sábado, 4 de março de 2023

FAZER MAIS E FALAR MENOS


            A ironia é um recurso antigo. Atribuída ao filósofo Sócrates, por ter sido um astuto observador do profundo desconhecimento dos indivíduos sobre si mesmos e, por essa razão, a ignorância e a incoerência habitavam as mentes e os comportamentos dos cidadãos atenienses.

             O filósofo dinamarquês, Kierkegaard (1813-1855), nos diz em seu livro, “Conceito de ironia” que, “A forma mais corrente de ironia consiste em dizermos num tom sério o que, contudo, não é pensado seriamente”. Pode significar também o contrário; ao dizermos, em tom de brincadeira algo que queremos tornar sério, no entanto, raramente é levado a sério.

            Interessa, portanto, o irônico parecer diferente do que é. Suas expressões ou esconderem a seriedade na brincadeira ou a brincadeira na seriedade. Passando-se por bom, distrai as suas fraquezas; fingindo ser mau, esconde a insegurança e a covardia.

            Cotidianamente somos vítimas de elaborações irônicas vindas, principalmente dos políticos profissionais, que sempre se colocam numa posição de conduta ilibada e, todas as decisões tomadas, visam o bem da nação. O presidente da República brasileira que governou o país entre os anos 2019-2022, utilizou-se muito da ironia para intimidar os opositores e animar os seus aliados. Contra os primeiros, ameaçava com o golpe de Estado, para impor a ordem e imperar, única e soberanamente como o mais novo ditador das américas. A favor dos aliados utilizava o mesmo golpe como promessa. No final revelou-se o esplêndido covarde incapaz de permanecer sequer em contato e próximo dos alucinados seguidores. Hoje figura como um mito desfeito, sendo objeto de chacotas e formulações irônicas, quando se quer tomar como um exemplo de negação, incoerência e repugnância a um tipo de autoridade imprestável.

            Em outra frente, diferentes setores da sociedade civil, da política e da mídia, que impulsionaram a vitória do mito desasado, acima descrito, ao perceberem o real concreto produzido pelo ranço fétido dos preconceitos, capitaneados pelos representantes do status quo e os setores arrebanhados, a quem prometiam um mundo de melhorias e vantagens, ironicamente mudaram de opinião e, como se voltassem atrás para recolherem uma moeda desprezada para usá-la como troco, passaram a elogiar, defender e a ficarem próximos de quem queriam distância. Os pobres, vermelhos, refugados ainda lhes são úteis.

            Os representantes dos monopólios da comunicação representam bem as inversões irônicas. Por vários anos empenhados em destruir a esquerda, formaram opiniões negativas contra ela. Depois, senão revertidas, mas ao utilizarem os crimes, falcatruas, desmandos e incompetência da direita governante, aliviaram o teor das críticas, numa demonstração de alinhamento, com a intenção de enquadrar, no momento seguinte, o novo governo eleito. A defesa das altas taxas de juros, as irresponsabilidades do agronegócio, a liberdade do mercado e a defesa da propriedade privada, permaneceram no ideário de tais poderes emissores da ironia, mas voltam a pontuar aspectos dos discursos de campanha com as reações populares em andamento.

            Mas a ironia é democrática e, também nós podemos ser alcançados por ela. Se as forças de direita covardemente erram quando ameaçam destruir as forças de esquerda, sem terem as condições para isto; as forças de esquerda erram quando ameaçam impor ao capital certos controles, depois se acovardam diante das leis e, recolhidas entre as paredes da governabilidade, emitem discursos que agradam o mercado e os defensores da “responsabilidade fiscal”.

            Não precisamos nos estender aqui, os exemplos, ironicamente já “pululam”, exaltam-se e revelam que, a aparente coragem de brigar com o ministro da Fazenda, por centavos no preço dos combustíveis, representa a verdadeira covardia, de não seguir a linha dos discursos de campanha,  e fazer uma revisão da privatização da Petrobrás e desvincular as vendas do dólar e do controle do mercado externo. Somente dizer que: “O petróleo é nosso!”, não baixa um centavo sequer o valor do litro de gasolina no abastecimento de nenhum veículo.

            O mesmo ocorre com o latifúndio e as grandes propriedades que não cumprem a função social no meio rural. O próximo embate irônico voltado para a criminalização, será sobre as ocupações de terra. Os defensores da governabilidade, defensores verbalmente da reforma agrária, com medo de ferir os interesses do agronegócio, serão incapazes de darem um passo na direção da distribuição da terra. Oferecerão em troca, para esfriarem os conflitos, créditos subsidiados para os assentados. Irônico será, se os representantes dos movimentos aceitarem e, para não comprometerem o governo, se recolherem para trás da agroecologia.

            Devemos superar a ironia presente na política através do pensamento sério. As responsabilidades históricas devem ser enfrentadas com a coerência da certeza de cada passo. Iludir-se com as palavras, é iludir, iludindo-se de que, pelo simples direito de falar, tudo podemos. O poder, é verdade, está também nas ideias, elas ajudam estabelecer um programa, com metas definidas, mas, a força das ideias precisa da força das ações e, ironicamente, se não se pode falar o que não se pode fazer, deve-se fazer o que não se pode falar. É o que nos cobra o tempo presente: “Fazer mais e falar menos”.

                                                                                                                          Ademar Bogo

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