sábado, 20 de abril de 2019

INSTINTOS PUNITIVOS



Freud nos disse que há três profissões difíceis: educar, curar e governar. As razões para tais dificuldades são múltiplas, dentre elas, a necessidade de estabelecer relações entre sujeitos que, dominados pelos instintos agressivos contra as pessoas, fazem com que a civilização para se preservar precise impor limites e manter as manifestações dos homens sob controle. Portanto, a inclinação para a agressão constitui em qualquer indivíduo, uma disposição instintiva original e auto-subsistente que aparece naturalmente.
 Para corroborar com a teoria freudiana, tomemos os instintos vingativos, ligados aos comportamentos individuais e sociais, relacionando-os com o mundo do Direito e da justiça, para compreendermos os instintos punitivos contra as pessoas. A primeira disposição instintiva para a agressão está relacionada ao direito do direito justo que o acusado tem. No entanto, essa forma de pensar não corresponde ao entendimento das vitimas ou de seu círculo social mais próximo, isto porque, se dependesse deles, haveria linchamento direto e não o julgamento. A segunda disposição de agressão instintiva refere-se ao condenado que, por direito, deve pagar a dívida com a sociedade na prisão e depois reintegrar-se a ela. Nessa direção, já descrevemos em outros estudos que, quem gosta do presidiário é a família, a sociedade em geral, torce para que ele permaneça na prisão nas piores condições possíveis e nunca mais saia de lá.
            Essa “pobreza psicológica” diria Freud, têm origem na formação do comportamento cultural que veio se formando desde a antiguidade, quando mal se entendia a criança “como gente” e que devia ser educada em casa com palmadas. Com o avanço da civilização, melhoraram as garantias jurídicas e, no processo educativo, alguns desses instintos foram sublimados, mas não eliminados, podem voltar a qualquer momento como instintos violentos na casa em que cada indivíduo vive. Mas, é evidente que, pela vontade de muitos pais, governantes e maus educadores, jamais largariam a vara e a palmatória.
A “pobreza psicológica” imagina que, mesmo existindo diversas leis coercitivas, pode prosseguir a violência contra a mulher, como se a relação afetiva tivesse o seu braço afetivo ligado à ignorância e à brutalidade; contra índios, negros, pobres e LGBTTI. como se fossem seres não merecedores da vida em sociedade.
A tradição da “pobreza psicológica” tem também na violência política a sua transmissão na crise sistêmica, Nero culpou os primeiros cristãos; na inquisição foram culpados os hereges; os liberais em 1848 culparam Karl Marx e os socialistas; Hitler culpou os judeus; as ditaduras nas Américas a partir da década de 1950  culparam os comunistas e, na atualidade, os novos golpistas subservientes ao império, culpam os socialistas, Paulo Freire, os professores e os petistas.
            A presença dos instintos punitivos que compõem a “pobreza psicológica” das forças de direita, faz surgir a motivação para que seja instaurado um processo judicial, mesmo sem provas. Após a condenação, convocam a força policial para que ela dê as lições merecidas por meio do uso legítimo da força. Para a parte que goza de consciência e sentimentos de solidariedade, é um martírio infindável; para a parte que goza da “pobreza psicológica”, surge uma mistura de desejo e de prazer de ver ou saber que um desafeto ou qualquer sujeito fora do circulo de relações pessoais, esteja preso ou morto.
            No momento político atual, a extrema crise do capitalismo, faz com que as atenções se voltem contra os socialistas e não contra não contra a concentração da riqueza, da exploração produtiva e do capital especulativo. Para as forças progressistas e socialistas, bastante desgastadas, pelo espírito tolerante em não fazer uso do “instinto punitivo” contra a concentração da riqueza quando estiveram no governo, a saída para a crise do capitalismo é o socialismo. No entanto, para a maioria da população, com a ajuda de parte significativa dos que votaram nas forças de esquerda nas últimas eleições é a força militar. Os dados mostram que, enquanto os militares têm 66% de aceitação, os partidos políticos possuem apenas 7% de apoio da opinião pública.
A leitura da realidade feita pelos olhos da população influenciada ou não pela mídia oficial é de que, para “acertar o Brasil” precisa usar a justiça, a polícia e a violência, dando aos que são contra, o mesmo tratamento dado aos presidiários. Foi sem dúvida nenhuma, a formação do “instinto punitivo” criado pela “pobreza psicológica” das forças de direita que, a partir de 2014, causou os dois fenômenos em vigor: o reencontro com os militares e o desencontro com as forças socialistas que, se mantém, no Brasil, com um grau significativo de admiração, devido ao carisma do ex-presidente Lula.
            Para as forças honestas e resistentes é de bom tom compreender que, a curto prazo, o “instinto punitivo” de direita  e as forças que as representam, levam vantagem e, os socialistas estão em desvantagem para implementarem o “instinto punitivo” contra a concentração da riqueza e não contra as pessoas.
            Por outro lado, a maturidade política e a consciência criativa indicam que a vantagem imediata não significa solução à vista para a crise, nem uma vitória estratégica para quem está no governo. Para que os militares no governo, eleitos pelo sentimento punitivo contra os socialistas, manterem a popularidade, precisam fazer crescer a economia, o que não será possível em prazo algum. Logo, para sustentarem-se no poder, terão que fazer uso do “instinto punitivo” contra as massas e generalizar a repressão. E, a repressão sem admiração, não perdura por muito tempo. A repressão que os admiradores das forças militares querem é essa que, as seis horas da manhã a policia Federal esteja na porta da casa de um de seus desafetos e que, imediatamente, o ato se transforme em notícia nas redes sociais.
            Sendo que as alternativas da sustentação da ordem pelo crescimento econômico é pouco provável e, pela repressão generalizada é inviável, resta para os defensores do golpismo,o fracasso. Olhando bem de perto, o capitalismo não tem mais fôlego de renovação nos parâmetros terrestres e jamais poderá gerar um novo “bem-estar social” para agradar as massas. As novas fábricas que poderão vir a ser instaladas para produzirem mercadorias, serão as fabricas de armas que não elevam a qualidade de vida de ninguém. Mesmo com a probabilidade de chegarmos em 2030 com 9 bilhões de habitantes sobre a terra, não há mais lugar para o crescimento do consumo e, sem isto, não há milagres, o processo produtivo estará submetido aos movimentos do capital especulativo. Pelo lado da repressão, também não há futuro, a população odeia os ditadores, principalmente os que não possuem carisma algum para exercerem o comando da política.
            Nesse sentido, mesmo estando temporariamente desorientadas, as forças socialistas têm o tempo a seu favor. Precisam apenas recompor a autoridade perdida e mostrar por meio da agitação e da propaganda, que o “instinto punitivo” não deve se voltar contra as pessoas, mas contra a riqueza concentrada. A única solução dos problemas sociais está na distribuição da riqueza por meio da ação que organizará um sistema que impeça de que ela venha novamente a se concentrar.
            Para isso é preciso desapaixonar-se das disputas eleitorais, mesmo que essa tática venha a ser utilizada, mas ela não possui força suficiente para inverter a ordem econômica. Isto remete a ter que pensar como reconstruir a identidade socialista, que se preocupe com a humanização e não com a truculência e a força. Recompor o programa, a moral, e desenvolver a consciência socialista, são as tarefas do momento.
 Enquanto segue o tempo de poucas vitórias, o esforço deve ser o de construir diques que esvaziem as cheias da popularidade enganadora do Estado policial, combinado com o desgaste político internacional. Façamos esse favor às forças de direita que lutam contra o fantasma do socialismo, que mesmo decaído é maior que a competência rasa daqueles que hoje governam.
            A democracia para as forças de direita é como um utensílio: serve enquanto dele se servem; em caso de risco, ela mesma é a primeira a romper com a ordem dominante como fez em 2016. Não é certo que esse instinto punitivo fechará o Congresso Nacional, mas já colocaram uma tranca na porta do poder judiciário que há tempos sustenta os pilares do Estado policial. Mas, se há poderes que se formam a favor da ordem, como este que vemos se fortalecer a cada dia; há outros que se formam contra a ordem baseados nas forças populares que escolhem o caminho da contestação propositiva. Os golpista que ora ceifam os campos, descuidados com as palhas secas que espalham sobe a terra, podem ser surpreendidos por uma fagulha acesa, como por exemplo, uma das 83 balas incandescentes disparadas contra o carro de uma família a passeio no Rio de Janeiro, e iniciar assim um incêndio incontrolável.
                                                                                                                      Ademar Bogo

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