Duas
famílias se revezavam no poder de Florença na Itália na entrada do século XVI:
os Soderini e os Médici. Maquiavel era um fiel servidor de Piero di Tommazo
Soderini, até 1512, quando foi derrubado do poder. Dali em diante passou a ser
considerado um traidor, o que ele jurava não ser. Após ser preso e torturado, recolheu-se
em um sítio próximo à cidade e lá montou a sua estratégia de cativar o “príncipe”.
Está
na dedicatória do livro O príncipe, de Nicolau Maquiavel, enviado ao
Magnifico Lorenzo de Médici, ao qual pretendia agradar para, além de deixar de
ser perseguido, voltar a ocupar algum cargo no governo de Florença na Itália. “Os
que desejam obter o favor de um príncipe costumam, por via de regra, presenteá-lo
com aquilo que mais caro lhes é ou julgam mais agradar a ele. Daí vermos amiúde
serem os príncipes brindados com cavalos, armas, lhamas de ouro, pedras
preciosas e outras dádivas semelhantes, dignas de sua grandeza”.[1] Mais adiante dirá ele que havia
optado por dar provas de sua submissão, doando “o conhecimento das ações dos
grandes homens”. Essa geralmente tem sido a tradição dos povos moralmente
fracos trocar a própria liberdade por algum benefício.
Estamos
vivendo a iminência de sermos atacados pelos Estados Unidos de diferentes
formas. As primeiras investidas, para encurtar a história, vieram como o golpe
institucional desferido contra a presidente Dilma em 2016; depois todas as
falcatruas jurídicas da Lava Jato; a eleição planejada de Bolsonaro e a tentativa
de permanecer no poder, com o quebra-quebra no dia 8 de janeiro de 2023. De lá
para cá, os Estados Unidos em franca desvantagem econômica com a China, vem
intensificando as ameaças de controle da América Latina e do Caribe.
As
elevadas taxas impostas ao Brasil sobre alguns produtos de exportação de menor
interesse do governo imperial, e a maneira como o nosso governo respondeu, pareceu
uma atitude coerente com quem luta para manter a ideologia da soberania em
evidência. Por que dizemos que a manutenção da soberania é apenas ideológica e
falsamente defendida? Basta observarmos simplificadamente, que encontraremos
mais de 4 mil empresas norte-americanas atuando no Brasil; elas representam 34%
dos investimentos externos. Logo, de nada adianta falar grosso sobre as tarifas
de 50% dos produtos importados, quando temos um protecionismo, estabelecido
pela Lei Kandir, de 01 de novembro de 1996, que isenta da cobrança de tributo do
ICMS, os produtos e serviços exportados pelas empresas que funcionam em nosso
território. Nesse sentido, com essa quantidade de empresas, o serviço de
inteligência capaz de grampear os telefones, como fizera com a presidente Dilma
no passado, a tese de que “o presidente Trump está mal-informado” é no mínimo
ingênua.
Por
outro lado, está evidente que, a disputa entre China e Estados Unidos sobre o
controle mundial do comércio e produção da riqueza, promove diferentes reações
com métodos diferentes. Os chineses agem de forma diplomática e cooperativa, os
norte-americanos com ameaças e violência. O cerco em formação contra a
Venezuela e a Colômbia pelo Mar do Caribe, é a prova cabal de que, os
interesses econômicos, principalmente no controle do petróleo, estão na base
dessa reação.
No
caso brasileiro, a aparente centralidade no problema político e não no econômico,
se deve à diferente estratégia de enfrentamento montada pelos Estados Unidos.
Em primeiro lugar, porque, até aqui, nos duzentos anos de relações
diplomáticas, nunca foi preciso disparar nenhum tiro para que os interesses
ianques fossem satisfeitos. O petróleo cuja exploração iniciou com o lema de
ser “nosso”, com a política de leilão dos blocos, as empresas estrangeiras disfarçam
a participação por meio da formação de consórcios. Tudo feito dentro da lei sem
provocar conflitos. Em segundo lugar, é o potencial que ainda temos em minérios
que podem interessar também aos outros países. Na medida que o Brasil passou a
compor os BRICs, feriu os interesses do império e, por isso, a reação. Logo, os
Estados unidos de olho no futuro, querem o nosso presente de presente.
Nesse
sentido, de algum modo, vale muito a defesa soberania política, porém, na
medida que a soberania econômica deixa de existir, o país sofrerá um
assemelhado “derrame cerebral”, cujas consequências se resume em poder apenas
mover os membros do lado direito do corpo, os do lado esquerdo ficarão
paralisados.
Por
isso, acendem as luzes amarelas, quando começa ter um certo ufanismo com as
reuniões de entendimento nas conversas entre os dois governos, isto porque, a
relação desde o início não é de igualdade. Os Estados Unidos partem de uma
vantagem ofensiva que é a imposição da tarifa de exportação de 50%, é o que
popularmente se chama de “faca no pescoço”. Diante disso, lembremos do alerta
maquiavélico. Se vamos para a conversa para “obter favores”, então levaremos
aquilo que nos é mais importante: o petróleo, o lítio, o nióbio, o cobalto, o grafite,
as terras raras e outros minérios necessários para fazer a economia
norte-americana se recuperar; ou levamos conhecimentos, para dizer que está na
hora do Brasil ser respeitado, e que, a nossa autoestima superou a síndrome de sermos
eternos “vira-latas”, serviçais e submissos aos caprichos do império.
É
hora da reação em bloco e de darmos o segundo grito de independência, em continuação
das primeiras conquistas latino-americanas do século XIX, que, entre 1804 a
1830 os colonizadores europeus foram escorraçados de nosso continente. José
Martí, Simon Bolívar, José Carlos Mariátegui e Carlos Marighella, têm muito a nos dizer, se quisermos mandar o príncipe
para o inferno com todas as suas imposições.
Ademar
Bogo
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