domingo, 21 de abril de 2024

AS TAREFAS DA ORGANIZAÇÃO E A ORGANIZAÇÃO DAS TAREFAS

            Ao escrever o seu texto convocatório preparatório para o Segundo Congresso do Partido, “Por onde começar?” em 1901, Lenin tinha em mente tratar de três problemas: “o carácter e o conteúdo principal da nossa agitação política; as nossas tarefas de organização; o plano para a criação, simultaneamente e por diversos lados, de uma organização de combate de toda a Rússia”.[1] Na verdade, esses temas eram as lacunas que até então ninguém havia se dado conta da importância de combiná-las em uma só discussão.

            A situação em que nos encontramos hoje em termos de luta de classes, remete a ter de pensar profundamente sobre as tarefas dos lutadores e lutadoras do povo e, parece difícil encontrá-las e calibrá-las dentro da conjuntura política na qual vivemos. Não sabendo quais são essas tarefas, não encontramos também o conteúdo para fazer agitação, e por quê? Talvez no terceiro aspecto levantado por Lenin esteja a resposta ainda por ser dada para a pergunta: Temos ou não uma organização de combate?

            Com a morte do espírito de luta das esquerdas, muitas organizações criadas nas últimas décadas, tornaram-se caixões que seguem carregados por pequenos grupos de pessoas vivas, tendo atrás de si pessoas tristes, perdidas e sem ânimo para fazerem outra coisa, a não ser seguir com o funeral, o qual não tem dia certo para acabar.

            Convenhamos que uma “organização de combate”, é uma força incômoda, desafiadora e de uso de táticas surpreendentes. A rebeldia está à flor da pele de quem luta e, os inimigos são vistos com indignação e repulsa. Por isso, as pessoas vivas, atacam e se retiram; avançam e recuam, num movimento ofensivo, mesmo quando se defendem para não serem aniquilados. Para saber se uma organização é incômoda e ameaçadora, basta observar se ela está sendo perseguida pelos inimigos para ser destruída? Caso não esteja sendo, é preciso repensar as ideias, os propósitos e as práticas.

            Por outro lado, uma organização incomoda quando executa tarefas incômodas. Estas têm a função de estabelecer novidades nos fazeres da militância ativa. Dizemos “ativa” para diferenciar da “militância inativa”, aquela que já não tem tarefas importunadoras porque está ocupada em seguir com o funeral do espírito morto, indo em frente conforme manda a ordem, com o destino final no cemitério da institucionalidade.

            Por que é importante, na atualidade, insistir na morte do espírito de esquerda? Porque do ponto de vista pedagógico, na medida em que as forças deixam de combater a ordem, o Estado, os poderes republicanos, as eleições, a democracia representativa etc., assumem as responsabilidades da direita, herdeira dos girondinos da primeira Constituição elaborada no pós-Revolução Francesa de 1789. Se uma das duas forças que estão se enfrentando para, a energia afirmativa passa toda ela para a outra força, nesse caso para a direita.

Metaforicamente falando, se o espírito revolucionário desencarna das forças de esquerda, os corpos que permanecem vivos são obrigados a assumirem as tarefas da direita. Isso vem ocorrendo desde os povos primitivos do escravismo, quando uma tribo era capturada, era obrigada a trabalhar para sustentar a outra. Aquela situação não era vergonhosa porque as circunstâncias impunham a condição escrava. Vergonhoso é ter as condições de ser senhor do próprio destino e, por conveniência, capricho ou covardia, aceitar ser escravo da ordem capitalista, como ocorre na atualidade.

            Sem tarefas combativas a realizar, não há necessidade de se ter uma organização de combate, nem tampouco, de elaborar conteúdos agitativos. O que ilude os “agentes funerários” das velhas organizações, que se ocupam do funeral da morte do espírito revolucionário, são as tarefas que o próprio funeral apresenta. Uns agarram as alças do caixão; outros consolam os mais depressivos; mais alguns carregam as coroas de flores em cujas fitas aparecem os nomes dos doadores burgueses amigos e, por fim, mais atrás, vai a multidão silenciosa levando as velas apagadas para evitar acidentes com o fogo.

            O certo é que, mesmo nos funerais ninguém fica desocupado. Há lugar para todos, e, principalmente para as lideranças dos cortejos que, nessas situações, não se lembram de se perguntarem, por que existimos? Qual é o sentido ainda de nossa organização? Para onde estamos dirigindo a multidão que ingenuamente acredita estar dando o máximo?

            Ao perder a noção das tarefas a serem desenvolvidas, a militância deixa de criar e, a juventude assume o comportamento dos idosos com o andar lento e os pensamentos preguiçosos. A agitação só flui se for colocada a energia dentro das palavras. Ao convencermos a militância e as massas que devemos seguir uma direção, as tarefas novas surgem, porque, o próprio movimento cria novas necessidades. Parados, estáticos, as tarefas são sempre as mesmas e se ocupam de manter a ordem das coisas como estão.

            Sem organização revolucionária, há tarefas a cumprir, mas elas nunca são revolucionárias, porque, a finalidade não é a revolução. O conteúdo da agitação também será revolucionário, quando as palavras retratam a decisão de promover a ruptura com o comodismo. Logo, para as forças de esquerda, só existem dois caminhos: manter o espírito revolucionário e encarná-lo na organização, na agitação e nas tarefas da luta, ou desencarná-lo e seguir o funeral em direção ao cemitério da institucionalidade onde são enterradas as forças partidárias de esquerda e os seus seguidores. Nesse caso, deixamos de ser, como disseram Marx e Engels “os coveiros do capitalismo”, para converter-nos em coveiros de nossa própria rebeldia.

                                                                                   Ademar Bogo



[1] LENIN. V.I. Que fazer?

Nenhum comentário:

Postar um comentário