domingo, 16 de fevereiro de 2025

O IMPÉRIO DE TAMANCAS

 

             Em qualquer Dicionário informal, a expressão: “Subir nas tamancas”, significa irritar-se, perder a linha ou levantar o tom de voz. Ou seja, uma mudança repentina de comportamento indicando que o sujeito, não apenas ficou alterado, mas perdeu a compostura.

            O filósofo dinamarquês Kierkegaard, em 1841 escreveu o texto sobre O conceito de ironia e surpreendeu por torná-la uma grandeza conceitual, cuja característica no discurso retórico, está em dizer o contrário do que se pensa. Para situá-la basta entender que o fenômeno é o contrário da essência. Nesse sentido, as palavras que armam o espetáculo não expõem verdadeiramente o que as intenções representam. Então disse o autor: “Uma das  maiores alegrias  do irônico consiste em descobrir  em toda  parte estes pontos fracos: e quanto mais proeminente  é a pessoa em quem se encontram tais traços, tanto mais alegria lhe dá poder fazê-la de boba, tê-la em seu poder, embora esta não se  dê conta disso, de modo que  até uma pessoa eminente  em alguns instantes se torna um fantoche para o irônico, que a faz dançar como um títere, que ele maneja mexendo os cordões conforme deseja...” [1]

            No momento em que vivemos, o “novo xerife do mundo”, pensa utilizar-se da ironia para abobar a humanidade, com centenas de medidas e ameaças disparadas ao mesmo tempo. É evidente que o imperialismo norte-americano, na medida que o capital especulativo passou a vigorar como o senhor da acumulação, também feriu de morte a base produtiva e o poder político empresarial dos Estados Unidos da América. Como uma montanha rochosa não se transforma de um dia para outro em pedras moídas, a derrocada levou tempo, mas chegou.

            A lógica imposta pelo capitalismo desde a sua origem, baseada na acumulação e reprodução do capital, deu para algumas nações, em diferentes períodos, principalmente a partir da Revolução Industrial, o poder dos domínios econômico e político em partes determinadas do mundo. Como exemplo podemos citar a Bélgica, a França e Portugal que reinaram até a década de 1970 na África; no continente asiático foram os ingleses e os franceses e, na América Latina, desde 1823, sob a orientação da doutrina Monroe: “América para os americanos”, o domínio foi fatal e sanguinário, pois, a ilusão com a “democracia” norte-americana, ironicamente, como conteúdo sempre prezou pela defesa dos direitos humanos, da  liberdade, a organização política, social, econômica e cultural, mas, na essência sempre agiu por meio de controles totalitários, determinando cada gesto, com algumas poucas  exceções, dos governos teleguiados e intimidados.

            O que importa nesse momento, sem entrarmos nas especificidades das épocas, dos métodos e das táticas empregadas, na dominação política das américas, é entender que, independentemente dos bobos da corte, o capital tem vida própria; ele apenas precisa das pessoas que pensam a política para pressioná-los a agirem conforme as necessidades da expansão, acumulação e reprodução da riqueza; e o faz com tamanha velocidade que, as vezes, ficamos por muito tempo ligados ao fenômeno e esquecemos totalmente da essência dos processos.

            O surgimento do neoliberalismo na década de 1970, em meio a uma crise profunda do capitalismo mundial, pôs em movimento, por meio de um consenso entre os capitalistas, o fenômeno da globalização, com o modelo econômico neoliberal que anulou os limites das fronteiras continentais (sem abalar muito o controle político), permitindo que qualquer capitalista do mundo pudesse ir e investir em qualquer lugar. Sem perceber as consequências, com a globalização e o neoliberalismo, iniciou-se formação da grande contradição do imperialismo clássico, como já foi chamada de “fase superior do capitalismo”.

            A primeira grande vítima dessa engenharia política sem condições de enfrentar o furação liberal, foi a Alemanha Oriental e, logo em seguida, a União das Repúblicas  Soviéticas – URSS – que, em poucos meses, no início da década de 1990, desfez os seus laços socialistas, dando um passo atrás para, cada país entrar na dança das economias de mercado globalizadas.

            No entanto, se o cosmos é de todos, qualquer indivíduo “bem-sucedido”, pelo poder do capital, pode se fixar em qualquer lugar. Porém, arrombando as portas dos países, antes denominados de “Terceiro mundo”, não impediu que, por exemplo, a China e a Índia investissem em tecnologia e estabelecessem, por direito globalizado, as suas bases produtivas onde apenas reinavam as potências ocidentais. A Rússia, por sua vez, assumiu-se como a guardiã de todo o acúmulo alcançado em diferentes áreas pela antiga União Soviética e preparou-se para a resistência.        

            Por que então o presidente dos Estados Unidos da América, ironicamente, “subiu nas tamancas”, quando na verdade não subiu, apenas raivosamente passou a dançar com o incômodo calçado? Pelo simples fato que, enquanto o capital de seu país, acostumado a extorquir as nações pela especulação, com investimentos, principalmente na indústria armamentistas, os diversos países em ascensão investiram em tecnologia produtiva de bens e serviços. De tal modo que, a ironia da História é que, ao exigir que os outros deixassem as portas abertas, o império também teve de abrir as suas e, na atualidade, não pode fechá-las, pois não teria como sustentar-se economicamente. O que tenta fazer? Reajustar o aluguel dos inquilinos que utilizam o seu território, aparentemente, sem considerar que aquele país também é inquilino em outros tantos e sofrerá as mesmas taxações.

            Logo, as bravatas, ameaças e até mesmo as deportações de imigrantes ilegais, são latidos de um cão sem pelos, que causa repulsa a todos que o veem. Serve como disfarce para esconder que, as pernas cansadas fazem o andar mais lento arrastar as tamancas. As provocações encordoadas e as ameaças aos que estão com os pés calçados e preparados para uma corrida de longo trecho e alta velocidade, revelam a certeza de que ficará para trás nessa disputa, por isso tentará intimidar e multar cada um que passar na sua frente.

            O que temos de bom nesse cenário ruim? É que o imperialismo norte-americano pela primeira vez na História, se indispõem contra os seus principais aliados. A contradição principal promove os fenômenos, mas também expressa a sua essência. O velho Tio San já não dá mais a direção política a nível mundial sem reações, ao contrário, retira-se dos círculos de poder coletivo e, por outro lado, apesar dos avanços tecnológicos, retorna às matrizes industriais obsoletas do século passado. Esse poderia ser um alerta ao governo brasileiro que, ao invés de propagar a abertura de poços de exploração de petróleo na Foz do Amazonas, deveria investir em energia limpa, liderando assim a corrida, nessa era do antropoceno, de combate, não somente  ao aquecimento global, mas a ruina total do planeta.

            E, o que temos de ruim nesse cenário ruim? É que, a Revolução Industrial liberal capitalista continua avançando como revolução burguesa permanente. O capital por outras mãos, continua destrutivamente se reproduzindo e não haverá alívio, nem para o planeta nem para a humanidade. O momento exige capacidade, sabedoria e organização para escolhermos os inimigos contra os quais queremos lutar. Eles são muitos, mas, às vezes, o que aparenta por fora ser o mais forte, por dentro está todo corroído que já não consegue sustentar-se sobre os pés de barro e as tamancas de madeira.

            A ironia que fazia sorrir os dominantes, agora, alegra os dominados. É tempo de reação e não de acovardamento.

                                                                                                    Ademar Bogo

           



[1] KIERKEGAARD, S.A. O conceito ode ironia: Constantemente referido a Sócrates.2 ed. Bragança Paulista

Editora Universitária São Francisco, 2005, p. 218.

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