quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

A TRANSIÇÃO SOCIALISTA




            Fala-se das diversas crises das esquerdas causadas pelo vazio programático, desvio político e incapacidade organizativa; no entanto, essas são apenas expressões de causas ainda mais profundas, que se originam no passado, mas se alimentam das mesmas indecisões no tempo presente.
            Na tradição marxista, o socialismo é visto como um processo de transição para o comunismo, que não se dá automaticamente. É necessário construir sobre as próprias contradições capitalistas, com atitudes revolucionárias, a revolução que estabelece a ruptura da ordem burguesa e implanta a ordem proletária e popular, tal qual o fizera a burguesia contra a ordem feudal até colocar abaixo o poder dos reis e se afirmar como classe dominante.
            Se assim entendemos a transição, veremos que ela não é um momento, mas um movimento permanente para a frente, no qual as contradições se chocam e superam as circunstâncias velhas, pondo em seu lugar, circunstâncias novas, sobre as quais, as atitudes revolucionárias, como as sementes de boa qualidade, se multiplicam.
            O que vimos nas últimas décadas no Brasil, não foi a falta de esforço empreendido pelas lutas populares, sindicais e partidárias para alcançar melhores condições de vida e garantir a ordem democrática, mas a falta do objetivo para a construção da transição socialista. Sendo assim, não tendo em mente a superação do modo de produção capitalista, as conquistas econômicas e sociais levaram as diversas forças para a defensiva e a terem que sempre começar de novo, como se a história funcionasse em ciclos sempre mais regressivos; ou seja, primeiro se lutou para conquistar alguns direitos, agora, para não perdê-los.
            Esse movimento retroativo reproduz uma dívida cada vez maior com o presente, porque ocupa cada vez mais as forças populares e políticas para a defesa dos limites, tirando-lhes as forças de impor uma nova agenda que recalque a classe dominante e possibilite colocar na ordem do dia de elementos que sirvam para avaliar se estamos avançando com a transição socialista ou retrocedendo para dentro da ordem capitalista.
            O que vemos então na atualidade? Se antes a luta era para ganhar o governo da República, agora é para não perdê-lo, não porque se avançará com a transição, mas simplesmente para validar o sentimento de que, com outra conformação de forças ficará pior. No entanto, não vemos a preocupação com a defesa da ideia de que, se queremos o melhor, precisamos superar as causas que produzem o pior e não alimentá-las.
 Houve épocas em que se defendia que ganhar a presidência da república não bastava, precisava também ter a maioria no Congresso Nacional. Com a junção dos aliados chegou-se a isso e não se fez nenhuma reforma estrutural, do ponto de vista partidário desconsiderou-se o objetivo da transição socialista, porque, com a manutenção do projeto capitalista, regredimos ao período auspicioso do neoliberalismo.
            O que então deve ser colocado na ordem do dia? Não é se faremos lutas reinvindicatórias como saídas táticas; essas devem ser o pão de cada dia da revolução. O fundamental é saber se elas produzem efeitos que fortalecem a transição socialista colocada, antes de tudo, como objetivo principal. Caso contrário, mesmo sendo operadas pelos trabalhadores, as ofensivas passam a ter a mesma natureza burguesa.
            As forças revolucionárias são como as sementes, se não forem replantadas permanentemente, não se multiplicam ou se degeneram. O terreno para este cultivo é o da transição socialista; em outros terrenos elas nascem e crescem, mas em poucas safras perdem a originalidade e ganham características contrarrevolucionárias.
Ademar Bogo, filósofo e escritor.

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