domingo, 8 de agosto de 2021

O BARALHO DO JOGO DEMOCRÁTICO

            O filósofo Albert Camus em seu livro “O mito de Sísifo” escrito no início da Segunda Guerra mundial, descreve “o homem absurdo” como uma necessidade histórica. O mito é antigo, representado pelo rei de Corinto quando morto foi condenado pelo deus da morte, Hades, a rolar uma enorme pedra morro acima para expiar as suas culpas. Por isso, diante do castigo, do caos e das incertezas do presente, “A uma   certa altura do seu caminho, o homem absurdo é solicitado. A história não tem falta de religiões, nem de profetas, ainda que sem deuses”.

            O absurdo no entendimento geral é aquilo que contraria a lógica das coisas. Aparentemente é algo que acontece sem que possamos impedir. Uma ação inaceitável e, aparentemente fora de propósito, é absurda. No entanto, também é absurdo submeter-se ao sacrifício, quando seria possível arrancarmos das próprias contradições as respostas certas para as questões mal respondidas no passado.

          Vivemos um tempo em que reina a política do absurdo. Se por um lado o “demente político”, como o “deus da morte” impõe para uma sociedade submissa o castigo de rolar a pedra de Sísifo montanha acima, com a plena certeza que, antes de chegar ao topo ela rolará ao ponto de origem, do outro lado, existem os “sísifos” que sofrem, mas, em cada parada ou resvalo da pedra, refletem e se articulam para levar a pedra ao destino determinado.

            É no movimento dos contrários existente no mesmo processo absurdo, que as razões se fundamentam. Dizer que “tudo é falso” no absurdo político implantado pelos espantalhos da morte, é falsificar a própria afirmação. É preciso acreditar que o negativo também tem as suas verdades e, ao pô-las em prática, elas caem como sacrifícios nos ombros dos castigados.

            Não podemos negar tudo, como se tudo fosse mentiroso. O mentiroso assim como o ditador são indivíduos reais, eles promovem o caos e se tornam parte dele. A cara da morte estampa-se na cara do morto e o corpo inerte é o resultado da ação da morte, mas, as suas razões ficam obscurecidas pelo impacto da perda da vida. 

            Diante disso, interpretamos que certas insinuações e exigências são absurdas. No entanto, as razões absurdas bem analisadas informam o verdadeiro interesse do caos. Disse Camus: “O verme se acha no coração do homem”. Sendo que certos homens encarnam o lodo do capitalismo, garantem com ele o pulsar do coração e o próprio alimento do verme.

            Há diferentes formas de expor a superioridade absurda; dentre elas, obrigar Sísifo a rolar a pedra montanha acima, como também armar disfarces prendedores das atenções. Se o baralho é liberal, o jogo também será. Nesse sentido, enquanto o espantalho liberal ameaça o processo eleitoral e promove desfiles de alucinados nas capitais, a pedra de Sísifo vai sendo delineada para termos em breve de empurrá-la até o topo da montanha e jogá-la para o outro lado do passado.

            Enquanto o espantalho colocado na lavoura se mostra um monstro assustador intimidando os pássaros, os usurpadores fazem a colheita com a reforma da constituição; a legalização das terras griladas da Amazônia; privatizam os correios, as hidrelétricas, as reservas minerais e, avançam nas reformas fiscais e políticas para deixarem o “espaço da democracia” totalmente controlado.

            Isso é absurdo? Não. Absurdo é conformar-se e, enquanto tudo acontece, colocar-se diante das urnas eletrônicas como se elas fossem as máquinas garantidoras da democracia, enquanto a base da verdadeira da igualdade está sendo corroída pela concentração das riquezas com garantias jurídicas visando o controle total da soberania do país.

            Ao considerarmos que a resistência ao poder de dominação capitalista pode ser feita por dentro do Estado, optamos por dar aos exploradores o direito ao controle do baralho. Eles dão as cartas e nos chamam para o jogo com a certeza de que serão vitoriosos.

            Quando a lavoura for colhida o descarte do espantalho é certo. Sabendo disso ele busca o vento para manter os movimentos intimidadores contra os inimigos e antigos aliados. No fundo o que espantalho quer é um lugar de honra pela função cumprida e a garantia de que não seja queimado ou jogado como uma peça imprestável junto com sua família no lixão de algum presídio.

            Temos certeza de que a História segue em frente, mas, sem gestos aparentemente absurdos, desorganizadores da ordem do sistema, ela será contada pela ótica liberal, e, como Sísifo, continuaremos ingenuamente tentando levar a pesada pedra até o topo da montanha. Para que?

            O baralho do jogo liberal tem as cartas marcadas. Eles sabem quando devem atacar e blefar. A nós não interessa o jogo liberal; interessa o jogo socialista. Mas é preciso começar dar as cartas e jogar.

                                                                                                                     Ademar Bogo

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