domingo, 19 de março de 2023

A IMORALIDADE GENÉTICA

 

         O filósofo alemão Jürgen Habermas escreveu um livro, em 2001, com o nome de, “A constelação pós-nacional” e, dentre os vários assuntos pretendeu discutir a clonagem de seres humanos, considerando ele, ser uma “Escravidão genética”, isto porque, a princípio sabemos que o patrimônio genético pertence ao indivíduo que o utilizará para fazer o seu próprio destino. Na medida que essa lógica ética é desfeita, forma-se uma ambiguidade entre “quem somos e quem queremos ser”.

            O problema é complexo, mas o entendimento é simples. Na História da Filosofia encontramos a mesma sustentação levantada por Habermas que: “Ninguém deve dispor de uma outra pessoa e controlar as suas possibilidades de ação de tal forma que seja roubada uma parte essencial da liberdade da pessoa dependente. Essa condição é violada quando uma pessoa decide o programa genético de uma outra” (p.210).  

            A escravidão tendo sido vista na História, primeiramente como “Modo de produção escravista” e teve uma possível duração, desde 4 mil anos antes de Cristo até 476 depois, quando os bárbaros tomaram Roma e assassinaram Rômulo, daí em diante passou a vigorar o Feudalismo. No entanto, como se fosse uma reprodução genética, no período do Brasil colônia, a forma de trabalho escrava foi implantada por Portugal, trazendo, nos corpos acorrentados a força de trabalho do continente africano.

            Feita a abolição da escravatura brasileira, os descendentes dos escravizados, na sua totalidade, portadores da genética de ancestrais africanos, passaram a viver como seres de condição inferior, de índole diferenciada e de comportamento moral duvidoso. O único critério válido para a preservação desses contingentes de massas rejeitados, foi a força de trabalho de baixo custo.

            O trabalho, geralmente com baixa remuneração, manteve vinculadas, a genética dos senhores, proprietários brancos, com a genética dos descendentes dos escravizados pretos. Trata-se, portanto, de um racismo estrutural histórico, de fácil localização, como foi amplamente divulgado, que trabalhadores baianos foram resgatados do trabalho escravo de vinícolas no Rio Grande do Sul.

            O critério dessa análise é filosófico, mas o dado é estatístico. O Rio Grande do Sul é o Estado que possui o índice de envelhecimento de sua população, mais alto no Brasil. Os dados do IBGE mostram que, em 1970 para cada 100 crianças e adolescente de 0-14 anos, havia 14,8 idosos acima de 60 anos. Em 2020, esse número passo para 103,3 idosos para cada 100 crianças e adolescentes.

            A tradição do trabalho combinado com o dever moral, acompanhou a evolução produtiva no Sul do país. Mas, os avanços tecnológicos, louvados pelos devotos da modernização e da globalização, não alcançaram ainda dispensar a presença humana dos ofícios produtivos cotidianos.

            O Brasil, no ato da assinatura da Lei Áurea em 1888, possuía cerca de 17 milhões de pessoas, na sua grande maioria habitando o meio rural e, por alto, estimam que foram libertos 700 mil escravizados. Todos sem nenhum direito, apenas um dever, o de deixarem as fazendas e migrarem para as cidades. Essa tendência continuou e chegamos hoje a 85% das pessoas vivendo em centros urbanos.

            De outro lado, temos o Nordeste do Brasil e dentro dele o Estado da Bahia que possui 81,1% do total de sua população preta; consequentemente portadora do sangue dos ancestrais escravizados. Pelas tendências históricas levantadas, percebemos que, a busca da força de trabalho de pessoas pretas para a produção agrícola, a genética escravista volta os olhos para a África, representada aqui pela Bahia, por ter a maior concentração populacional preta fora do continente.

            Mas o espanto maior é que, se o processo de escravização do período colonial foi sustentado pela força da lei, as novas formas de produção escravistas também se apoiam nas crueldades jurídicas, principalmente aquelas estabelecidas pela reforma trabalhista de 2018, com a qual a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT - de 1940, foi estraçalhada, dando espaço para outras formas de exploração, como é o caso do “trabalho intermitente”.

            O pequeno período pelo qual passamos governados pelo nazifascismo, entre 2019-2022, demonstrou como as medidas desemancipadoras andam depressa e as manifestações autoritárias das ideias, expressam o vigor da genética no âmbito social, teimando em não deixar desaparecer as formações estruturais de dominação do passado.

            De certo esse racismo é mais que genético e é muitíssimo disfarçado. A visão de que o preto deve ser serviçal obediente da elite branca, reproduz-se nas cozinhas das mansões, por onde passam diariamente, cerca de 6 milhões de empregadas domésticas. Isso ocorre também no lazer. No ano de 2019 cerca de 6 milhões de turistas visitaram a Bahia, na sua grande maioria foram servidos por trabalhadores e trabalhadoras pretas.

            Compreende que o capitalismo, acima de tudo, é quem permite por intermédio da propriedade privada a reproduzir as formas de trabalho mais desumanizadoras já existidas. Mas o nosso país ultrapassa todas as balizas da civilização. Na medida que o preto volta  a ser escravizado nas formas de trabalho, o índio dizimado para ceder o seu território para a extração do ouro e a criação de gado e quase a metade da população passa extremas necessidades, não se pode dizer que o capital tem a razão. O seu controle é fundamental em todos os setores. Por isso, enquanto houver um governante associando-se à iniciativa privada para fazer a economia crescer e gerar mais empregos; enquanto as altas taxas de juros recompensam os investidores com o dinheiro público e o Estado propondo-se garantir a ordem para fazer funcionar uma sociedade desigual, estaremos a mercê das ilusões.

          A genética existe para que as etnias se reproduzam preservam em guardem suas belezas, valores e caraterísticas estéticas e não para marcarem a linha divisória dentro da sociedade. A igualdade social virá com a sociedade de princípios igualitários, mas, fundamentalmente, se lutarmos para que ele aconteça. Enquanto ouvirmos ou falarmos sobre a existência da escravização, estaremos mais perto da barbárie do que do socialismo. Mas sito nos coloca diante do ponto de emergência que é a luta e insurreição popular.

                                                                       Ademar Bogo

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