domingo, 20 de agosto de 2023

O CHICOTE DA LEI

 

            Aristóteles foi o filósofo capaz de transformar a relação entre justiça e injustiça em problema filosófico. Grosso modo, divide a justiça em duas formas: distributiva e corretiva. Na primeira, o justo é proporcional e o injusto é o que viola a proporção. Ou seja, o indivíduo que fica com uma parte muito grande daquilo que é bom, tira dos outros a oportunidade de também usufruírem do mesmo produto. Dessa forma, o filósofo, na Ética a Nicômaco afirma que: “A outra espécie de justiça é a corretiva, que tanto surge nas transações voluntárias como nas involuntárias”(LivroV. 4). O julgamento dessa forma de justiça busca sempre o equilíbrio entre a perda e o ganho.

            Em se tratando da sociedade capitalista, “saber perder para o outro poder ganhar”, vai contra as leis fundamentais da acumulação da riqueza ou de qualquer vantagem nas pequenas coisas. Assim vemos que, o grileiro busca tornar em propriedade particular, as terras públicas e as reservas indígenas; o capitalista sonega o imposto para gerar emprego e dos trabalhadores contratados extrai ainda mais-valia; o governante tenta ludibriar a fiscalização para ficar com as joias pertencentes ao patrimônio público; os arruaceiros imbuídos do espírito destrutivo atacam os prédios públicos em busca de darem um golpe de Estado e, no final reclamam dos julgamentos e das punições.

            Não se trata de considerarmos que existem dois pesos e duas medidas. Há a medida dos interesses que, em determinados momentos se avolumam em uma direção e, em outro momento, devido a mudança na correlação de forças, faz o pêndulo das punições demorar mais no polo oposto.

            Se observamos com um pouco de atenção, compreenderemos que, há dois anos pelo menos, o chicote da lei havia massacrado o bom senso e, com a veemência dos atos jurídicos dado razão aos “fora da lei”. Por pouco não tivemos um caos juridicamente sustentado pelo negacionismo.

            É evidente que os interesses do poder econômico, coloca-se sempre em primeiro plano e, contra este não há legislação que o enquadre. Porém, no Brasil temos sofrido de uma doença conhecida como “parasitismo institucional” que, quem está dentro da máquina do Estado tem maior proteção e garantias de defesa. O círculo estreito do poder político, com poucas exceções, se ancora na força das instituições e, por isso, o rigor das leis é amenizado.

            Por outro lado, o amedrontamento e ameaças das forças armadas paralisa os poderes e acaba deixando que os laboratórios de golpes de Estado, sejam experimentos com diversos requisitos. Todos sabemos que em 2016 tivemos um golpe tutorado pelas forças armadas. Que ao ex-presidente Lula foi negado um Habeas Corpus pelo Supremo Tribunal Federal, por um voto que o tirou das disputas eleitorais e somente voltou a ter liberdade pela incomensurável e vergonhosa administração criminosa dos adeptos do negacionismo.  

O poder militar, ora desmoralizado, permite ao poder judiciário levar à frente a punição dos insurgentes ingênuos que acreditaram na possibilidade dos militares se manterem no poder em 2023, por um simples equívoco do novo presidente eleito que, diante do descontrole político, utilizaria  o recurso da “Lei de garantia da ordem” (LGO) para movimentar os tanques contra si mesmo.

            Um verdadeiro fiasco político, mas que foi arquitetado por pessoas influentes e que escapam das punições por falta de coragem de passar a História a limpo. Os crimes cometidos contra os direitos humanos escrachados na pandemia, os quais suscitaram a instalação de um CPI para apurar e punir os culpados, serviu apenas como espetáculo para iludir as vítimas de que a justiça seria feita. A corrupção galgou os mais altos escalões na compra de vacinas e respiradores, mas a lei não alcançou ninguém.

            Cada época é portadora de contradições próprias, mas é importante alertar àqueles que confiam nas leis com sendo paredes de proteção permanente e, por estarem no governo e gozarem da imunidade parlamentar, que o tempo não passa. As forças ao se movimentarem fazem surgir novas contradições e as leis continuam sendo o escudo dos grupos poderosos.

            Ninguém quer estar “fora da lei”, mas é importante, posicionar-se como Aristóteles,  quando defendeu que: “A justiça política é em parte natural e em parte legal”. A parte natural é aquele que tem a mesma força em todos os lugares. Esta está enraizada na organização social. Já se disse no passado que “a luta faz a lei”, mas não basta somente fazê-la, é preciso continuar lutando para aplicá-la contra os projetos inimigos.

                                                           Ademar Bogo

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