domingo, 17 de agosto de 2025

A AURA DO MITO DECADENTE

 

O filósofo Walter Benjamin ao escrever sobre A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica, encontrou um jeito de destacar o tema da “Destruição da aura”, e fez o seguinte destaque: “No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo que seu modo de existência. O modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente.”[1] Ou seja, há períodos históricos em que as percepções se equiparam ao modo de se comportar e existir das populações. Para ilustrar melhor, na sequência, além de definir o que é a “aura”, sendo ela uma figura espacial e temporal que absorvemos ao tentar alcançá-la como se fosse algo distante, posta no topo do horizonte, mas que, quanto mais ela se aproxima, mais perde o vigor, até que vem a perder o encanto.

            É um pouco cedo para afirmarmos se a aura do mito Bolsonaro, já está próximo do entendimento da decepção e se extraordinário já quase se esvaiu ou ainda não. Mas, um mito que pede clemência, anistia e foge da sustentação da própria responsabilidade de assumir que queria continuar sendo o “imbrochável”; desafiador do Coronavírus pela imunidade sem vacina; provocador dos juízes do Supremo Tribunal, achincalhando-os em praça pública com palavrões que ninguém ousa expressar contra um juiz e, de exibir-se em motociatas como um jovem contestador do totalitarismo cultural, em busca de escudar o vento com a própria face etc., teria ainda alguma luz a oferecer?

            A última tentativa de sobrevivência do mito foi colocar a sua aura na cabeça do presidente dos Estados Unidos. Aquele, como símbolo do anjo vingador, ofereceu, de imediato, contra a nossa economia, uma tarifa impraticável de 50% sobre os produtos exportados para o reino da morte, se não fosse retirada  a tornozeleira da canela esquerda do famigerado. Depois atacou o próprio ministro com a Lei Magnitsyky, impondo-lhe a proibição de entrar naquele país especializado em deportar imigrantes. Pouco se perde em não poder ir a um lugar governado por uma besta defensora da a matança de palestinos em Gaza, como se lá fosse uma antiga arena, na qual os leões devoravam os cristãos, para divertirem da comitiva do imperador.

            Os “bolsonaros” já foram associados com bananas pequenas e, agora podres. No entanto, há sempre que ter cuidado, porque, simbolicamente quando alguém deseja derrubar outro alguém, a armadilha é feita com cascas dessa fruta escorregadia. Na verdade, a intromissão Trumpista nos assuntos judiciais brasileiros não passa de um blefe enjambrado pelas próprias bananas. Ou seja, não seriam elas capazes de fazerem uma potência como ainda é o imperialismo, gastar as suas energias para livrar da cadeia um reles serviçal, atrapalhando o fluxo centenário de relações comerciais entre os dois países. Eles, aproveitando-se do momento conseguiram colocar esse entulho no meio da artilharia trumpista. Para quem não conseguiu entrar no passado na cerimônia de posse daquele presidente, é sem dúvida uma grande conquista: colocar um punhado de fezes no meio do chumbo e da pólvora dos canhões.

            O certo é que, se o mês de setembro próximo, quando o mito for levado a julgamento, ou mesmo que venha a ser solto, as implicações tarifárias não serão revogadas.  O problema brasileiro atende por nome de Brics. A associação do Brasil com a Rússia, a Índia e a China, despertaram a fúria dos capitalistas de diversas corporações dos Estados Unidos. Essa reunião dos países, além de representar 28,9% da economia mundial, contra os 25% dos Estados Unidos, abriga 48,9% da população do mundo, que irá utilizar tecnologia independente das Big Techs Norte americanas, consumir produtos diferenciados, partilhar investimentos econômicos, financiados por um Banco próprio e, negociar com outra moeda que não é o dólar. Para além disso, ainda há as reservas minerais e de petróleo que farão toda a diferença no âmbito das disputas mundiais do futuro.

            A tentativa de Trump de se colocar como mediador no acordo de Paz entre a Rússia e a Ucrânia é para assegurar algum direito de exploração dos minérios ucranianos, antes que tudo fique sob o domínio russo. Logo, não há bondade nenhuma nessa negociação. Há medo. É uma tentativa do imperialismo segurar-se no próprio cós da cintura das próprias calças para não cair.

            Por todos os elementos postos em jogo, devemos acreditar que as associações das auras bolsonaristas e trumpistas, aproximam-se como dois indivíduos afogando-se indo em direção um ao outro para o último abraço. As circunstâncias apontam para a direção de mudanças na colocação das forças no tabuleiro mundial. No Brasil, embora com fraca animação, a condenação dos golpistas das forças armadas, simboliza que os militares podem ser enquadrados e enfrentados e, a busca de novos mercados indica que é possível sobreviver sem a submissão ao império dos Estados Unidos.

            O ponto vulnerável está do nosso lado. As forças populares e de classe ainda não reacenderam a aura oposta, para colocarem no alto do horizonte a estrela socialista e almejar alcançá-la, marchando naquela direção. É preciso acreditar e convocar para que a rebeldia acompanhe a onda criada pelas contradições entre as potências. É no impulso delas que conseguiremos saltar mais longe em busca de uma melhor colocação lá adiante. Com certeza, venceremos!  

                                                                       Ademar Bogo



[1] BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. O texto aqui publicado é inédito no Brasil. O ensaio traduzido em português por José Lino Grünnewald e publicado em A ideia do cinema (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1696) e na coleção. Os pensadores, da Abril Cultural, é a segunda versão alemã, que Benjamin começou a escrever em 1936 e só foi publicada em 1955. file:///C:/Users/adema/Downloads/BENJAM-1%20(1).PDF

domingo, 10 de agosto de 2025

A ONDA É VERMELHA

 

            Karl Marx, iniciou os seus estudos sobre economia política ainda na Alemanha em 1842 quando, como redator da Gazeta Renana, deparou-se com uma situação embaraçosa voltada para “os direitos materiais”, quando a Assembleia Legislativa da Renânia, empenhou-se em aprovar uma lei sobre o “roubo de lenha”, efetuado por camponeses carentes que precisam entrar nos bosques privados para catarem o material e abastecerem as suas cozinhas. Portanto, do ponto de vista teórico, nesse momento, principiou-se a elaboração da crítica da economia política materialista, da apropriação dos bens da natureza para uso privado; no entanto, tudo feito dentro da lei com aprovação do Estado.

            O conceito de “economia política” já vinha sendo utilizado havia muito tempo. No ano de 1615, antes mesmo de todas as revoluções e guerras ocorridas no capitalismo, o francês Antoine de Montchrestien, escreveu o livro: Tratado de economia política; posteriormente outros autores como, Adam Smith, Stuart Mill e David Ricardo, utilizaram os termos com muito mais profundidade; mas é com Marx que a visão crítica pôde se insurgir e revelar as profundas imbricações que existe entre as duas áreas da política e da economia.

            Marx, após revelar o seu despreparo para enfrentar aquela discussão, buscou preparar-se buscando nos Princípios da filosofia do Direito de Hegel as explicações mais contundentes. “Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado: as relações jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito humano; essas relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições materiais...”.[1] Evidentemente as “condições materiais” estão relacionadas com a economia que emergem da propriedade privada.

            A importância atual de compreendermos esse emaranhado de articulações e inversões, de ora a economia pretender ser totalmente privada, ora, o Estado ter de agir para não deixá-la sucumbir ou, ainda, as autoridades superiores precisam intervir e impor taxações ou assegurarem subsídios para que os negócios continuem sendo lucrativos e os empregos sejam mantidos.

            Na atualidade o governo dos Estados Unidos da América retém as atenções universais. Muitas respostas já foram dadas para pergunta, por que isso está acontecendo? Mas duas palavras apenas são suficientes para definirem a situação: falência e decadência. Em outras palavras, isso quer dizer que esse país se tornou tecnicamente incapaz de administrar vantajosamente a sua economia e, precisa impor por meio de leis, um pedido de socorro das outras economias mundiais.

            Em situações comuns, quando isso ocorre, costumam fazer um balanço para localizarem onde estão as causas dessa decadência. No caso de um país imperialista é mais complicado, porque, muitas podem ser as causas, mas, algumas delas despontam para a justificação do estado desesperador com que o governo de lá se obrigue a criar inimizade com todos os demais países do mundo.

            O entendimento primeiro é que o imperialismo não é uma definição de um modelo estático de poder. Ele é dinâmico e, figuradamente se fôssemos compará-lo com um corpo, é aparelhado com muitos braços que, nesse caso, não são membros, direito e esquerdo, mas econômico, político, militar, jurídico, tecnológico, ideológico etc. Desde a Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos buscaram na força de trabalho mundial a base de sua sustentação; seja na exploração das riquezas locais, na exportação de tecnologia e bens de consumo ou da especulação financeira, comprando títulos das dívidas públicas ou forçando o pedido de empréstimo, cobrando altas taxas de juros. O controle dos negócios mundiais efetuados por meio do dólar que, além de dinheiro tornou-se também uma mercadoria e, todos os países foram obrigados a formarem as suas reservas com essa referência.

            As bases econômicas criadas pela expansão das corporações, deslocando seu potencial de produção e exploração para os países que oferecem matéria prima e força-de-trabalho de baixo custo, enfraqueceram a indústria Norte americana, mas nunca deixaram de ser acompanhadas e protegidas, por mais de oitocentas bases militares espalhadas pelo mundo. Em casos específicos, o Estado dos estados Unidos, ocupou-se em fazer guerras, sustentadas pela emissão de dólares para além de qualquer limite. Acontece que, quando um bom lutador luta com um péssimo lutador, quem mais aprende e se fortalece é o segundo, enquanto o primeiro, desaprende ou fica como está.

            No decorrer desse último século, alguns países foram se fortalecendo como é o caso da Rússia desde 1917. Depois a China, o Japão, a Correa do Sul, a Índia etc., no entanto, obrigados a negociar em dólar, mantiveram o padrão de acumulação do capital Norte americano. Isso, atualmente ocorre diretamente com os cartões de crédito. No passado para obter um cartão de desses, como: Visa, Mastercard, American Express, Discover e Diners, era muito difícil, pois precisava comprovar uma renda individual significativa; agora ficou fácil e pode ser utilizado no pagamento de qualquer valor. Ocorre que, ao pagar uma conta no restaurante, como acontece com a taxa extra para o garçom, uma quantia cai diretamente na conta da operadora nos Estados Unidos. O descontentamento com o Pix vem da restrição do envio dessa taxa para fora do país.

            Com o fortalecimento das diversas economias, alguns países passaram a fazer negócios com as próprias moedas e, mais recentemente, com a formação dos Brics, a tendência é que surja uma nova referência monetária e o dólar deixará de ter a supremacia, pelo simples fato dos Estados Unidos estar sendo deixado de fora dessa articulação.

            Voltemos ao roubo da lenha. O governo Norte americano ao perceber que os países estão aproveitando de certas vantagens locais para progredirem e satisfazerem as suas necessidades, sem dependerem do dólar, acionou o poder político para, juridicamente, validar a extorsão por meio da elevação das taxas de exportação. Seus interesses se firmam em duas perspectivas: a primeira é fazer com que a mais-valia do trabalho alheio eleve os ganhos do Estado pelo pagamento do imposto, sem elevar os preços dos produtos e, segundo, que as empresas capitalistas estrangeiras se fixem nos Estados Unidos, para gerarem empregos e, de lá exportem produtos para os países, tornando-os ainda mais dependentes. O ideal pretendido é que todos se comportem como a Europa que, além de aceitar a taxa de exportação de 15%, comprometeu-se em não elevar os preços dos produtos exportados, e ainda deverá fazer investimentos de 600 bilhões de dólares no país decadente.

            Por outro lado, há diversos interesses em jogo. A associação das Big Techs com o poder da indústria bélica dos Estados Unidos, visa controlar os avanços tecnológicos e, para isso precisam que os minérios nobres sejam controlados, para que os países concorrentes não os explorem. Por isso as chantagens descabidas, para citar dois exemplos: o da Ucrânia, cuja condição para parar com a guerra,  o país deve ceder para os Estados Unidos gratuitamente as reservas minerais para pagar um suposta dívida de guerra e, no caso brasileiro, com a taxação de 50% sobre os produtos exportados, quer em troca a anistia dos golpistas de 8 de janeiro de 2023, para que voltem ao governo em 2026, mas por trás está o petróleo e as reservas de terras raras recentemente descobertas em Minas Gerais.

            As disputas são profundas e de longo alcance. Quem conseguir melhor se colocar no controle dos minérios raros terá garantida a possibilidade de desenvolver as altas tecnologias e controlar o mundo pela intromissão centralizada em pontos estratégicos, de onde os algoritmos, localizam, identificam e direcionam o tipo de intervenção que deve ser desferida. No passado, no século XVIII, um sistema semelhante foi inventado pelo filósofo Jeremy Benthan, para vigiar os presidiários, chamava-se “panóptico” que, traduzindo, significa “ver sem ser visto”.

            Por outro lado, as contradições são também favoráveis. Elas movem as forças contrárias para formarem unidade de ação. Por isso, é preciso acreditar que a onda incolor pode a qualquer hora tingir-se de vermelho. Embora os sinais ainda não estejam evidenciados, há um movimento de forças que preparam os enfrentamentos abrangentes. Podemos dizer que, num mundo em disputa, vence quem souber se colocar a favor das mudanças revolucionárias.

                                                                                                                      Ademar Bogo



[1] MARX, Karl. Introdução a crítica da economia política. São Paulo: Expressão popular, 2008.