimento é a força da verdade que esvazia o mito de seu conteúdo promissor ou ameaçador. O segundo problema diz à depreciação do poder do mito que não consegue praticar aquilo que a narrativa prometeu. Neste caso, as palavras vão perdendo a rigidez. A força de intimidação não encontra as ações correspondentes para alimentar a grandiosidade imaginada e, aos poucos, os atributos positivos tornam-se defeitos.
             Ao perceber que a sua força converte-se em fraqueza, mais fraca que a força dos próprios criadores e mais desmoralizada que a imagem dos oponentes difamados, o mito depara-se com a verdade e, uma profunda dúvida penetra o seu crânio esvaziado: "será que me fizeram preparado para essa função?"
            Produzido pela oralidade o mito não gosta de nada escrito, para não ter nenhum programa a seguir. Ele é então uma ideologia mentirosa. Mente para esconder a sua incapacidade de pensar e agir. Quando pensa, erra; quando age, mais destrói do que constrói.  
            Um mito no passado era mais duradouro do que um mito do presente. Na Antiga Grécia todas as coisas e seres existiam por causa das intimidades entre os deuses e as pessoas que chegavam a ter relações sexuais entre si. Agora não, os deuses foram substituídos pela figura loira do imperador e as relações não são imaginárias, mas reais. Por outro lado, internamente, a homoafetividade, a educação, o desarmamento, os radares, a aposentadoria, a urna eletrônica e, até a soberania nacional, passaram ser coisas e relações incômodas, que o mito procura desestruturar com a sua esferográfica.      
            O mito do presente também vive da própria oralidade sua e de seus ajudantes. Se muito falam pouco escrevem e, quando escrevem brigam com as palavras. Confundem “cheque” com “xeque”. Acertam quando oferecem os cheques preenchidos para pagarem a dívida pública, liberar emendas e outros pagamentos emendados. Erram quando dão ultimatos, “xeque mate” nos direitos sociais.
            O mito não sabe separar o certo do errado; usa os próprios critérios para as classificações. Acha que a ditadura militar é a nova política e, a velha política é a democracia, sendo que, na História da humanidade os impérios interventores sempre foram os mais duradouros.
            Não tendo escrita, o mito valoriza os palavrões e despreza a educação. Para ele, como as labaredas que saem das narinas do dragão, as armas de fogo educam e defendem. O professor deve pôr sobre a mesa um livro e um revólver, que é para os alunos se sentirem seguros da violência. O revólver é a “nova palmatória”, que não bate, mas intimida e, se precisar, atira para matar.
            Como o diabo que teme a água benta, o mito teme as ideias criticas, porque, com as ideias vêm as ações. As ideias formam as consciências e as ações derrubam os pedestais.Surgem então os dilemas do mito: insurgir-se ou implodir-se. Para insurgir-se, precisa produzir atos de violência e ignorância. Para implodir-se precisa admitir que de fato foi uma ilusão que nasceu para morrer rapidamente.
            Mitologia é uma invenção perigosa do passado recriada no presente. O mito sempre é uma ilusão acordada que desperta com uma promessa verbal encantadora.
            De outro lado, é preciso acreditar na força iluminada que desvenda as impossibilidades de uma mentira dar a luz a um libertador. Como disse o filósofo Nietzsche, “Ontem a Lua, ao nascer, pareceu-me que ia dar a luz a um Sol...”. Não deu, porque o Sol já havia nascido e, com a sua luz iluminou o caminho a seguir derretendo o mito feito pelas  ilusões mentirosas.
                                                                                  Ademar Bogo

           

             
           

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