domingo, 15 de janeiro de 2017

O CAVALO DE NAPOLEÃO


                            
            Há diferentes sentidos para o uso da palavra mesa. “Sentar-se à mesa”, significa, reunir-se em torno dela, para reuniões ou fazer refeições. Mesmo que ela seja incômoda, quando se quer, em forma de retrato, guardar a fisionomia de todos os membros reunidos, aliás ela foi um problema para Leonardo Da Vinci quando se propôs pintar o afresco da Santa Ceia, obrigando-se a colocar os apóstolos em pé, amontoados ao lado do Mestre, que por essa razão, não pôde ficar na ponta da mesma.
            Há, na atualidade, um misto de contestação e de implicância em relação à mesa e a metodologia de ensino. Para certas correntes, inovação e boa educação é aquela em que “flui o diálogo”. Então confundem educação com atos de inovar, dando voz ao educando que é portador de saberes e, portanto, não pode somente ouvir. Nada mal. Já nos diziam os sábios estudiosos do latim que, educo é trazer para fora ou fazer sair o que está dentro. Esse aprendizado os antigos gregos experimentaram com a maiêutica de Sócrates, muito bem retratada no livro Menon de Platão. Ali aparece Sócrates buscando resultados matemáticos com um jovem escravo através de perguntas encadeadas.
            Portanto, a exigência inovadora que certos contestadores das aulas expositivas, dialogadas ou não, de costumeiro uso na tradição escolar, não é tão nova assim. E, certamente não é por maldade de nenhum abnegado professor, ter que expor conteúdos com os quais sistematiza conceitos, ordena os temas e repassa conhecimentos, extraídos de inúmeras leituras. Se os educandos detivessem em todas as disciplinas uma boa iniciação teórica, poderiam aliviar as exposições invertendo-as para diálogos de elevado grau.
            Mas este ainda parece não ser o ponto crucial. Uma aula de 50 minutos é longa para quem ouve e geralmente curta para quem expõe. Imaginando poder inovar metodologicamente e substituir o “monólogo”, o professor experimente uma exposição instrumentalizada lança mão do projetos de imagens e textos e a aula fica ainda mais cansativa. Então organiza seminários propondo que os educandos exponham através de grupos, determinados temas. Melhora? Cada grupo reclama por não ter sido ouvido, porque a apresentação de colegas “não tem profundidade. Resta ainda, dentre outras, a possibilidade de realizar a leitura de um livro ou de textos indicados. Ora, aí o tempo para ler um texto leva mais do que 50 minutos e continuamos no mesmo sistema do aprendizado.
            Sem cultuar as deficiências metodológicas temos algo mais conspirador contra o professor no mundo universitário que do ponto de vista político tentou-se denominar de “escola sem partido”. No Ensino Médio redundou na possibilidade dos educandos montarem um currículo, selecionando o que desejam estudar. Embora a escolha de cada disciplina não eleja nenhuma metodologia, parece algo de suprema inovação. O inovador não está no currículo, nem na metodologia fastidiosa contestada, mas na órbita vingativa de impor a mordaça ao professor.
            Esse descalabro em certas aulas ou conferências, em nome da “democracia participativa”, vai além de inibir a palavra do professor, acham que devem tirar-lhe também a mesa; aí sim ele será obrigado a igualar-se aos alunos. É certo que a mesa nunca foi sinônimo de sabedoria, ela mais serviu como instrumento de poder ou de apoio para descansar os livros, e cadernetas. Mas ela tem a simbologia coordenadora, seja no âmbito familiar, no consultório médico ou na sala de aula.
            Consideramos que o interesse pela eliminação da mesa, além dos motivos já citados favorece, em primeiro lugar, a contestação ao valor do saber ouvir e, em segundo lugar, a imposição, sobre o conhecimento, da espontaneidade do saber do Senso Comum.
O professor é a liderança do processo educativo. Uma liderança interessa-se por cada um dos membros de seu grupo. Se está bem. Se está evoluindo. Se tira notas boas, etc. Por isso, ele deve igualar-se em todos os sentidos aos seus liderados, menos nas responsabilidades que são unicamente sua e uma delas é superar o Senso Comum. É ir além da opinião do que cada um acha sobre certos aspectos. É função dele preparar a aula com conteúdo que vise elevar o nível de conhecimento e consciência.
            Nesse sentido, como o cavalo de Napoleão, a mesa é o instrumento do professor para fazer a guerra contra a ignorância, contra o autoritarismo e a lei da mordaça. Ela representa, na comparação com o âmbito familiar, com os joelhos da mãe, a quem a filho recorre quando precisa de acolhimento. Por isso, professor e professora, não deixe que lhe tirem a mesa, ela ainda é a simbologia da sua importância em sala de aula.
                                Ademar Bogo. Filósofo, escritor e agricultor. Membro da Academia Teixeirense de Letras.

           

Um comentário:

  1. Para que a Universidade cumpra sua função social- formar profissionais , formar professores, desenvolver pesquisas e inovações tecnológicas -deve permanentemente aprimorar a metodologia de ensino que utiliza , pois o ensino superior de qualidade visa desenvolver habilidades /práticas que tornem os educandos "experts" na área a que se dedicam.
    Muito se tem discutido acerca do caráter "autoritário " , " de cima para baixo " do ensino universitário tradicional , que privilegia o papel do professor como detentor absoluto dos conhecimentos e que exige dos alunos silencio respeitoso frente ao saber do Mestre. Observa-se que a crítica ao método tradicional é mais pronunciada nas áreas de ciências humanas ,mais discursivas , do que naquelas em que a formação profissional transita pela capacitação técnica
    Mas em qualquer área acadêmica , cabe ao professor conduzir o processo educativo , é ele que apresenta a sistematização do saber acumulado ,que delimita o âmbito de validade das verdades/evidências de cada área , distinguindo tal saber do senso comum .
    Ocorre que o estudar exige uma atitude ativa do sujeito que estuda , que precisa estar motivado com o processo para que desenvolva a disciplina mental e física que lhe permita tanto absorver os conceitos que balizam a área em estudo, quanto ter paciência para ficar horas " em cima dos livros".Por mais dedicado que seja o professor ele não ensina a totalidade do saber , assim , sejam as aulas expositivas ou dialogadas , cabe ao mestre ensinar aos discípulos onde buscar novos conhecimentos . Indicar as fontes já está de bom tamanho.
    Karin Taborda - médica , lutadora do povo

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