Em
qualquer Dicionário informal, a expressão: “Subir nas tamancas”, significa
irritar-se, perder a linha ou levantar o tom de voz. Ou seja, uma mudança
repentina de comportamento indicando que o sujeito, não apenas ficou alterado,
mas perdeu a compostura.
O filósofo dinamarquês Kierkegaard,
em 1841 escreveu o texto sobre O conceito de ironia e surpreendeu por
torná-la uma grandeza conceitual, cuja característica no discurso retórico,
está em dizer o contrário do que se pensa. Para situá-la basta entender que o
fenômeno é o contrário da essência. Nesse sentido, as palavras que armam
o espetáculo não expõem verdadeiramente o que as intenções representam. Então
disse o autor: “Uma das maiores
alegrias do irônico consiste em
descobrir em toda parte estes pontos fracos: e quanto mais
proeminente é a pessoa em quem se
encontram tais traços, tanto mais alegria lhe dá poder fazê-la de boba, tê-la
em seu poder, embora esta não se dê
conta disso, de modo que até uma pessoa
eminente em alguns instantes se torna um
fantoche para o irônico, que a faz dançar como um títere, que ele maneja
mexendo os cordões conforme deseja...” [1]
No momento em que vivemos, o “novo
xerife do mundo”, pensa utilizar-se da ironia para abobar a humanidade, com centenas
de medidas e ameaças disparadas ao mesmo tempo. É evidente que o imperialismo norte-americano,
na medida que o capital especulativo passou a vigorar como o senhor da
acumulação, também feriu de morte a base produtiva e o poder político
empresarial dos Estados Unidos da América. Como uma montanha rochosa não se
transforma de um dia para outro em pedras moídas, a derrocada levou tempo, mas
chegou.
A lógica imposta pelo capitalismo
desde a sua origem, baseada na acumulação e reprodução do capital, deu para
algumas nações, em diferentes períodos, principalmente a partir da Revolução
Industrial, o poder dos domínios econômico e político em partes determinadas do
mundo. Como exemplo podemos citar a Bélgica, a França e Portugal que reinaram até
a década de 1970 na África; no continente asiático foram os ingleses e os
franceses e, na América Latina, desde 1823, sob a orientação da doutrina Monroe:
“América para os americanos”, o domínio foi fatal e sanguinário, pois, a ilusão
com a “democracia” norte-americana, ironicamente, como conteúdo sempre prezou
pela defesa dos direitos humanos, da liberdade,
a organização política, social, econômica e cultural, mas, na essência sempre
agiu por meio de controles totalitários, determinando cada gesto, com algumas
poucas exceções, dos governos teleguiados e intimidados.
O que importa nesse momento, sem
entrarmos nas especificidades das épocas, dos métodos e das táticas empregadas,
na dominação política das américas, é entender que, independentemente dos bobos
da corte, o capital tem vida própria; ele apenas precisa das pessoas que pensam
a política para pressioná-los a agirem conforme as necessidades da expansão,
acumulação e reprodução da riqueza; e o faz com tamanha velocidade que, as
vezes, ficamos por muito tempo ligados ao fenômeno e esquecemos totalmente da
essência dos processos.
O surgimento do neoliberalismo na
década de 1970, em meio a uma crise profunda do capitalismo mundial, pôs em
movimento, por meio de um consenso entre os capitalistas, o fenômeno da
globalização, com o modelo econômico neoliberal que anulou os limites das
fronteiras continentais (sem abalar muito o controle político), permitindo que
qualquer capitalista do mundo pudesse ir e investir em qualquer lugar. Sem
perceber as consequências, com a globalização e o neoliberalismo, iniciou-se
formação da grande contradição do imperialismo clássico, como já foi chamada de
“fase superior do capitalismo”.
A primeira grande vítima dessa engenharia
política sem condições de enfrentar o furação liberal, foi a Alemanha Oriental
e, logo em seguida, a União das Repúblicas
Soviéticas – URSS – que, em poucos meses, no início da década de 1990,
desfez os seus laços socialistas, dando um passo atrás para, cada país entrar
na dança das economias de mercado globalizadas.
No entanto, se o cosmos é de todos,
qualquer indivíduo “bem-sucedido”, pelo poder do capital, pode se fixar em
qualquer lugar. Porém, arrombando as portas dos países, antes denominados
de “Terceiro mundo”, não impediu que, por exemplo, a China e a Índia investissem
em tecnologia e estabelecessem, por direito globalizado, as suas bases
produtivas onde apenas reinavam as potências ocidentais. A Rússia, por sua vez,
assumiu-se como a guardiã de todo o acúmulo alcançado em diferentes áreas pela
antiga União Soviética e preparou-se para a resistência.
Por que então o presidente dos
Estados Unidos da América, ironicamente, “subiu nas tamancas”, quando na
verdade não subiu, apenas raivosamente passou a dançar com o incômodo calçado?
Pelo simples fato que, enquanto o capital de seu país, acostumado a extorquir as
nações pela especulação, com investimentos, principalmente na indústria
armamentistas, os diversos países em ascensão investiram em tecnologia
produtiva de bens e serviços. De tal modo que, a ironia da História é que, ao
exigir que os outros deixassem as portas abertas, o império também teve de
abrir as suas e, na atualidade, não pode fechá-las, pois não teria como
sustentar-se economicamente. O que tenta fazer? Reajustar o aluguel dos inquilinos
que utilizam o seu território, aparentemente, sem considerar que aquele país
também é inquilino em outros tantos e sofrerá as mesmas taxações.
Logo, as bravatas, ameaças e até
mesmo as deportações de imigrantes ilegais, são latidos de um cão sem pelos,
que causa repulsa a todos que o veem. Serve como disfarce para esconder que, as
pernas cansadas fazem o andar mais lento arrastar as tamancas. As provocações encordoadas
e as ameaças aos que estão com os pés calçados e preparados para uma corrida de
longo trecho e alta velocidade, revelam a certeza de que ficará para trás nessa
disputa, por isso tentará intimidar e multar cada um que passar na sua frente.
O que temos de bom nesse cenário
ruim? É que o imperialismo norte-americano pela primeira vez na História, se indispõem
contra os seus principais aliados. A contradição principal promove os fenômenos,
mas também expressa a sua essência. O velho Tio San já não dá mais a direção política
a nível mundial sem reações, ao contrário, retira-se dos círculos de poder
coletivo e, por outro lado, apesar dos avanços tecnológicos, retorna às matrizes
industriais obsoletas do século passado. Esse poderia ser um alerta ao governo
brasileiro que, ao invés de propagar a abertura de poços de exploração de
petróleo na Foz do Amazonas, deveria investir em energia limpa, liderando assim
a corrida, nessa era do antropoceno, de combate, não somente ao aquecimento global, mas a ruina total do
planeta.
E, o que temos de ruim nesse cenário
ruim? É que, a Revolução Industrial liberal capitalista continua avançando como
revolução burguesa permanente. O capital por outras mãos, continua
destrutivamente se reproduzindo e não haverá alívio, nem para o planeta nem
para a humanidade. O momento exige capacidade, sabedoria e organização para
escolhermos os inimigos contra os quais queremos lutar. Eles são muitos, mas, às
vezes, o que aparenta por fora ser o mais forte, por dentro está todo corroído
que já não consegue sustentar-se sobre os pés de barro e as tamancas de
madeira.
A ironia que fazia sorrir os
dominantes, agora, alegra os dominados. É tempo de reação e não de acovardamento.
Ademar Bogo
[1] KIERKEGAARD, S.A. O conceito ode
ironia: Constantemente referido a Sócrates.2 ed. Bragança Paulista
Editora
Universitária São Francisco, 2005, p. 218.
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