domingo, 7 de janeiro de 2024

O INTERNACIONALISMO REVOLUCIONÁRIO


            Apesar de todas as constatações das crises e decadências do capitalismo, o tempo em que vivemos não faz das contradições substância inflamável para ferver o sentido beligerante e revolucionário das táticas de luta.

            A pior enfermidade das forças de esquerda, e talvez incurável para essas gerações treinadas a reivindicar direitos dos patrões e do Estado, é repetir os mesmos argumentos sobre as táticas assimiláveis pela classe dominante. Insistir em disputar com as forças mantenedoras do “Estado de Direito”, a mesma ordem estabelecida, confirma a vocação reformista para o ingresso na institucionalidade pura e simples, como se esta fosse a única opção restada.

            Nesse aspecto podemos ilustrar a tentativa de relação oposta com um pensamento político e filosófico de Lenin, expresso em 1905, no artigo escrito por ele com o nome, “A revolução ensina”. “... Não podemos dar-nos por satisfeitos com ver as nossas palavras de ordem táticas correrem atrás dos acontecimentos, adaptando-se a eles depois de ocorridos. Devemos aspirar as diretrizes que nos façam avançar, nos iluminem o caminho, nos elevem acima das circunstanciais tarefas imediatas”.[1]

            Se não podemos estar satisfeitos com as crendices institucionalizadas, as quais, em nome das políticas públicas imediatas prendem e freiam todos os tipos de pressão contra o governo, cujas posições verbalizadas o reconhecem como “nosso”, devemos pelo menos sermos tolerantes, pois, de fato, certas circunstâncias são o que são, não se pode inventá-las; no entanto, o mesmo não ocorre com as forças acomodadas que não abrem mão das táticas adotadas, buscando, “exprimidamente”, passarem pelas frestas dos consensos nacionais e internacionais, alçando-se como pregadores do consenso vantajoso.

            Dirão os mais aguerridos mantenedores da ordem que, “embora o governo seja nosso, ele deve distanciar as suas posições das do partido”. Logo, em nome das relações internacionais conciliadoras tolera-se o genocídio em Gaza sem nenhuma menção à culpabilidade de Israel. De fato, quem tem embaixadas não são os partidos e, por ser política de Estado é preciso antes de tudo “zelar pela diplomacia”. Diante disso devemos alertar os intolerantes que engessam as táticas como se fossem dogmas que, se o candidato à presidência é do partido e se o governo composto com nosso apoio “é nosso”, tendo este de administrar e zelar pelo Estado, que faz, apesar de desenvolver as sagradas políticas públicas, senão colocar-se ao lado e a favor do Estado capitalista? Com tais agarramentos estruturais, não há, como disse Lenin, fazer com que as palavras de ordem não fiquem atrás dos acontecimentos.

            Os paradoxos conjunturais expostos são, decididamente provocantes, pois, enquanto em um ponto do mundo um agrupamento luta subterraneamente contra o imperialismo, em outros lugares preza-se pelas táticas pacíficas, pois, a ilusão com a democracia representativa é tão real que dizer ser ela apenas parte do teatro comandado pelos capitalistas, representa uma grave ofensa.

            A aparência democrática de que nos governos pacifistas “todos ganham”, é a demonstração do real do reconhecimento do domínio do capital imperialista sobre a exploração das nações subservientes. Se ninguém perde, não há como fazer equiparações, porque a análise de imediato elimina qualquer contradição. Se queremos provar o contrário devemos perguntar aos sem-terra, em que estágio estão as desapropriações? O mesmo ocorre com os povos originários que dia a dia vão vendo os seus territórios serem estreitados. Por justiça, o movimento que ficou por 580 dias acampado nas proximidades na sede da Polícia Federal em Curitiba, no Paraná, repetindo, as mesmas palavras de ordem, ao começar o dia com: “Bom dia presidente!” e, à noite: “Boa noite presidente!”, deveria receber em troca, para cada dia acampado, um área desapropriada para fins da realização da reforma agrária. No entanto, ocorre justamente o contrário. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – IMPE – revelou que no ano de 2023, o desmatamento no Cerrado nordestino, o segundo maior bioma do Brasil, cresceu 43%, sendo dados só do primeiro ano do governo Lula. Isso revela o avanço do agronegócio, financiado pelo mesmo governo que mantém paralisadas as desapropriações de latifúndios.

            Por essas razões todas e, por falta de aspirações diferenciadas é que muitos analistas e dirigentes defende o “refluxo” das forças sociais e a impossibilidade de recriar as palavras de ordem para ultrapassar esse período prolongado de passividade revolucionária. Lembremos que, após a morte de Ernesto Che Guevara, em 9 de outubro de 1967, a tática de guerrilhas passou a ser questionada e descartada juntamente com a luta armada desenvolvida pelos grupos rebelados contra as ditaduras militares. Posteriormente, pelo avanço das tecnologias, melhoramento da espionagem e qualificação das forças de repressão, os argumentos voltaram-se contra qualquer tipo de tentativa de insurreição. A maior lição de que o imperialismo é frágil e todas as tecnologias bélicas falham diante da capacidade criativa, é dada agora pelo HAMAS em defesa da criação do Estado palestino e, embora, resista há meses, em termos de reconhecimento, por parte das forças políticas e partidárias da preciosa inovação das táticas de enfrentamento é zero ou ainda pior quando repetem as palavras da grande mídia, taxando aqueles lutadores de “terroristas”.

            Se “A revolução ensina”, como disse Lenin, não precisa que ela ocorra debaixo dos seus pés, importa reconhecê-la como fundamental em qualquer parte do mundo; foi o que sempre nos ensinaram os criadores do princípio do “Internacionalismo proletário”. Lembremos que a derrota dos Estados Unidos da América no Vietnã no século passado, deveu-se à capacidade inovadora das táticas de guerra do povo vietnamita, mas também da pressão e protestos espalhados pelo mundo.

            Que o ano de 2024 nos inspire a criar novas palavras de ordem, para que elas se antecipem aos fatos e nos ajudem a formular novas táticas de lutas locais e internacionais. A derrota do imperialismo dar-se-á quando conseguirmos unir as lutas de todos os povos do mundo contra os mesmos inimigos da humanidade.

                                                                       Ademar Bogo



[1] LENIN. V.i. Partido revolucionário de novo tipo. A importância mundial do bolchevismo. Lisboa: Edições Avante, 1975.p. 110

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