Desde
o surgimento da política na antiguidade dá-se a ela a responsabilidade da organização
harmônica das relações entre indivíduos e governantes e de competição entre
Estados e Estados. Por sua vez, a política não anda com as próprias pernas, ela
precisa das matérias econômicas e comerciais para se locomover pela maciez das trocas.
Aristóteles em sua época visualizou esse movimento dizendo que: “Quanto a arte
das permutas, seu ramo principal é o comércio, que consta de três partes: com
transporte por mar, transporte por terra, venda no próprio local da produção”.[1] Tarefa cada vez mais
arriscada de realizar.
Por
natureza, o comércio é o lugar da satisfação das partes envolvidas. É verdade
que existe a concorrência que impede os comerciantes de possuírem e praticarem
uma ética comercial; mas, no fundo, é o respeito à liberdade a comerciar que
todos põem acima de todas as divergências.
Karl
Marx ao estudar o fetiche da mercadoria, identificou nela segredos que impõem o
mistério de encobrir as características sociais do próprio trabalho para
produzi-la. Mas que: “Quando o mundo parecia estar tranquilo, recorde-se, a China
e as mesas começaram a bailar, pour encorager les outres (para encorajar
os outros)”.[2]
A citação se refere à Guerra do Ópio, iniciada em 1839, com a proibição da China da importação desse produto
oferecidos pelos comerciantes ingleses que, revoltados, destruíram diversas
cidades chinesas impondo, em 1842 a assinatura do Tratado de Nanquim, obrigando
o país asiático, além de entregar a ilha de Hon Kong, de abrir cinco novos
portos para a comercialização. Na contemporaneidade prestes a completar
duzentos anos da Guerra do Ópio, são as mesas dos Estados Unidos da América que,
por meio da declaração da “Guerra tarifária”, começam a dançar.
Por
que dançam as mesas norte-americanas? Pelo simples fato de sentirem que o solo
sob os pés começou a mover-se. Bem comparado, o fato dessa dança desesperada
acontecer agora, se deve à inversão do movimento que fez circular as
mercadorias. Se a Guerra do Ópio aconteceu devido a proibição da Inglaterra
exportar o produto intoxicante para a China, no momento são os Estados Unidos
que, de cara feia, proíbem a importação de produtos chineses.
Quando
na década de 1970, o Partido Comunista Chinês decidiu abrir a economia em 14
munícipios do país, viu-se com temeridade aquela iniciativa, tendo em vista que
as empresas de produção capitalistas poderiam migrar para lá, firmar contratos
por tempo determinado com o governo. O Problema parecia estar em que durante a
validade do contrato os investimentos estrangeiros poderiam explorar a força de
trabalho e venderem os seus produtos. Deu certo. Mantendo o controle sobre o
processo produtivo e comercial, o mesmo sistema foi ampliado para todo o país.
De olho na força de trabalho barata, o amplo mercado interno e externo,
facilitado pela globalização, muitas empresas dos Estados Unidos migraram para
a China e de lá passaram a exportar as suas mercadorias para o país de origem.
As
mesas começaram a bailar desesperadamente quando alguns grupos, principalmente
os da especulação, perceberam que as próprias empresas norte-americanas além de
gerarem empregos na China praticavam a
concorrência com os restos das indústrias locais. A elevação brusca das taxas
tarifárias representa uma tentativa desesperada de trazer de volta para casa as
empresas que saíram do país.
Embora
essas medidas de Ronald Trump pareçam estudadas e bem calculadas, elas
representam um ato de desespero por avaliar que, a velha hegemonia devido a
contradição principal da globalização, inverteu os papeis e, agora o senhor se
tornou dependente do escravo que, com desenvoltura, sorriso manso e relações
cordiais, quer afirmar-se também como senhor em um mundo com a economia
globalizada.
Os
Estados Unidos possuem duas armas importantes para se defenderem, a indústria
bélica e o dólar, mas postas sobre uma mesa que sozinha dança pela sala,
provavelmente sentirá, em breve, a impotência de ambas. Isto porque, declarar
uma guerra armada contra a China não dá nenhuma garantia de vitória e, com os
demais países negociando com as próprias moedas, o segundo trunfo também não terá força
de detenção do movimento contrário.
Quais
os limites norte-americanos? Dentre os já descritos em outros textos, como o atraso
tecnológico, a desindustrialização, o crescimento da pobreza interna e a
incapacidade de competição rápida, terá agora, de imediato, que enfrentar a
tendência recessiva da economia, o reposicionamento das bases militares
dispostas no mundo e, manter a cara feia sem perder os aliados.
Parece
que a tranquilidade chinesa de não ficar competindo na publicação de taxas de
importação para saber quem cobrará mais, vai na direção de simplesmente buscar
outros mercados para recolocar os 3% do PIB exportado para os Estados Unidos, o
que parece não ser tão difícil de encontrar. Por outro lado, enquanto os
governantes chineses ampliam os contatos, os negócios e as relações de
investimentos com outros países, os norte-americanos interrompem relações,
quebram acordos e ameaçam os aliados com bravatas, como essa de anexar o Canadá,
comprar a Groelândia, tomar de assalto os minérios ucranianos e sair da OTAN.
A
desmoralização do presidente que, com cara feia e truculência nas ordens, já se
iniciou e tende a se avolumar. Primeiro porque não conseguiu a bravata de
acabar com a Guerra entre a Rússia e a Ucrânia em um dia, assim como a imediata
rendição do Hamas na Palestina e já são quase cem dias de governo, o que se
ouve é a promessa de se retirar dessas intermediações. Por outro lado,
internamente, vemos a reação das universidades contra a política negacionista e
a perseguição aos estudantes e professores, fazendo-os pensarem em abandonarem
o país; a proibição pelo poder judiciário da deportação dos imigrantes ilegais
e a reação por meio das mobilizações populares. Somado a isso, há o crescimento
da taxa desemprego, a elevação do custo de vida e as divergências políticas dentro
do próprio núcleo dirigente da guerra tarifária.
E
nós, diante de tudo isso? Dando “milho aos pombos”? Até quando assistiremos as
mesas bailarem cada qual agarrado ao título de eleitor como a única arma a
lançar mão para o combate que será ainda em 2026? Ou paralisados esperamos uma
condenação de um famigerado que já está, certamente, com o pedido de asilo político
preparado para fugir para a embaixada da Hungria?
A
experiência nos mostra que não se recompõe uma porta arrombada com uma folha de
papel, porque, a função da porta é proteger quem está dentro do ambiente. Se não
há como fugir das circunstâncias históricas é preciso tomá-las como matéria e
fazer delas as novas circunstâncias para fazer a história. A política é uma
arte que oscila entre os tempos harmônicos e de guerra. Chegou o tempo da
guerra, por enquanto é tarifária, dessa forma, o tempo, há tempo, deixou de ser
harmônico. Por isso, cara feia pode ser fome, mas também de desespero. Contra a
forma do imperialismo podemos dar comida, petróleo e minérios, como sempre
fizemos; mas, contra o desespero da vida, segundo o filósofo Arthur Schopenhauer,
oscila entre a “dor e o tédio”, o que faremos para enfrentá-los?
Ademar
Bogo