Embora
a Inglaterra tenha na modernidade produzido grandes filósofos como Thomas
Hobbes (1588-1679), ferrenho defensor do absolutismo, no qual reina o poder do
soberano, foi o país que por primeiro implantou a monarquia parlamentarista,
consolidada em 1688, com a Revolução Gloriosa e assim vigora até os nossos
dias.
Não
se trata aqui de defender aquela forma de governo esclerosada, importa é
fazermos uma breve reflexão sobre a ideologia da democracia representativa, a
qual, superficialmente, combina irmanação dos três poderes, que constituem a
representação da ordem no mundo civilizado.
Hobbes
produziu uma ideia no livro: Diálogo entre um filósofo e um jurista, que
nos ajuda entender como funciona a mente dos legisladores. “O senhor gostaria
que os homens alegassem mutuamente como lei sua razão particular? Entre os
homens não existe uma razão universal sobre a qual há acordo dentro da nação,
além daquele que tem o poder soberano”.[1]Isso
é tudo. Quem pode usar a razão para fazer leis ou revogá-las, é somente o
soberano, os demais cidadãos usam a razão apenas para usufruírem o que está ao
alcance de suas mãos.
Se
entre os homens somente o soberano tem razão universal, significa que por tê-la,
está acima dos homens comuns e, por isso, mesmo sendo pego pela lei por ele
elaborada, estará blindado. Assemelha-se esse fenômeno ao da invenção da bomba
de gás lacrimogênio, pelos Norte americanos Ben Corson e Roger Stoughton,
em 1928,para maltratar as multidões, enquanto
para aquele que a lança por estar usando
a proteção da máscara antigás, nada acontece.
No
Brasil, estamos caminhando para o absolutismo do parlamento. Leis incômodas são substituídas pelos Projetos de
Emenda Constitucional – PEC, enquanto a sociedade assiste o desmonte de sua
Constituição. A mais recente invenção é
a PEC da “blindagem”. Em síntese é uma lei que impede a abertura de qualquer
processo contra um parlamentar, salvo se o próprio Congresso autorizar. Na
verdade, como eleitores já sabíamos que, sempre após eleito, o político cria a
sua própria autonomia, porém, não sabíamos que o voto tem o poder de elevar os
eleitos acima das próprias leis que eles elaboram.
Se
a moda pegar, o sacerdote e o pastor farão as suas leis para não serem pegos na
pedofilia; o artista precaver-se-á legalmente para quando beijar tecnicamente, não
passar ser visto o ato como um assédio; o fazendeiro, antes de pulverizar o
agrotóxico, prevenir-se-á com uma lei de não contaminação; o juiz quando vender
sentenças; o jogador de futebol envolvido em falcatruas nas loterias, todos
formularão as suas garantias.
Os
escândalos entram para a normalidade porque a barbárie já se normalizou. O
banditismo político tornou-se incontrolável. A eticidade, segundo o filósofo
Hegel, que deveria estar acima do
direito e da moral, para garantir que a liberdade individual esteja submetida
ao dever e a vontade social, não está mais. Vemos mesmo é o seu contrário. O
indivíduo acostumado com o crime, impõem aos cidadãos de bem, as suas projeções
legais. Assim funciona o mundo paralelo: o gangster, chefe do crime organizado,
elabora as normas que lhes servem de poder pessoal.
Ainda
não vimos tudo. Esses setores marginais, com vinculação orgânica nas religiões,
facções organizadas, parlamento, grande parte das forças policiais, capital
especulativo, setores produtivos, como o agronegócio, as mineradoras etc., já
se tornaram centros de articulação política. O crime não teme a lei. Esta
última se vê como um cão acorrentado sendo caçado pela onça. Quando algumas
lições podem ser dadas, o Congresso anistia, reduz as penas e tudo segue sendo
a encenação dos facínoras fascinados, que acham terem mais razão do que os
demais seres racionais.
O
capitalismo decadente revela as suas contradições em todas as dimensões. O
Estado e o Direito, vistos na teoria como pilares da manutenção da liberdade, garantidores
aos cidadãos do direito de ir e vir, tornaram-se reféns de grupos de
malfeitores, que se protegem de todas as maneiras, para não serem surpreendidos
em sua travessuras.
Mais
problemático do que a blindagem é a conivência e, pior que esta é a imobilidade
diante da barbárie política. O poeta Paulo Leminski, em seu poema “Bem no fundo”,
interpretou o desejo universal à inanição: “No fundo, no fundo, bem lá no
fundo, a gente gostaria de ver nossos problemas resolvidos por decreto”. Se
veremos solução, é para os problemas deles.
Portanto,
não basta lamentar-se, é preciso proibir de enganar-se que das urnas poderão
nascer parlamentares mais descentes. A política será moralizada quando o
parlamentar, antes de votar qualquer decreto, precisar consultar e ser
autorizado a opinar, pelos eleitores que lhe deram o mandato.
A
luta continua.
Ademar
Bogo
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