domingo, 10 de março de 2019

PREOCUPAÇÃO DA COTIDIANIDADE



            O filósofo tcheco, Karel Kosik, descreveu que “não é o homem que tem preocupação, a preocupação é que possui o homem”. Por isso ele pode vir a se libertar dela, mas não pode eliminá-la. Em síntese, a preocupação é o mundo entrando no sujeito, porque, o indivíduo não é aquilo que ele crê, nem o que o mundo crê, mas parte de uma conexão em que desempenha um papel na cotidianidade.
            A cotidianidade representa a vivência cotidiana da existência humana. Cada qual procura viver de acordo com os padrões ditados pelas suas preocupações. É na vida de cada dia que nos expressamos, cativamos ou revoltamos aqueles que conosco convivem. O cotidiano é soberano porque é certo que vem e passará. Acima dele há o tempo que passa, marcado pelas preocupações expressas pelo conjunto das relações sociais efetuadas.
            Há dias que apenas vivemos. Há outros dias que comprometemos os próprios dias vividos. Fazemos ou dizemos coisas que infectam o ambiente social. Na antiguidade, a cotidianidade era pacata, a vida de cada um era semelhante à de qualquer outro ser. O amo e o seu escravo viviam acompanhados; o servo e o seu senhor, no pacato feudo, se viam e se reviam a todo instante. Serviam e serviam-se como se nada mais existisse. No capitalismo o dinamismo tomou conta das imaginações e, cada qual passou a existir segundo as próprias preocupações. É o egoísmo do individualismo manifestado na cotidianidade da personalidade preocupada, mas é também a relação da busca da integração, da defesa dos direitos, da organização política e da formação do ser consciente.
            É certo que ainda vivemos cotidianidades semelhantes. A repetição do dia a dia, para muitos é ainda natural. As coisas são como são e, em certas preocupações alienadas não há esperança de modificá-las. Nesse caso, a continuidade da preocupação é a norma da cotidianidade.
As decepções funcionam como desautorizações das preocupações. Ao ser aceita, a negatividade, acostuma-se com ela. No entanto, a História “deixa de correr solta” quando os fatos constantes surpreendem a ordem do dia. Há fatos criados circunstancialmente e outros criados propositalmente. O que muda entre os dois, são as preocupações: o primeiro diz respeito ao que se pode e, o segundo, ao se quer alcançar. É o grau do engajamento que classifica a preocupação de cada um em cada momento.
            De qualquer modo, tudo é História: o posto e o contraposto. Vence e fica no livro de memórias quem dos dois marcar mais. O insignificante também marca pela insignificância, mas a História, ao avaliar a sua importância, pode valorizá-lo ou não. Não valorizado, a cotidianidade registra com sua superioridade, o grau da mediocridade despreocupada que diz e desdiz sem se preocupar, mas, pela importunação, faz surgir a preocupação que atinge a coletividade.Logo, ao preocupar o coletivo o medíocre pode estar ferindo o próprio umbigo.
            Se atentarmos para as preocupações, podemos descobrir, na cotidianidade, as maluquices mal ditas com status de verdade. Como esta de que a democracia e a liberdade dependem das armas. Se assim for, o cotidiano presente, despreocupado, esqueceu-se do passado e, assim sendo, o poder já é um todo dependente de um “partido armado”.
            Esse partido, formado pela minoria, quer, na cotidianidade,. com as armas, impor a mentira à maioria. Em qualquer tempo, quando as forças armadas assumem essa posição, é porque já não protegem a nação, mas grupos privilegiados. Logo, a preocupação, não é com o corrupto, nem com o aposentado do futuro, mas com o furo no casco do navio que está sendo afundado.
Pode ser que certas mentes inferiores captem os rumores e, depois como “atos falhos” revelem, na cotidianidade, aquilo que foi dito de verdade. Daí a dúvida, se tudo aquilo que é falado e depois renegado são “atos falhos” ou recados? De qualquer modo há de se ficar preocupados, pois, um poder que, a cada fala pública conota-se a uma confusão, e precisa de uma nota para desdizer o dito, já não se pode crer sem temer.
            Uma mentira muitas vezes reeditada seria de fato uma verdade ou apenas uma mentira aceita e despreocupada? E as bobagens ditas com frequência, não teriam elas a mesma intenção de consequência para levar à acomodação das forças acordadas? Ou, quem sabe então, as bravatas e as encenações serviriam apenas para atrair as atenções para tornar a cotidianidade vazia de criatividade?   
            É incompreensível um poder manter-se por inteiro, funcionando, com uma parte de ministros verdadeiros e, com outra parte com ministros “chacoteiros” que, como alunos de um “guru” desconversam as “políticas do mal”. Outros, desta mesma parte, mergulhados no imenso lamaçal da corrupção, que já alcança as barrancas onde se abriga o clã, querem impor a sua moral.Teria o mundo vivido algo igual?
            No entanto, para não piorar é preciso pensar na cotidianidade das esquerdas. O que foi feito, o que se faz e o que não se desfaz. A questão a ser colocada para as discussões é: onde estão colocadas as nossas preocupações?
Além de tudo é importante compreender que o tempo que passa é o mesmo que liberta ou amordaça. Como as preocupações são desiguais em cada lado, ficar livre ou torna-se amordaçado, depende daquele que acerta ou erra a fraqueza da força que está do outro lado.
            Por outro lado, as preocupações individuais e coletivas podem pertencer a um tempo de dilemas já passado e superado. No tempo que reagir favorecia as forças de direita, não renderam colheitas. Tal existência já não cabe em nenhuma forma de consciência.
            É verdade que há existências vivas e existências mortas. Há preocupações corajosas e covardes. Todas elas ocupam o tempo que passa. Colocar-se acima da cotidianidade é uma forma de ver o que pode vir a ser. E o que pode vir a ser daquilo que poderemos ver?
            As preocupações podem ser centrais ou secundárias; alienadas e manipuladas que, pela repetição se incorporam aos hábitos, e já não servem mais para nada. Por isso, é preciso observar aqueles que veem no Estado a solução e pensam substituir, na cerca, uma estaca ruim por mourão mais forte. São os mesmos que correm para salvar os produtores do Norte,aqueles que sustentaram o golpe. No mais, as preocupações devem prever os futuros castigos e decifrar quando os “amigos” entregam-se como amantes dos eternos inimigos.
                                                                       Ademar Bogo

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