domingo, 19 de setembro de 2021

O ANTICRISTO

        O filósofo Friedrich Nietzsche escreveu em 1888 um texto para tecer criticas ao cristianismo, denominando-o de “O anticristo”. Assim descreveu ele no capitulo XXXVII “...Com toda a difusão do cristianismo entre as massas mais vastas e incultas, até mesmo incapazes de compreender os princípios dos quais nasceu, surgiu a necessidade de torná-lo mais vulgar e bárbaro – absorveu os ensinamentos e rituais de todos cultos subterrâneos do imperium Romanum e as absurdidades engendradas por todo tipo de raciocínio doentio. Era o destino do cristianismo, que sua fé se tornasse tão doentia, baixa e vulgar quanto as necessidades doentias, baixas e vulgares que devia satisfazer.”

            Se por um lado não podemos dar total razão a Nietzsche, tendo em vista que podemos encontrar no desenvolvimento do cristianismo momentos decisivos, nos quais o imperativo moral e o pensamento crítico religioso fizeram frente à repressão, prisão e morte de militantes políticos e sociais, defensores de causas revolucionárias; por outro lado não podemos tirar do filósofo a razão do teor de sua revolta. Aliás, Freud, em 1907, pouco tempo depois da morte de Nietzsche, acentuou que: “...podemos atrever-nos a considerar a neurose obsessiva com o correlato patológico da formação de uma religião, descrevendo a neurose como uma religiosidade individual e a religião como uma neurose obsessiva universal”.

            Outros autores, como Walter Benjamin, foram ainda mais precisos e identificaram o capitalismo como sendo uma verdadeira religião. Considerando que “O capitalismo é uma religião puramente de culto, desprovida de dogma”, ele torna-se próprio uma neurose obsessiva. Além do fanatismo mercantilista o capitalismo  criou as seitas neo-pentecostais e as espalhou para as Américas, chegando ao Brasil, a partir de 1970, ungidas com o nome de “igreja”: Universal do Reino de Deus; Internacional da Graça de Deus; Renascer em Cristo; Mundial do Poder de Deus.

            Para valorizar a onipotência dos pensamentos criados pela neurose obsessiva e fazê-los tornarem-se hostis ao mundo exterior, é importante canalizar tais anseios para as disputas políticas, inicialmente demarcadas pelas posições dos bons contra o maus. Para estruturar mais diretamente a luta pelo poder, neste século com a decadência estrutural do capitalismo novas forças ascenderam socialmente. Seguindo os instintos não dogmáticos, retomaram os princípios do Integralismo, surgido na Europa logo após a Primeira Guerra Mundial, com um fanático programa, constando “Deus, pátria e família”.

            Para que tal programa se enraizasse era preciso que a neurose se universalize disseminada pelos canais de acesso dos seguidores adestrados. Nesse sentido, o fenômeno dos cultos religiosos foi potencializado pelo acesso generalizado à internet, pois, permite a realização das pregações e a alimentação do ódio de maneira constante.

            Deus, colocado “acima de todos”, para o integralismo, tem por objetivo não apenas expressar a unidade de culto, como também induzir à unidade política em torno das ideias e do poder do líder, visto como um salvador e sustentador da neurose obsessiva, como sendo a ideia de cada um. Por outro lado, a pátria desperta os instintos corporativos mais brutais, que somente podem ser reproduzidos por meio de atos de violência e ataques constantes desferidos ou reservados para as forças armadas, policiais e facções armadas. A simbologia do apego às cores, ancora-se no sentimento religioso da proteção sagrada do manto que envolve e protege o sujeito da neurose. E, por fim, não pode faltar o aspecto sustentador do narcisismo individual para quem é destinada todas as bênçãos e benefícios vindouros que é a família, embora toda despedaçada, vilipendiada pelos maus exemplos, como e o caso do “comandante em chefe” , mas que compensa com a proteção ferrenha dos filhos contra qualquer tipo de castigo.

            A transferência do poder divino como ocorria com o moderno soberano, induz ao entendimento de que a diversidade atrapalha. Os poderes fora do trono são incômodos e a sua anulação é uma necessidade obrigatória. Os juízos superiores servem como orientações para as atitudes individuais, isto porque, o sujeito tomado pela obsessão de natureza religiosa, não apenas pratica atos obsessivos como também coloca-se em permanente estado de culto.

            A ligação entre o cerimonial das seitas com os atos de natureza integralistas seguem a mesma ordem cumprindo as mesmas formalidades causadoras da dependência participativa. A frequentação do templo ou da rua nas manifestações possui a mesma equivalência e dependência da mesma ansiedade participativa.

            O imperialismo, parafraseando Lenin, podemos dizer que é “a fase superior da religião capitalista”, conseguiu jungir os cerimoniais das seitas com os atos obsessivos integralistas de natureza fascista. Sendo assim, o caráter violento e destrutivo do modo de produção encarna-se nos indivíduos reprodutores das mesmas atitudes por meio dos atos obsessivos, tidos como naturais.

            Por outro lado, o imperialismo precisa de doentes mentais que façam uso do poder político para sustentá-lo. O capital especulativo que suplantou o poder do capital produtivo, precisa, temporariamente, de representantes alucinados, como o que nos impuseram. Essas figuras descabeçadas cumprem o papel de desligarem a luz durante a festa, os mocinhos mal intencionados possam apalpar nos lugares que não poderiam fazê-lo com as luzes acesas. Enquanto isso, os representantes do capital produtivo, criadores do Estado e o Direito positivo, na atualidade não conseguem apresentar um candidato ao governo para compor a “terceira via” e somente terão algum êxito se se somarem ao proletariado.

            O desgaste das forças conscientes e responsáveis para a condução política foi propositalmente planejado. Enquanto os “fiéis” são levados a praticarem atos obsessivos, os “pregadores” ordenam as falas que propagam mensagens de ódio e orientam as práticas dos crimes e desordens negacionistas. A despolitização da política não é um fenômeno desprovido de ideologia, muito pelo contrário, ele é o resultado da desestruturação das relações entre as  forças organizadas e as ideias revolucionárias, fazendo surgir no lugar, as forças do banditismo político e as seitas religiosas, praticantes das cerimônias da morte: da democracia, dos partidos políticos, dos direitos sociais, dos doentes infectados pelo vírus e ativistas políticos

            As obsessões sociais são elaboradas e superadas pela organização social. As religiões já deram mostras que, manipuladas e mal conduzidas criam distúrbios sociais, mas tal qual ocorre individualmente, a neurose obsessiva somente se estabelece quando o sujeito perde a estabilidade emocional sobre si mesmo. Na sociedade isto acontece quando ela perde a consciência sobre o seu próprio destino.

            Na tradição o “anticristo” profere as palavras erradas como se fossem certas e as mentiras têm a presunção de serem verdadeiras. Ele foi prometido de aparecer no fim do mundo. Tomara que seja verdade e que o fim do mundo capitalista esteja mesmo chegando ao fim, para que a civilização seja liberta. Por via das dúvidas, organizemo-nos e façamos a nossa parte.

                                                                                                                             Ademar Bogo

              

             

 

 

 

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