domingo, 4 de dezembro de 2022

SONHAR PARA FRENTE

 

O filósofo alemão Ernest Bloch, ao escrever a sua obra “Princípio esperança”, volume I, destacou que, “Quase toda utopia, seja médica, social ou técnica, tem características paranoicas. Para cada autêntico pioneiro, há centenas de fantasiosos, irrealistas e loucos. Se fosse possível pescar alucinações que nadam na aura dos manicômios, seriam encontradas as prefigurações mais admiráveis...”.

Os comparativos metafóricos traçados são interessantes. Apesar do autor remeter-se á Psicose e tomar o delírio como referência, não quer tratar as capacidades imaginativas de distúrbios mentais, senão que, instigar a pensar, e porque não, levar a sério as imensas quantidades de fantasias surgidas ao lado de uma decisão principal. Quando liberamos as ideias, tornamos sujeitos da ação os seus formuladores.

Vista pelo lado imaginário, a política em nosso país é um verdadeiro “manicômio”, não de loucos, mas de sonhadores dominados. Não pensemos que essas mobilizações em frente aos quarteis não tenham sido forjadas pelas inspirações direcionadas fazendo as ideias alucinadas tornaram-se ações. A motivação é fantasiosa, mas as energias, física e mentalmente empregadas, são reais. E, naquele mundo de ilusões as incertezas assemelham-se aos delírios paranoicos que forjam os medos das perseguições, ameaças comunistas, ataques contra a moral conservadora e alienada etc.

De outro lado, há o outro lado que festeja calado e, na sua convicta grandeza, espera pelas realizações da ideia vitoriosa. Esse também é um mundo imaginário, com poucas insinuações do que poderá acontecer. Aparentemente a perseguição deu trégua e o pior foi sufocado nas urnas. Mas, ao contrário dos marchantes mobilizados, o lado vitorioso ainda não transformou o seu querer em ação. E, como se governante e governados fosse um só corpo e uma só cabeça, espera-se pacientemente pela transição e logo em seguida pela posse.

É evidente que ao lado de uma ideia forte existem centenas de ideias imaginárias  fantasiosas expressas nas mensagens virtuais. E, se podemos comparar o atual cenário político brasileiro com um manicômio, veremos que ele está estruturado com duas alas: a ala amarela fixada, alucina-se com a ideia do “golpe militar” e, a ala vermelha, com a ideia da governabilidade. Os primeiros imaginam os comunistas sendo surrados, presos e mortos; as florestas derrubadas e, lá do alto, heróis pilotando aviões, despejando toneladas de semente de capim, para formarem pastagens e, cá em baixo, milicias armadas passeiam livremente pelas ruas para ajudar o Estado  a fazer o trabalho sujo. Os segundos, vislumbram as panelas cheias de comida, as escolas lotadas e o comércio fervilhando de consumidores sem conflito entre as classes.

Por que chegamos a essa pobreza de imaginação? Poderíamos elencar diversas causas, mas, no fundo, elas terminariam em duas que foram se afunilando ao longo dos tempos comandadas pela ideia forte do capital: a ditadura militar e a democracia representativa. Assim, agruparam-se e se fortaleceram os defensores das duas vias: a do golpe e a dos defensores das eleições.  O primeiro, espreita pelo momento mais propício para ser desfechado, pois sem condições internas e externas não há como movimentar os tanques e, a outra, mantém a adoração à democracia representativa, cuja ideia é “manter a ordem” com exploração, mercado e Estado.

Chegamos, portanto, à debilidade mental, causada pela anulação da utopia paranoica da juventude, dos trabalhadores e das massas populares. Ninguém mais imagina nada fora da ideia principal proposta. As imaginações tornaram-se tão minguadas que não alcançam ir além da próxima semana. Já não se pensa no futuro, apenas no consumo do presente. Se fossemos comparar os sonhos diurnos e noturnos, chegaríamos à conclusão que, quando acordamos não lembramos se sonhamos e, acordados, não há tempo para sonhar.

A ideia de sonhar para frente não é alucinação, mas precaução. As gerações mais velhas vivenciamos os tempos dos golpes os das esperançosas eleições. No fim, esses tempos se revezam substituindo um ao outro sempre que as paredes do grande manicômio capitalista tremem. Nesse momento, a ideia pioneira pertence ao capital e, em torno dela formam-se os consensos que anulam todas as demais imaginações.

Não é errado e devemos acreditar que falta loucura na política. Ela deve existir para fazer ressurgir as renegadas capacidades populares. E, sem substituir os heróis que são sempre momentâneos, porque é o ato heroico quem o faz ser herói e não o tempo de bajulação, iniciarmos a marcha que nos leve para casa. Ela sempre foi a rua, a luta, a formação da consciência, a organização,  o trabalho de base, a revolta e a insurreição.

A utopia deixará de ser uma ilusão ingênua, quando anteciparmos em nossa mente o que iremos fazer concretamente para superar a sociedade imprestável, para a grande maioria da humanidade, em sociedade igualitária e solidária. Nunca devemos esquecer do sabido ensinamento popular que o inimigo afugentado sempre volta , quando isso acontece, os estragos são ainda maiores. Mandatos passam.

                                                                       Ademar Bogo,  

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